Agosto e Setembro: Vocação e Bíblia

Alfredo J. Gonçalves , CS*

O entrelaçamento entre Vocação e Bíblia tem uma imagem apropriada no Evangelho de João, segunda parte do primeiro capítulo, versículos de 19 a 51. O quarto Evangelho marca o encontro entre João Batista e o aparecimento em público de Jesus: "Eis o cordeiro de Deus, aquele que tira o pecado do mundo" (v. 29). Com isso alguns discípulos do Batista passam a seguir Jesus. Três aspectos chamam a atenção nestes curtos parágrafos.

O primeiro se refere à pergunta de Jesus quando os dois discípulos intentam segui-lo: "O que vocês estão procurando?" (v. 38). Trata-se de uma pergunta fundamental. Tem claramente um tom antropológico, existencial, e não apenas de curiosidade. O que vocês estão procurando na vida? Que sentido dão vocês às atividades do dia-a-dia? De onde vocês vieram, para onde vão, quem são? É a pergunta pelo significado mais profundo da existência humana. Pergunta que acompanha cada um de nós do berço ao túmulo. Do nascer ao morrer, carregamos sobre os ombros a tarefa de encontrar uma razão para nossos dias, meses e anos. É uma pergunta dirigida a cada homem e mulher enquanto seres vocacionados. Pressupõe chamado e resposta, dom de Deus e busca humana, ou seja, as duas dimensões indissociáveis de toda vocação.

O segundo aspecto põe em evidência outra pergunta, desta vez dos discípulos, seguida da resposta de Jesus: "Mestre, onde moras?". "Venham e vocês verão!" (vs. 38-39). A replica de Jesus é notoriamente evasiva. Como se quisesse dizer que não possui moradia fixa: Jesus não mora, caminha. Sua casa é uma tenda, jamais uma fortaleza. Fortaleza é a casa que se fecha sobre si mesma, levanta cercas e muros, cultiva o isolamento. A morada de Jesus é o Reino de Deus, na terra Ele está de passagem. Forasteiro que arma sua tenda entre nós, mas mantém a condição de peregrino itinerante. Mais que isso, sua resposta convida os discípulos a segui-lo pelos caminhos com os olhos fixos na Casa de Deus. Migrantes entre os migrantes!

Por fim, temos o encontro entre Jesus e o desconfiado Natanael. E a grande surpresa para este: "Antes que Filipe chamasse você, eu o vi debaixo da figueira" (v. 48). Seria lícito imaginar a figueira como o lugar onde Natanael foge de tudo e de todos para destilar a amargura de seus momentos difíceis? Lugar da nudez, do "fundo do poço". Lugar do encontro consigo mesmo, com suas paixões, instintos, desejos, raivas, ciúmes, impotência... Afinal, em termos figurados, quem de nós não possui sua figueira, ou seus momentos de figueira? São as situações-limite da existência humana: doença, separação, fracasso, amor não correspondido, medos, angústias... Justamente ali Jesus diz ter visto Natanael.

E por isso mesmo Jesus o quer em seu grupo. Natanael, ao enfrentar-se com a própria nudez, com seus limites e fraquezas, está pronto para ser discípulo e depois missionário, utilizando a linguagem do Documento de Aparecida. A nudez da figueira abre espaço para uma maior compreensão em relação às limitações dos outros. Também ensina a desconfiar das próprias forças e a confiar na graça de Deus, nos irmãos e na comunidade. Numa palavra, a figueira depura e purifica o processo vocacional. Amplia o leque do amor, da misericórdia e da compaixão - palavras-chave na Boa Nova do Evangelho - especialmente em relação aos mais frágeis e desvalidos.

A experiência de Natanael, de olhar-se corajosamente no espelho, convida-nos a uma retrospectiva no caminho de nossa vocação. Quantas vezes nos vimos simbolicamente sob a figueira? Quantas vezes fomos tomados pelo desânimo, o desencanto, a tentativa de voltar atrás? Em cada um desses momentos, Jesus repete "eu vi você"! E envia um anjo - pessoa da família, companheiro ou amigo, superior, pobre ou migrante - para nos trazer um pedaço de pão e um jarro de água (como no caso de Elias, 1Rs, 19,1-8) e nos estimular a retomar a caminhada. Ora, se Deus esteve presente até hoje em nossos momentos de figueira, não será agora que irá nos abandonar. O "eu vi você debaixo da figueira" é uma garantia de que Jesus não chama apenas uma vez, mas continua a nutrir a vocação de cada um. Em síntese, vocação não representa um chamado e uma resposta em forma definitiva, mas um sim que tem de ser repetido durante todo o percurso da vida. Não é evento, mas processo lento e laborioso de amadurecimento.

* Alfredo J. Gonçalves, CS, superior provincial dos missionários carlistas e assessor das pastorais sociais.

Fonte: Alfredo J. Gonçalves, CS

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