Se as árvores falassem

Richard Jakubaszko*

Parece a série Diálogos Impossíveis, digamos assim. Ocorre que tenho um vizinho que é absolutamente idiota e chato, mas tenho de reconhecer, um inventor brilhante. Pois não é que o cara inventou um aparelho decodificador, ao qual chama de "first translator naturébicus", uma geringonça que permite que você converse com objetos inanimados, como árvores, por exemplo. Foi com esse aparelhinho estrambótico debaixo do braço que nos dirigimos para a primeira árvore que encontramos. Era uma imponente e jovem sibipiruna na calçada na nossa rua. Colocamos a geringonça em teste. Instalamos uma cinta ao redor do tronco da árvore, fixada por pequenas tachinhas na casca da mesma. A outra ponta da extremidade dessa cinta estava plugada na USB do notebook, e aí digitamos a primeira pergunta:

Pergunta: Como vai, dona árvore?

Resposta: Estou aqui, impassível, como você pode ver, respondeu a árvore em texto "digitado" diretamente na tela do notebook. O texto ia aparecendo, rápido.

Foi um choque, nem dava para acreditar que nos comunicávamos com uma árvore.

P. Quer dizer que a senhora pode se comunicar com a gente, com os humanos?

R. Pois acredite nisso, seu vizinho aí é um gênio...

P. Não sei nem o que perguntar para uma árvore, apesar de ser jornalista acostumado a fazer perguntas a torto e direito, mas faço perguntas para pessoas, nunca para árvores.

R. Pois pergunte se me tratam bem...

P. Então, a senhora é bem tratada?

R. Em primeiro lugar, não sou senhora, sou do gênero neutro, se é que você entende. Em segundo lugar, me tratam muito mal aqui nas cidades, veja o cimento que há em volta do meu tronco, aí na calçada. Tem uns 15 cm de terra entre o cimento e o meu tronco. Isso me impede de absorver a água da chuva, e assim minhas raízes não conseguem se espalhar para os lados, na mesma largura da copa. Isso me tira o equilíbrio. Cada vez que vem uma ventania tenho de me segurar na ponta das minhas raízes mais profundas para sobreviver...

P. Permita-me, árvore, interpretar a sua resposta. Significa que deveria haver uma área maior de terra ao redor de seu tronco, não é?

R. É claro, pois quando você me olha você vê apenas metade do que sou, em termos de tronco e galhos, mais as folhas, e nunca vê minhas raízes. Pois debaixo da terra existe a minha outra metade, é dessa forma que me manteria firme, não fosse o cimentado e o asfalto que tornam minha vida um suplício.
Não sei a razão, mas antigamente os prefeitos eram mais inteligentes, usavam paralelepípedos, e não asfalto, como hoje em dia. Os paralelepípedos permitem infiltração da água, mas quem tem automóvel parece que não gosta do barulinho que as pedras provocam...

Já meio entusiasmado com as respostas da árvore o agrônomo Antônio Borges, que estava assistindo à entrevista quase coletiva, lascou uma pergunta.

P. E seus pulmões, com esta poluição? Seu agrônomo recomendou alguma lavagem com detergentes para desintoxicar?

R. Em primeiro lugar, não tenho pulmões, como vocês humanos. Segundo, como já disse antes, quanto mais poluição melhor pra mim, eu vivo de CO2, sol, terra e água, aí se opera a mágica da fotossíntese. Isso é algo que os cientistas humanos sabem que acontece, mas não têm ideia de como ocorre.

Borges brincou de ser jornalista:
P. Você deveria ter mais cuidado com as baganas de cigarro ou então parar de fumar. Olhe seus pés...
R. Você é humorista, cara? Eu fumo, sim, aliás, eu como, eu vivo de CO2. Isso, para mim, é alimento...

O agrônomo ignorou a crítica da entrevistada e foi em frente.

P. Você tem sede?

R. Claro que sim, às vezes chove muito, mas a água vai se embora lá para as baixadas, inunda tudo por lá e eu nem tenho tempo de beber a água que preciso. Vivo com sede.

A experiência que fazíamos chamou a atenção de pessoas que passavam. Chegava gente de todo tipo, alguns vizinhos, até a polícia e alguns jornalistas, avisados por amigos e informantes. Vinham testemunhar o novo fenômeno de comunicação. Muita gente procurava entender a situação, duvidando que uma árvore pudesse falar. Bom, falar não falava, mas comunicava e se expressava.
Parecendo uma coletiva de imprensa, a jornalista de nome Vera Ondei, digitou sua pergunta:

P. Até onde vão as suas raízes?

R. Vão para baixo e para os lados, é claro, mais ou menos na mesma altura e largura da copa. É que procuro água no lençol freático mais profundo, mas aqui na cidade só tem água por lá quando chove muito, mas muito mesmo. Na largura da copa não tem água, por causa desse cimento aí na calçada e depois o asfalto impermeabiliza tudo...

Primavesi, outro agrônomo, perguntou mais:

P. "E como se arruma isso tudo?"

R. Por sorte havia gente que mantinha certa permeabilidade em suas casas e assim o lençol freático era recarregado e podia me ceder um pouco de água para eu transpirar e umidificar o ar nos dias quentes. Certamente o ar, o oxigênio ficou mais ralo nas minhas raízes, por isso estou mais fraca, mais lenta em minhas reações. Agora, inventaram de construir o subsolo e drenar parte do lençol freático. Por sorte sou de espécie que lança raízes em profundidade. Antes, o solo não tinha nenhum impedimento para que elas pudessem descer e encontrar água. Mas estão dizendo que vão precisar do subsolo para ampliar o metrô, e vão ter que cortar a ponta de minhas raízes, e acham que não compensa transplantar-me. Ainda assim estou contente, se mesmo após morta e esquartejada puder fornecer a energia solar que acumulei durante minha vida, para que seja assado um pão, ou preparado um alimento, ou produzido calor para alguém que passe frio: que melhore a qualidade de vida do topo da cadeia alimentar, o ser humano. Só fico pensando sobre quem fará isso no futuro, pois não estou vendo mais árvores no entorno. Dizem que o ser humano não gosta de árvores...

Parece que as árvores não têm espaços em ambientes chamados desenvolvidos, eficientes, em que somente o que tem algum valor econômico vale a pena cuidar. Não consigo entender! Aprendi na natureza que nós éramos a expressão de máxima capacidade de acúmulo de energia solar por metro quadrado (a cana e o capim elefante têm a máxima taxa de acúmulo por ha/ano). Sim, de energia. Isso que todos dizem que precisa aumentar a oferta, pois está acabando.
Certamente, está acabando, não vejo mais árvores. Parece que isso ficou obsoleto, e que a tal tecnologia faz melhor e mais barato. A vida é assim. O mais fraco é substituído pelo mais forte. Mas estou contente, feliz, pois cumpri o meu dever.

Fiquei pensando, enquanto lia a resposta na tela do notebook. Dizem que tem os tais de serviços ecossistêmicos que são realizados por árvores, e que ajudam as cidades grandes a conseguir a água para abastecimento.

Um vizinho que passava comentou: "Realmente, precisa acabar com essa árvore. Pois acabou de cair uma folha seca em meu cafezinho. Que porcaria! Vou voltar pro meu escritório, pro ar condicionado. Pena que a energia está cara! Droga de rinite crônica e ardência nos olhos!"

Uma jornalista da internet, de nome Mônica Costa, foi chegando e perguntou:

P. E aí? Tá precisando de ar fresco? Quem está quebrando o seu galho?

R. Já disse que gosto de CO2, portanto, bem poluído, aí reciclo o ar para vocês humanos terem ar fresco, mas vocês parecem não entender bem isso...

Então escrevi outra pergunta no notebook:

P. Qual a contribuição das árvores urbanas?

R. As árvores urbanas contribuem para a boa qualidade de vida nas cidades, por meio de inúmeros serviços ou processos ecológicos, destacando-se a redução da poluição do ar, interceptação da água de chuva, sombreamento e estabilização da temperatura, redução do ruído e promoção de melhorias no bem-estar psicológico e físico. Também atuamos na manutenção da umidade relativa do ar em nível adequado, por meio da vaporização de água, e evitamos elevação muito brusca da temperatura, reduzindo amplitudes térmicas. A umidade relativa do ar tem relação direta com a temperatura. Com mais calor, aumenta a demanda evapotranspirativa da atmosfera e há menos água disponível no solo e no ar, se a amplitude térmica for muito grande. Ou seja, ninguém percebe, mas se nós árvores formos expulsas das cidades, vocês humanos morrem de calor e sede.

P. Os que gostam de árvores apreciam o verde. Você sabe a causa disso?

R. Um cientista registrou que a cor verde alivia e acalma, tanto física como mentalmente. Atua sobre o sistema nervoso simpático, alivia a tensão dos vasos sanguíneos e diminui a pressão do sangue. Dilata os vasos capilares e produz sensação de tepidez. É estabilizadora emocional e estimuladora da pituitária. Age sobre o sistema nervoso como sedativo e ajuda em casos de insônia, de esgotamento e de irritação.

P. Diga-nos mais a respeito de seus serviços.

R. Pois não: os impactos mais diretos são sobre a temperatura e a umidade relativa do ar. A cidade apresenta microclima diferente daquele do meio rural. O microclima urbano possui temperatura mais elevada, nebulosidade mais intensa, umidade relativa do ar mais baixa e velocidade dos ventos e turbulências menos intensas. Ao se percorrer aproximadamente 53 km em linha reta da região central da cidade de São Paulo, verifica-se que a temperatura varia de 13ºC a 26ºC. Comprova-se aquecimento de até 10ºC maior nas áreas densamente urbanizadas, o que indica a existência de ilhas de calor, que poderiam ser amenizadas com implantação de áreas verdes nas cidades.

O calor é refletido pelo material usado nas construções urbanas e produzido pelas atividades humanas associadas ao uso de combustíveis. A menor troca de ar causada pela restrição dos ventos contribui para manter o calor. As árvores tornam o ambiente mais agradável ao proteger as pessoas da radiação solar direta (predominantemente de ondas curtas, de luz visível) e da radiação de ondas longas (calor ou radiação infravermelha) emitida pelos prédios. De acordo com a estrutura da árvore, a maior parte dessa radiação incidente pode ser bloqueada pela copa.
Como a sombra da árvore protege também o solo, este não emite ondas longas de calor para as pessoas.

Um radialista passava também pelo local, de nome Odemar Costa, digitou mais uma pergunta:

P. Como é que uma árvore se sente em relação ao xixi dos cachorros?

R. Não vemos nenhum inconveniente. Na natureza a gente recicla tudo. Só aproveitamos o que nos interessa, o resto passa...

Digitei outra pergunta:

P. E a água, dizem que vai acabar? Você concorda com isso?

R. É uma piada de gente ignorante... A quantidade de água que existe hoje em dia é a mesma que existia 2 ou 3 milhões de anos atrás, nem uma gota a mais ou a menos. O que vai faltar é água potável, não poluída, para vocês humanos consumirem, pois vocês sujaram tudo nas grandes cidades...

Nós árvores aumentamos o sombreamento, isto, aliado à evapotranspiração, reduz a quantidade de calor na atmosfera. Quanto maior for a superfície foliar, tanto maior será a capacidade de nossa transpiração, desde que haja água disponível no solo para permitir essa troca. Por essa razão, um metro quadrado ocupado com vegetação é mais eficiente do que um metro quadrado de lâmina d'água na umidificação e na redução de temperatura do ar. Calcula-se que a superfície evapotranspirante da lâmina foliar seja de quatro a dez vezes maior do que a da mesma superfície coberta por água. Uma árvore de grande porte pode transpirar 450 litros de água por dia.

P. E quais as consequências?

R. A poluição do ar afeta a saúde dos moradores das cidades e penaliza de forma mais impactante os mais frágeis, como crianças, idosos e enfermos. A poluição do ar provoca sintomas conhecidos como tosse, dor de cabeça e irritação dos olhos, da garganta e dos pulmões, e foi relacionada até mesmo ao câncer. Igual esse seu outro vizinho aí que passou aqui agora, mandando derrubar as árvores...

A inalação de material particulado foi relacionada ao aumento de mortalidade, de admissões hospitalares, de visitas ao pronto socorro e de utilização de medicamentos, devidos a doenças respiratórias e cardiovasculares, além de diminuição da função pulmonar e de aumento de mortes em pessoas com problemas cardiovasculares. Áreas sem árvores esquentam muito mais durante o dia e geram térmicas intensas, que lançam as impurezas para o alto. Essas impurezas caem sobre as áreas verdes com térmicas mais fracas e por isso atuam como vácuo. Por isso é recomendável passear ou exercitar-se em áreas verdes, com ar mais limpo, até as 10h ou após as 20h no verão (o pior horário é em torno de 15 a 16h), quando houver muita produção de poluentes no ambiente do entorno.

P. O asfalto é um problema, então, para vocês árvores?

R. Claro. No Brasil, são comuns chuvas intensas no verão do Sudeste e no inverno do Nordeste, as quais representam um desafio para a drenagem urbana. Frequentemente são investidos recursos em obras paliativas, na tentativa de conter os rios na época de cheia, impedindo-os de extravasarem nas várzeas, seus domínios naturais. Não há, então, cuidado com a manutenção de áreas para retenção natural e para infiltração lenta da água no lençol freático, e o número de parques, de áreas verdes e de parques lineares em fundos de vale é insuficiente. Esses parques, além de representar expansão da área verde na cidade, contribuem para melhorar a permeabilidade do solo, minimizando as enchentes, além de proteger os cursos d'água ainda não canalizados.

P. Mas se cada vez tem mais gente nas cidades, cada vez se precisa de mais asfalto e mais construções...

R. Exatamente, vocês deveriam reduzir a velocidade do crescimento demográfico, caso contrário vão explodir...
Veja que a impermeabilização do solo nas cidades é um fenômeno conhecido e causa impactos importantes sobre a capacidade de recarga do lençol freático e sobre as enchentes e as enxurradas que atingem as cidades. O crescimento radicular e a deposição de matéria orgânica aumentam a capacidade e a taxa de infiltração da água no solo. Ao mesmo tempo, as copas das árvores protegem o solo do impacto das gotas de chuva, de modo que ele mantém melhor permeabilidade. Durante o processo de transpiração, um fenômeno que envolve a demanda atmosférica por água para manter a umidade relativa do ar, a água retirada do solo é lançada na atmosfera, aumentado assim o potencial de armazenamento de água no solo. Em áreas com vegetação, sabe-se que de 5% a 15% da água das chuvas é perdida por escorrimento superficial e que o resto evapora ou se infiltra no solo. Em cidades desprovidas de vegetação, 60% da água das chuvas é perdida...

Espera-se, como consequência das mudanças climáticas, que a intensidade das chuvas aumente consideravelmente, o que exigirá estrutura urbana capaz de armazenar essa água a mais e evitar enchentes mais intensas e mais destruidoras. Folhas, galhos superficiais e casca das árvores interceptam e armazenam por algum tempo água das chuvas, reduzindo o escorrimento superficial e atrasando o início do pico de enchente. Assim, as copas das árvores podem interceptar parte da chuva, liberando essa água mais lentamente ou perdendo-a para a atmosfera pela evaporação. Estima-se que uma árvore de médio porte pode interceptar 12.795 litros de água de chuva por ano. Algumas espécies de maior porte usadas na arborização urbana, como a sibipiruna e a tipuana, podem reter até 60% da água nas duas primeiras horas de chuva, liberando-a aos poucos. Orgulho-me de ser uma sibipiruna...

Árvores demoram a crescer e devem ser plantadas adequadamente: as espécies devem ser escolhidas de modo a se desenvolverem bem nas condições do local, na área disponível. Deve-se buscar a diversidade. A dependência de algumas poucas espécies aumenta a preocupação com a estabilidade da população de árvores.

As árvores urbanas sofrem inúmeras agressões no seu dia-a-dia.
As características ambientais da floresta urbana são muito distintas das condições das áreas rurais. O estresse mais intenso provoca redução no tempo de vida das árvores urbanas.

O tamanho das calçadas, a presença e o tipo de rede elétrica, a proximidade de esquinas e de rebaixamento de calçadas, a presença de equipamentos urbanos, a face de exposição, tudo isso deve ser considerado no planejamento da arborização.

Um dos problemas constantes na utilização de árvores de porte grande na arborização urbana diz respeito à compatibilização entre a rede elétrica e as árvores. De modo geral, como não é comum a percepção do valor das árvores para as cidades, as árvores saem perdendo. É comum a mutilação de árvores que se encontram sob a rede elétrica convencional. A poda feita sem critério técnico desestabiliza a árvore e a torna mais vulnerável ao ataque de doenças e de pragas, aumentando o risco de queda. Uma opção que precisa ser mais bem discutida é a substituição gradativa da rede elétrica convencional por outros tipos de rede. O maior custo da implantação de redes elétricas protegidas (compactas) ou subterrâneas é compensado pela redução de intervenções necessárias ao longo do tempo.

P. Não é uma pergunta, mas uma constatação: estou exausto...

R. Eu também... Respondeu a sibipiruna...

Pensei com meus botões: ainda bem que as árvores não falam, mas que elas se comunicam, agora podemos verificar que sim, e muito bem.

*Texto publicado originalmente no blog do autor. Para conhecer acesse - http://richardjakubaszko.blogspot.com/

Fonte: www.envolverde.com.br

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