Demétrio Valentini *
Cada ano, a Campana da Fraternidade conta com um texto que serve de base para identificar o tema, e suas implicações com a vida das pessoas. Desta vez, sendo ecumênica, o texto foi aprovado pelas igrejas que compõem o Conic.
O que ele pretende não é fazer uma análise exaustiva do assunto, em forma de tratado. Mas simplesmente estimular a reflexão para percebermos melhor as diversas vinculações que o tema pode ter com a convivência fraterna que a quaresma nos estimula a praticar.
É bom sinal quando o texto provoca a reação dos órgãos de opinião pública, que fazem sua análise crítica da campanha. Mas não faz mal alertar que o texto não se pretende completo, nem assume posições condicionadas por critérios ideológicos.
Como desta vez a campanha levanta um assunto que já esteve no centro dos embates políticos dos últimos séculos, nos quais se tomaram posições contrastantes em termos de organização da sociedade, parece que algumas pessoas se precipitaram em julgar o texto desta campanha como se estivesse ideologicamente comprometido.
Assim é que alguns o consideram esquerdizante, ou filo comunista. Outros acham que ele é muito ingênuo, e não leva em conta as "leis da economia", que tem sua dinâmica inexorável, como o capitalismo sempre fez questão de enfatizar.
Na verdade, o texto usa do bom senso, identificando a economia como atividade humana, e como tal, sujeita em primeiro lugar a critérios éticos que a enquadram dentro de parâmetros de verdade e de bondade, e lhe indicam uma finalidade condizente com sua natureza e com a função exercida na sociedade.
Mas, sobretudo o texto procura incidir sobre o tema do ano às luzes do Evangelho, que revelam como o texto se vincula com a fé cristã, toda ela voltada para incentivar a descoberta do amor que Deus tem por nós, como Cristo o testemunhou, nos incentivando a viver este amor em forma de convivência fraterna.
Neste sentido, o texto deste já valeria pelas duas indicações centrais, que o atravessam de início ao fim.
A primeira delas é sobre a finalidade da economia. Poderíamos ficar com este estribilho, que reaparece a cada página: a economia deve estar a serviço da vida. Este o grande critério, o supremo princípio, o rumo apontado, a urgência indicada, o desafio a ser assumido.
Podem dizer que é uma utopia. Que seja. Mas uma utopia que indica a direção válida que a trama diária da economia precisa tomar.
O inverso deste princípio ajuda a mostrar a gravidade das conseqüências de uma economia que esquece, ou despreza, esta finalidade. Quando se sacrifica a vida humana, prova-se que a economia não pode se constituir em norma de si mesma, ela precisa ser normatizada por princípios que a submetam à sua verdadeira finalidade, de estar a serviço da vida de todos, a começar por aqueles que empenham sua vida nas atividades econômicas.
Outra dimensão clara e incisiva do texto diz respeito à ecologia. Economia e ecologia rimam entre si não só nas palavras, mas muito mais na realidade. A economia precisa respeitar o meio ambiente. Os recursos naturais não são ilimitados, como na prática se pensava até pouco tempo atrás. Nosso planeta está mostrando claros sinais de esgotamento. É responsabilidade de todos pensar e praticar uma economia que seja compatível com os recursos do planeta, que precisam ser preservados também em vista das gerações futuras.
Como gesto concreto, a Diocese de Jales se propõe organizar a coleta do óleo usado de cozinha, para evitar que prejudique a natureza, e para ser colocado a serviço dos projetos sociais. Até no nome, a "economia" nasceu na cozinha, pois a palavra foi criada para evocar as "leis da casa", que possibilitam a vida diária. Pois bem, até o óleo de cozinha nos ajuda a perceber que as "leis da casa" precisam ter em conta a "casa comum", que é o nosso planeta.
(www.diocesedejales.org.br)
* bispo de Jales (SP) e Presidente da Cáritas Brasileira