Urbanização proporciona pluralidade de opções religiosas.
Por Alfredo J. Gonçalves
O processo de urbanização no Brasil e na América Latina, acelerado e desordenado nas últimas décadas do século XX, vem acompanhado de algumas características singulares, de modo particular no que diz respeito à vivência da fé. No mundo rural, como sabemos, a Igreja Católica, com o templo e respectiva torre situados no centro dos municípios, figurava como uma referência não somente religiosa, mas também sociocultural e mesmo política.
Enquanto no seu interior proferiam-se as orações, novenas, sacramentos e celebrações, em suas dependências ocorriam os leilões, as quermesses, as festas do padroeiro e até mesmo os discursos dos candidatos em vista das eleições. Por outro lado, à sobra do templo e torre, ocorriam encontros de natureza vária, tais como negócios, “jornalismo” boca a boca, contratações diárias para distintos serviços sazonais e, claro, os namoros que depois vinham a ser abençoados no interior da igreja.
No universo urbano, além do cinema e teatro e de uma série de lugares de passeio e lazer, surgem dezenas e centenas de “instituições” que oferecem a mesma “mercadoria” de ordem religiosa. A religião vai deixando de ser uma herança familiar para tornar-se uma escolha individual. Debaixo do mesmo teto podem abrigar-se familiares de diferentes credos. O pertencimento a determinada confissão religiosa ou paroquial, o qual, no campo, adquiria um imperativo praticamente obrigatório, cede o lugar à busca livre de interesses próprios que dependerão daquilo que cada instituição coloca à “venda”. No interior do catolicismo, por exemplo, as fronteiras entre uma paróquia e outra, entre uma diocese e outra, borram-se completamente. Primeiro o carro, depois o telefone e agora a Internet e celular permitem participação à distância, sem falar da formação do que poderíamos chamar de “comunidades virtuais”.
Nesse contexto predominantemente urbano da modernidade tardia ou pós-modernidade, três características sobressaem: proliferação e pluralidade dos centros religiosos, trânsito mais ou menos fluído entre eles e a opção livre de temperar o próprio alimento religioso. Na primeira característica, multiplicam-se por toda a cidade, capitais ou grandes metrópoles, as paróquias católicas, as igrejas protestantes históricas, os templos pentecostais, os centros religiosos de origem africana, o espiritismo, o budismo e o islamismo, com suas mesquitas – sem falar das iniciativas particulares das bênçãos e pregações. No centro ou na periferia, nos bairros e condomínios nas ruas e avenidas, surgem lado a lado as mais diferentes denominações religiosas. Não é incomum encontrar três, cinco ou mais centros ou templos, enfileirados, cada qual com seus valores, sua visão de mundo e suas orientações específicas.
A segunda característica decorre da anterior. Em lugar de “fiéis” diários ou semanais, como era comum no mundo urbano, as distintas igrejas passam a contar com “consumidores” de serviços. E aqui vale a máxima de que “quem paga escolhe o cardápio”. A estrita pertença a esta ou àquela religião tende a pulverizar-se em um trânsito frequente por várias delas simultaneamente. Os consumidores do sagrado tendem a buscar aquilo que cada uma pode oferecer: cura, bênção, conforto, consolo, sacramento, prosperidade, auxílio alimentício, organização em vista de melhorias e dos direitos humanos, segurança, sentido de vida, encontros para driblar a solidão urbana, celebrações, cultos, comemorações, oração pelos falecidos, proteção pessoal e/ou familiar, o santo da própria devoção e tantas outras expressões religiosas. Mesmo no interior do catolicismo, os “fiéis” o são não necessariamente com referência a uma determinada paróquia, e sim à busca daquilo do que estão necessitados no momento.
Daí que os movimentos religiosos de diversos matizes, ou até mesmo as pastorais sociais, respondem melhor às suas necessidades imediatas.
A terceira e última característica decorre igualmente das anteriores. Com trânsito livre e frequente entre as denominações e centros religiosos à disposição, os “consumidores” de seus diferenciados serviços passam a escolher naturalmente aquilo que lhes interessa. Isso mesmo, mais uma vez, os interesses pessoais ganham preferência sobre o sentido estrito de pertencimento. Quase se poderia afirmar que a religião, no universo urbano, constitui um gigantesco shopping center, não concentrado, mas com uma rede capilar por todo o território da cidade, em cujas lojas podemos encontrar tudo o que é necessário desde um ponto de vista do sagrado. Entra em cena o que chamamos de religião do self service: cada pessoa, como livre passagem pelos corredores desse imenso “centro comercial”, pode escolher o próprio credo, com seus valores, orientações, luzes, palavras – temperando dessa forma o próprio prato religioso.