8 perguntas & respostas sobre a Primavera Árabe

Leonídio Paulo Ferreira *

Uma vaga revolucionária assola o mundo árabe desde Dezembro. E três ditadores já caíram. Juntos somavam quase cem anos no poder. Mas se a ideia é criar democracias no Magrebe e no Norte de África, uma andorinha não faz a Primavera

Qual foi o início da chamada Primavera Árabe?
Na manhã de 17 de Dezembro, um vendedor ambulante de vegetais tunisino foi multado pela polícia em Sidi Bouzid, no Sul do país. Por protestar, apreenderam-lhe a pequena carroça onde transportava as hortaliças. Indignado, Mohammed Bouazizi foi-se queixar dos polícias às autoridades locais. Ninguém o quis escutar. Ninguém o quis receber. Nem sequer quando explicou ser o único sustento de uma mãe viúva, de um tio-avô e de uma dúzia de irmãos. De seguida, regou-se com gasolina e deitou fogo a si próprio. Socorrido, sobreviveu, mas com queimaduras graves por todo o corpo. A sua imolação gerou uma onda de protestos solidários em Sidi Bouzid e depois no resto da Tunísia. De repente, o regime tunisino era acusado de prepotência. E de ignorar as dificuldades da população, sobretudo dos jovens, muitos deles com estudos universitários mas sem perspectiva de emprego. Calcula-se que em alguns países árabes o desemprego jovem ronde os 40 por cento, o que significa o adiar de uma vida independente.

Como reagiu o presidente Ben Ali aos protestos?
De início, o homem no poder em Tunis desde 1987 preferiu ignorá-los. Mas com a pressão popular a crescer, até visitou Bouazizi no hospital, sendo fotografado ao lado do jovem totalmente coberto por ligaduras, poucos dias antes deste morrer a 4 de Janeiro. Depois, o ditador ordenou à sua polícia que reprimisse os manifestantes. Como mesmo assim os protestos prosseguiram, não só na capital Tunis, com um pouco por todo o país, pediu a intervenção do exército. Os chefes militares recusaram intervir contra o povo e Ben Ali ficou isolado. A 14 de Janeiro fugia do país num avião a caminho da Arábia Saudita.

Os protestos alastraram ao Egipto. De que forma?
A televisão Al-Jazeera, baseada no Qatar mas vista em todo o mundo árabe, foi decisiva. Mostrou a revolta tunisina aos outros países do Magrebe e do Médio Oriente. De repente, populações habituadas a terem líderes que mandaram durante décadas sem contestação viam Ben Ali ser desafiado nas ruas e derrubado. Ao mesmo tempo, as redes sociais na internet, como o facebook e o twitter, permitiram aos opositores contornar a apertada vigilância das polícias políticas e organizar protestos de rua. A chegada dos jornalistas estrangeiros, que mostravam a Primavera Árabe ao mundo, também incentivou os povos a acreditar na mudança. No Egipto, as manifestações contra Hosni Mubarak começaram a 25 de Janeiro. No Iémen, a contestação iniciou-se a 11 de Fevereiro. E no Bahrein, a população começou a sair à rua a 14 de Fevereiro.

Porquê Primavera Árabe, se começou em Dezembro?
A designação é uma referência à Primavera dos Povos, que a Europa viveu em meados do século XIX. Na época, houve revoltas populares contra os monarcas absolutos e a exigir mais direitos para as populações. Nas ditaduras árabes, mesmo nas repúblicas, a sucessão dinástica estava na moda: Bashar Assad sucedeu há uma década ao pai na Síria, Gamal Mubarak preparava-se para substituir o pai no Egipto e até Muammar Khadafi, o líder líbio, promovia Saif al-Islam, o seu filho mais velho, como herdeiro político. Os povos árabes revoltaram-se contra déspotas que se viam já como donos dos seus países.

Onde foi até agora vitoriosa a onda revolucionária?
Os protestos na Tunísia forçaram Ben Ali ao exílio. O egípcio Mubarak caiu em meados de Fevereiro e está a ser julgado no Cairo. Khadafi, que viu a 21 de Agosto Tripoli, a capital, passar para as mãos dos rebeldes, promete agora resistência de um esconderijo que se julga ser na Líbia. Nestes três países pode dizer-se que a revolução triunfou, mas isso não significa que a democracia venha a ser conseguida nos tempos mais próximos.

Que país promete mais vir a ser uma democracia?
Com os seus dez milhões de habitantes, 7,1 por cento da riqueza nacional investida na Educação e as mulheres com direitos únicos no mundo árabe, a Tunísia está bem posicionada para lá chegar. Desde a independência da França em 1956, tem havido um sério esforço de modernização por parte dos seus líderes, com Habib Bourguiba a promover o estatuto feminino e a criticar o islão ortodoxo o seu sucessor, e Ben Ali, mesmo ditador, a apostar forte nas novas tecnologias que levariam de certo modo à sua queda. Estão marcadas eleições para Outubro, com partidos de todas as ideologias, desde os islamitas aos comunistas. No Egipto, com os seus 82 milhões de habitantes, o processo advinha-se mais complicado, porque os militares dominam a vida política desde o derrube da monarquia na década de 1950. Os civis exigem que se acelere a passagem de poder, mas os generais, todos ex-camaradas de Mubarak, temem ver o país mergulhar no caos. Já na Líbia, de sete milhões, e além das bolsas de resistência pró-khadafistas, a legitimidade dos rebeldes é limitada pela necessidade de terem contado com os bombardeamentos da NATO para o triunfo. O novo líder é Mustafa Jalil, que até Fevereiro era ministro da Justiça de Khadafi. E as divisões tribais são fortes, pelo que se teme que haja ajustes de contas e luta pelo maná petrolífero (mas este até poderá pagar consciências).

Onde falhou a Primavera Árabe?
Na Jordânia e em Marrocos, medidas liberalizadoras dos monarcas permitiram, aliviar a pressão popular e não há grandes hipóteses de revolução. Na Argélia, os militares sufocam qualquer contestação e a própria população, ainda com uma guerra civil na memória, não se arrisca a destabilizar o regime. No Iémen, muito tribal, o poder de Ali Abdullah Saleh está fragilizado, mas tarda a mudança de líder. Já no Bahrein, o apoio militar saudita permitiu ao rei esmagar a revolta. A grande incógnita é a Síria, onde os protestos iniciados a 18 de Março prosseguem, apesar da dura repressão do regime, incluindo fazer entrar blindados nas cidades, ter feito mais de dois mil mortos. Assad promete abertura do regime, mas sem convencer ninguém. Está cada vez mais isolado.

A religião joga algum papel nestas revoltas?
Pouco, tirando que no Bahrein e na Síria, são minorias islâmicas que governam maiorias de outra corrente do islão. Nos protestos ninguém queimou bandeiras americanas ou de Israel e não houve palavras de fidelidade à Al-Qaeda. Tanto na Tunísia como no Egipto, os partidos islâmicos prometeram respeitar o jogo democrático. Só na Líbia, se suspeita que boa parte dos rebeldes gostaria de ver proclamado um Estado islâmico, mas a influência internacional não o permitirá. Mas houve alguns incidentes com cristãos: um padre foi degolado na Tunísia e igrejas coptas atacadas no Egipto, mas já o eram antes da mudança de regime.

* Leonídio Paulo Ferreira, jornalista do DN em Portugal.

Fonte: www.fatimamissionaria.pt

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