Da Candelária ao Realengo: um Via Sacra que parece não ter fim

Xavier Paolillo *

A chacina que aconteceu dia 07 de abril, na Escola Municipal Tasso da Silveira em Realengo, na zona oeste do Rio de Janeiro, infelizmente não é a primeira do gênero no Brasil como muitos andam dizendo por aí.

Dezoito anos atrás, precisamente na madrugada do dia 23 de julho de 1993 um grupo de extermínio abriu o fogo contra 70 crianças e adolescentes de rua que dormiam ao relento nas imediações da Igreja da Candelária matando oito pessoas, entre as quais seis menores de 18 anos.

Não dá para esquecer isso porque, apesar das diferenças quanto às circunstancias, o movente e o perfil dos assassinos, as duas chacinas têm algo em comum: a idade de suas vítimas, entre 11 e 17 anos, e o fato de terem sido mortas com armas de fogo sem chance de defesa. Na Candelária morreram Paulo Roberto de Oliveira, de 11 anos; Anderson de Oliveira Pereira, de 13 anos: Marcelo Cândido de Jesus, de 14 anos: Valdevino Miguel de Almeida, de 14 anos; "Gambazinho", de 17 anos e Leandro Santos da Conceição, de 17 anos. No Realengo faleceram Milena dos Santos Nascimento, de 14 anos; Mariana Rocha de Souza, de 12 anos; Larissa dos Santos Atanásio, de 13 anos; Bianca Rocha Tavares, de 13 anos; Luiza Paula da Silveira Machado, de 14 anos; Laryssa Silva Martins, de 13 anos; Géssica Guedes Pereira, de idade não divulgada; Samira Pires Ribeiro, de 13 anos; Ana Carolina Pacheco da Silva, de 13 anos e Igor Moraes da Silva, de 13 anos.

Estes meninos e meninas, apesar de terem histórias diferentes, ficaram irmanados num trágico destino. Suas vidas foram prematuramente ceifadas pela violência. Nesse momento pouco importa se uns eram meninos de rua e outros estudantes. O que interessa mesmo é que todos eles eram crianças e adolescentes. Os meninos da Candelária morreram enquanto sonhavam. Os do Realengo encontraram a morte enquanto estudavam. Os meninos da Candelária estavam na rua. Mas os do Realengo estavam na escola. Os meninos da Candelária morreram no meio da noite. Os do Realengo em pleno dia. Todos eles tiveram seus sonhos abortados. De noite ou de dia, na rua ou na escola, em casa ou na praça, pouco importa: ficaram a mercê da violência. Nós não estamos dando conta de proteger nossas crianças.

Diante da gravidade destes fatos não dá para surfar nas ondas do sensacionalismo, mas é preciso mergulhar nos fatos para aprofundar a reflexão e encontrar respostas que ajudem a derrotar a violência.

Retomar o mais rápido possível a campanha do desarmamento, desarmar os corpos e os espíritos, boicotar os programas televisivos e os jogos eletrônicos que incentivam a violência, derrotar a prática do bullying, educar à solução não violenta dos conflitos, intensificar os programas de tratamento destinados aos portadores de psicopatologias, promover a solidariedade, incentivar a cultura do cuidado pela vida, do respeito pelas diferenças e da atenção à pessoa são passos imprescindíveis para evitar estas tragédias e construir a cultura da paz. Comportamentos como aquele do autor da chacina poderiam ser previstos e evitados se houvesse uma atenção especial para com as pessoas, sobretudo com aquelas que, desde pequenas, apresentam transtornos e dustúrbios psicóticos.

Espero que estas tragédias, além de provocar nossa comoção, nos convoquem a um compromisso firme em defesa da vida. Sugiro, enfim, que as famílias das vítimas, a quem manifestamos a nossa solidariedade, estudem a oportunidade de uma ação indenizatória contra a empresa responsável pela fabricação das balas e das armas que foram utilizadas para assassinar estas crianças na mesma linha das ações impetradas por doentes de câncer contra as empresas produtoras de cigarro. Quem sabe que tal artifício não contribua a diminuir a produção e a comercialização de armas e de munição.

* Saverio Paolillo (Pe. Xavier)da Pastoral do Menor Arquidiocese de Vitória - ES. Rede Aica - Atendimento Integral á Criança e ao Adolescente.

Fonte: www.ecooos.org.br

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