De quem é essa voz?

Maria Regina Canhos Vicentin *

Outro dia eu estava lendo a parábola do "Bom Pastor" e me detive a refletir sobre alguns de seus versículos: "quem entra pela porta é o pastor das ovelhas... elas o seguem porque conhecem a sua voz; mas não seguem um estranho, antes fogem dele, porque não conhecem a voz dos estranhos". Sim, pensei, é natural que conheçamos a voz de nosso bom pastor, principalmente se somos íntimos dele, se o encontramos com frequência e nosso contato é constante. Entretanto, suponho que se existe uma distância entre nós, vai ficando cada vez mais difícil identificar sua voz em meio a tantas outras que igualmente nos chamam. Hoje em dia, há tantas vozes ao nosso redor, tantos apelos aos quais somos convidados a responder que, acredito, ficamos confusos e atordoados.

Faz tempo que não nos preocupamos em prestar atenção aos chamados do mundo. Não refletimos direito acerca do que nos convém, do que nos está sendo oferecido. Vamos abraçando tudo, como se tudo fosse bom e não tivéssemos que fazer uma prévia seleção do que nos cabe. Esquecemos da nossa fragilidade, da nossa emotividade. Vamos respondendo aos apelos do mundo através do impulso, do instinto de sobrevivência e preservação. Sem querer, acabamos pisando no outro, violando nossos princípios e convicções. Fazemos de tudo para posar de bacana e ser socialmente aceito. Ouvimos tantas vozes que nada têm a ver conosco e que, ao mesmo tempo, passam a influenciar nosso comportamento, nosso jeito de ser e se portar. Afinal, de quem são essas vozes? Esses chamados imperiosos que o mundo usa para vender produtos, lançar marcas, criar desejos antes inexistentes, soterrar valores morais e implodir nosso amor ao próximo e o respeito a nós mesmos? Será que essas vozes vêm do nosso pastor?

Sinceramente, penso que não. Acredito que tais vozes têm outros emitentes. Nascem da ânsia do mundo em apreender cada ser vivente e fazê-lo um igual, esquecendo-se que, por sermos mais que matéria há muito transcendemos esta existência. Às vezes, ficamos presos a certos conceitos que absolutamente não nos servem mais. Nossa evolução, enquanto espécie, por si só dá mostras de que não necessitamos de muitas coisas pelas quais insistimos em lutar. Olhe ao seu redor. O ser humano está sofrendo! Sofrendo porque alguma coisa o força a vivenciar situações que ele já sabe, por experiência própria, que não trazem felicidade. Essa inclinação, essa voz, não vem do bom pastor. A busca desenfreada pela satisfação imediata dos nossos desejos tem nos levado aonde? Descobrimos a fórmula da felicidade? Ou nos quedamos perplexos diante de um grande vazio após estarmos completamente exauridos de tudo? Ultrajamos nossas crenças e vilipendiamos nossos genuínos afetos em busca de um "algo mais" que sequer existe, mas foi forjado em nossas mentes e nossos corações por quem nunca foi um bom pastor.

Vamos retomar a nossa consciência crítica. Avaliar tudo o que o mundo tem nos proposto ultimamente. Verificar até que ponto vale à pena pisar em antigos sonhos, crenças e valores que desposamos quando ainda pequenos. Época em que acreditávamos num amanhã melhor e mais justo para todos. Todos - entenda bem - e não somente para nós mesmos. O mundo anda precisando de umas mudanças. E quem você acha que providenciará isso? Lógico que somos nós. Existe alguém que nunca perdeu a esperança e nem a confiança em suas ovelhas. Sim, você sabe que estou falando do bom pastor que, por ser bom, aguarda com paciência que saiamos de nossa letargia. Eis aqui o convite que faltava. Eu o convido a se transformar e, consequentemente, transformar o mundo. Você verá que deixará de perseguir uma utopia para vivenciar, já aqui, uma realidade. A solidariedade, o amor ao próximo, o perdão e o respeito podem fazer de todos nós, novas criaturas. Não vamos precisar correr para chegar primeiro, nem lamentar por pegar o último lugar. Nessa corrida não há quem possa perder. Todos vão ganhar!

* Maria Regina Canhos Vicentin (e.mail: contato@mariaregina.com.br) é escritora.

Fonte: www.mariaregina.com.br

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