Segurança alimentar, fecundidade e armadilha da pobreza

José Eustáquio Diniz Alves *

O Dia Mundial da Alimentação acontece todo 16 de outubro e é um momento para reflexão sobre o estado da insegurança alimentar da população e para a busca de soluções para superar o flagelo da fome e da carestia no mundo.

O International Food Policy Research Institute (IFPRI) divulgou neste mês de outubro o Índice Global da Fome (IGF), 2011. O índice, que é calculado principalmente para os países em desenvolvimento, varia em uma escala de 0 a 100 pontos e classifica a situação da fome em 5 categorias: baixa (menos de 5 pontos), moderada (de 5 a 10), séria (10 a 20), alarmante (de 20 a 30) e extremamente alarmante (acima de 30 pontos).

O relatório do IFPRI mostra que a fome vem diminuindo lentamente no mundo, mas varia bastante entre as regiões, com os mais altos índices ocorrendo na África Subsaariana e em algumas partes da Ásia. A maioria dos países da América Latina estão classificados nas categorias baixa e moderada, com exceção do Haiti que apresenta IGF de 28,2 pontos e está classificado na categoria alarmante. No mundo, além do Haiti, existem outros 25 países que apresentam fome e insegurança alimentar em níveis alarmantes ou extremamente alarmantes.

Segundo a FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) existiam algo em torno de 925 milhões de pessoas passando fome no mundo em 2010. Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODMs), estabelecidos pela ONU, no ano 2000, colocaram como meta a redução da proporção de pessoas subnutridas (indicador de uma situação de fome) dos 20% do período 1990-1992 para 10% em 2015. Esta meta dificilmente será alcançada, por dois motivos. Por um lado, houve um expressivo aumento da população mundial de 5,3 bilhões, em 1990, para 7 bilhões de habitantes, em 2011, devendo chegar a 7,3 bilhões de pessoas em 2015. Este crescimento de cerca de 2 bilhões de pessoas, no período, aconteceu principalmente em países pobres e com baixa capacidade de aumento da produção de alimentos.

Por outro lado, o preço da comida, que vinha caindo nas últimas duas décadas do século XX, começou a subir a partir do início da primeira década do século XXI. O Índice de Preços dos Alimentos da FAO saiu de um patamar de 100 entre 2002-2004 para 210 no primeiro semestre de 2008, caiu em 2009, mas voltou a subir em 2010 e atingiu o elevado patamar de 230 pontos no primeiro semestre de 2011. O aumento do preço dos alimentos cresceu muito em função do aumento do preço do petróleo e demais combustíveis fósseis.

Mas a alta concentração fundiária, o monopólio na distribuição e comercialização dos produtos, a especulação, o desperdício, a produção de biocombustíveis, a degradação do solo, a poluição e acidez das águas e os efeitos das mudanças climáticas - tudo isto - tem pressionado o preço dos alimentos para patamares elevados.

Desta forma, o preço dos alimentos deve continuar elevado em decorrência do crescimento da demanda provocado pelo aumento da população e devido às restrições na oferta provocadas pelos problemas ambientais e pelo desigual acesso aos meios de produção.

Para os países que são grandes produtores de comida, como o Brasil e a Argentina, o aumento do preço dos alimentos não tem impacto significativo na segurança alimentar da população mais pobre. Mas o relatório do IFPRI mostra que existem 26 países que apresentam níveis de fome alarmantes ou extremamente alarmantes. A fome apresenta maior incidência naqueles países que são pobres, apresentam baixos indicadores de desenvolvimento humano (IDH), alta fecundidade, baixa segurança pública e instabilidade política.

Os dados mostram que existe uma alta correlação entre o Índice Global da Fome (IGF) e a Taxa de Fecundidade Total (TFT). De fato, as principais vítimas da fome são as crianças. Os países que possuem IGP elevado, em geral, apresentam altas taxas de fecundidade. Estes dois fenômenos ocorrem concomitantemente devido à falta de direitos humanos básicos para a população, como educação, habitação adequada, saneamento básico, saúde, saúde reprodutiva, etc. Sem uma boa governança e sem os direitos de cidadania a população não tem autonomia para definir os rumos de suas vidas.

Na República Democrática do Congo o IGF registrou aumento de 63% devido aos conflitos internos e instabilidade política. A Somália, outro exemplo de país que apresenta índices de fome extremamente alarmantes, tem estado em guerra civil nas últimas décadas e sem um governo capaz de efetivar qualquer política pública para melhorar a qualidadade de vida da população. A situação de pobreza é agravada por uma taxa de fecundidade de mais de 6 filhos por mulher, baixa esperança de vida ao nascer e um elevado crescimento demográfico. A população da Somália passou de 2,3 milhões, em 1950, para 6,6 milhões, em 1990, para 9,6 milhões, em 2011, e deve chegar a 28,2 milhões de habitantes em 2050, segundo dados da Divisão de População da ONU.

Segundo Costa Azariadis, no artigo "The theory of poverty traps: What have we learned?" (2004), um país encontra-se em círculo vicioso quando a situação de pobreza convive com baixos níveis de investimento em educação e saúde pública, quando existem altas taxas de mortalidade infantil, grande insegurança pública, baixa esperança de vida, reduzido tempo de vida dedicado ao trabalho produtivo, baixo investimento em infra-estrutura e baixos investimentos em setores produtivos, cíência e tecnologia, etc. A armadilha da pobreza seria uma situação em que o alto crescimento do número de pessoas pobres dificultaria a redução da percentagem da população pobre do país.

Azariadis considera que para sair da armadilha da pobreza é preciso garantir uma boa governança, manter a estabilidade institucional, combater os governos cleptomaníacos, aumentar os investimentos em políticas públicas de educação, saúde e habitação, reduzir as taxas de mortalidade infantil e de fecundidade, aumentar o percentual da população em idade ativa, aumentar a esperança de vida, aumentar as taxas de poupança e investimentos, aprofundar a base técnica para a produção de bens e serviços e para a maior geração de empregos e proteção social, etc. Somente com mudanças sociais, econômicas, políticas e culturais se pode passar do círculo vicioso para o círculo virtuoso do desenvolvimento humano e ambientalmente sustentável.

Portanto, para a redução do número de pessoas que atualmente sofrem com a insegurança alimentar e a fome no mundo é preciso um conjunto de ações que se efetivem em medidas localizadas, simultaneamente, em três áreas: 1) redução relativa do preço dos alimentos; 2) defesa do meio ambiente; 3) efetivação dos direitos humanos de maneira plena, indivisível e universal.

* José Eustáquio Diniz Alves, colunista do Ecodebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas - ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

Fonte: www.ecodebate.com.br

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