O ciúme

Maria Regina Canhos Vicentin *

"Era uma vez dois amigos que professavam a mesma fé. José e João viviam próximos e tinham semelhantes ideais. Um era mais preocupado com a letra, outro com a ação. Um levava muito em conta o que pensavam dele, outro não se importava. Ambos serviam ao mesmo Senhor, mas o faziam de forma absolutamente diversa. Enquanto José pregava coisas maravilhosas, João fazia coisas maravilhosas. Ambos eram muito importantes para aquela localidade, pois se complementavam.

Acontece que, certo dia, o Senhor quis presentear um de seus servos. Escolheu José e lhe deu uma função diferenciada. No comando, José tratou de arrumar tudo a seu modo, e logo resolveu que João deveria se mudar para longe, assim não teria de conviver com suas obras. José sossegou seu coração inquieto, dizendo a si mesmo que seria melhor para João respirar novos ares; e experimentou certo alívio ao lhe enviar para um povoado distante e apegado às riquezas.

O tempo corria, e enquanto José se orgulhava de sua ilustre posição, inclusive deixando a soberba lhe cortejar; João se esforçava para fazer amizades e cativar os membros daquela comunidade tão envolvida em banalidades e tão avessa às coisas de seu Senhor. A tristeza tomou conta de João que tinha saudades de sua gente, mas também consciência de que deveria procurar fazer o seu melhor. Vários meses se passaram até João conquistar o coração daquele povo que, influente e endinheirado, começou a participar de seus encontros e contribuir com suas obras assistenciais.

O Senhor, como sempre, estava atento e satisfeito com os resultados. Resolveu presentear seus servos novamente. Desta vez, escolheu João. Chamou-o de volta à sua comunidade para assumir uma função importante. José ficou preocupado, e quando soube da notícia quase não dormiu. Tinha medo que João o mandasse embora para longe, como ele havia feito, por não suportar o seu jeito de servir ao Senhor. Mas, não foi o que aconteceu. Embora então José lhe estivesse sujeito, João deixou que ele permanecesse no povoado.

A atitude de João, no entanto, parece não ter sensibilizado José, pois não se notou nem uma ponta de gratidão, remorso ou culpa em seu comportamento afetado. Por alguns dias, José ficou calado; cabisbaixo, como ovelha tosquiada. Algumas semanas passadas, porém, voltou a se pronunciar de modo provocativo, discursando sobre tudo o que achava errado, e que João fazia. José se achava certo e, por isso, repetia muitas vezes as mesmas coisas. Não havia parado ainda para examinar a sua consciência, e verificar que o motivo de tal exasperação era, tão somente, o ciúme."

Às vezes, é difícil aceitar que não somos tão amados quanto gostaríamos; principalmente se fazemos eloquentes discursos, dignos de aclamação. É preciso humildade para perceber que, embora simples e rudimentares, talvez mais necessárias sejam as obras que podem ser vistas, usufruídas e compreendidas por todos. O ciúme divide o que o Senhor gostaria que permanecesse unido. Reconhecer o valor de cada pessoa é de suma importância para o bem comum; para que José e João possam conviver em paz!

* Maria Regina Canhos Vicentin (e.mail: contato@mariaregina.com.br) é escritora. Acesse e divulgue o site da autora: www.mariaregina.com.br

 

Fonte: www.mariaregina.com.br

Deixe uma resposta

onze − 1 =