Há 500 anos - o protesto do dominicano Antônio Montesino

Paulo Suess *

Profecia ontem e hoje: na luz e na sombra de Montesino

Há três maneiras de contar a história: a do marinheiro, do camponês e do pescador. O marinheiro conta viagens que ele realmente fez e as mistura com outras que ele queria ter feito. O marinheiro é o macro-historiador. O pescador transforma a piranha, que ele pescou, em peixe boi que lhe foi roubado por uma onça no caminho para casa. O pescador inventa a história. O camponês conta pequenas histórias da vida cotidiana de casa e trabalho. O camponês é o historiador da micro-história. Na história da América Latina, quando alguém fala da presença profética da Igreja durante a época colonial, geralmente, se trata da história de pescador.

Cenário 1
Neste quarto Domingo de Advento comemoramos 500 anos da denúncia profética de Antonio Montesinos. Havia, portanto, na conquista espiritual das Américas também vozes proféticas, como a de Bartolomé de Las Casas, bispo de Chiapas (México) e de Diego de Medellín, terceiro bispo de Santiago de Chile. Vozes proféticas, porém, não devem ser confundidas com uma Igreja profética (cf, Documento de Santo Domingo, n. 4 e 20).

Montesinos fazia parte da comunidade dominicana de Santo Domingo. Sua voz e a de sua comunidade foram logo condenadas pelo poder político e religioso a um "silêncio obsequioso". Para essa comunidade, a prática missionária de um só ano foi suficiente para perceber que o maior obstáculo para conversão e catequese dos índios não era sua idolatria, mas a injustiça praticada contra eles.

Naquele memorável quarto Domingo de Advento, de 1511, os dominicanos convidaram o governador Diego Colombo, os oficiais do Rei e os juristas letrados para a sua Igrejinha de palha. Frei Antônio Montesinos era seu porta-voz, quando bradava: "Todos estais em pecado mortal e nele viveis e morreis por causa da crueldade e tirania que usais com estas gentes inocentes. Dizei, com que direito e com que justiça tendes em tão cruel e horrível servidão estes índios?" (cf.http#//www.missiologia.org.br)

Cenário 2 - 1992
No dia 16.03.1512, o dominicano Montesino foi castigado com um silencia obsequioso, da parte de seu provincial de Madrid, do qual nunca mais se recuperou. Ele e sua comunidade foram definitivamente proibidos de se pronunciar sobre a "horrível servidão dos índios". E quando se tratou de celebrar uma missa penitencial no Monumento de Antonio Montesino, durante a Conferência de Santo Domingo (1992), a coordenação do evento declarou tal proposta como manobra da esquerda. Os únicos que tiveram a coragem de participar dessa missa penitencial aos pés do monumento de Montesinos foram os bispos Dom Erwin Kräutler e José Maria Pires (parabéns, D. José, pelos seus 70 anos de sacerdócio, no dia 20.12.!) Em condições conspirativas romperam o bloqueio oficial da Conferência de Santo Domingo.

Cenário 3 - 2011
Sinais e ações proféticos marcam resistências contra o sofrimento. Na revolta da "Primavera Árabe", no "Movimento dos Indignados", da Espanha, no levante estudantil, do Chile, nos protestos "Ocupe Wall Street", nos Estados Unidos, na resistência indígena na Bolívia e no Brasil e na indignação militante contra Belo Monte e a transposição do Rio S. Francisco, o cálice do sofrimento transborda. Ramificações desses movimentos de protesto apontam no mundo inteiro para a construção de "outra sociedade". Cada gesto simbólico ou real de gratuidade profética rompe com a normalidade do sistema. Cada transformação de relações de competição em relações de reciprocidade e solidariedade pode estar na raiz de uma nova sociedade.

* Paulo Suess é teólogo e assessor do Conselho Indigenista Missionário - Cimi. Acesse o Blog do autor: http#//paulosuess.blogspot.com/

Fonte: http://paulosuess.blogspot.com/

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