Contra a cegueira dos ricos a teimosia dos pobres

Eduardo Delazeri *

Na primeira terça-feira de cada mês, são distribuídos 200 ranchos, numa parceria entre a Paróquia e a SMASCI. Embora a entrega só aconteça no turno da tarde, às 7h da manhã já tem quem esteja esperando. Entre estes, dona Isa, uma anciã "brasiguaia", perna esquerda estraçalhada pela Úlcera Varicosa, 1,50 m de altura e feições guaranis.
- Porque chegam tão cedo?
- "Dona Isa, olha essa perna como ta inchada! Vai para casa dona Isa, já lhe disse tantas vezes, que não precisa esperar aqui, chegando à tarde recebe o rancho da mesma forma."

Ela foi baixando os olhos lentamente, e com a humildade de quem pede perdão me disse:
- "Padre, o nosso direito é reclamar, catar e esperar, não pode tirar isso de nós, é nosso direito."

Completamente desarmado, pude apenas dar-lhe um grande abraço, não tinha mais nada a dizer. Aquela resposta ficou ecoando em mim, um pouco pela intensidade do
gesto que a acompanhou, mas sobre tudo pela força da verdade contida em cada palavra. Dona Isa, sintetiza em três palavras, muitas páginas do melhor Profetismo Bíblico. É possível que ela nunca tenha ouvido falar de Agar, Rute, Éster, Raquel, Ana, Judite..., mas bem que podia figurar entre elas.

O direto do pobre é reclamar - da opressão, do preconceito, da indiferença, da corrupção; catar - as migalhas, as sobra, o lixo, as sucatas; esperar - que lhe façam justiça, que as promessas se realizem, que seja resgatado, que o Reino de Deus aconteça.

Ter fé é fácil, Deus se manifesta de muitas maneiras em nossa vida. Amar é natural sentimos muita necessidade uns dos outros. Esperar é difícil. Para cada coisa na vida existe um esperar, por qualquer motivo e às vezes até sem motivo, acredito que ninguém goste de esperar.

De fato manter-se constante em meio às tempestades da vida e a demora de Deus é difícil. Manter-se a caminho através da noite escura sem vislumbrar os sinais da aurora é heroísmo. Os pobres são que mais exercitam a espera. Diante da fome, miséria e exploração vivem de esperança, pacientemente aguardando o cumprimento da justiça. Contra a cegueira dos ricos a teimosia dos pobres.

Todos têm necessidade de esperança para viver, o drama é que estamos casando de esperar. Antes os pobres não tinham casa, trabalho, alimento, hoje além de tudo isso começa a faltar à esperança. Perder a esperança gera a mais terrível das doenças: o mofo da alma, também conhecida como a apatia ou morte do sonho. Precisamos acordar a esperança.

No tempo de João Batista, o povo estava cansando, a esperança morria à mingua, por todos os lados surgiam revoltas que rapidamente eram sufocadas pelo Império, gerando mais morte e sofrimento. Com João, irrompe de novo e com toda a força a profecia no meio do povo. O reaparecimento da profecia é a emergência do melhor do passado. É o fim de uma longa crise, em que se pensava que o "céu estava fechado".

A pregação de João é carregada de esperança. No deserto de uma província longínqua e insignificante do Império, muitos poderiam teria dito é inútil, quem poderá contra o Império. O Império é invencível. Sem os recursos do poder econômico, da política oportunista, sem conchavos, e sem derramar outro sangue que não fosse o próprio, inicia um movimento de libertação, de todos os lados acorrem multidões para o deserto para ver novamente o melhor que eles podiam ter: um homem que lhes deu significado e motivo para continuar esperando.

Nesse contexto as palavras do profeta Isaias se revestem quase de uma força sacramental: "os que esperam no Senhor renovaram as suas forças, criam asas, como águias, podem andar sem cansar, correr e não se fatigar." Is 40, 30.

Deus usa os fracos para confundir os fortes. Dona Isa, mulher pobre, guarani, idosa e doente, carrega sobre si o pesado fardo da exclusão, no entanto, tem todo o direto de ficar esperando, e não haverá quem possa lhe negará esse direito.

Só assistiremos a aurora que virá rasgando o novo dia, se em meio à noite escura continuarmos perseguindo o horizonte.

* sacerdote, coordenador estadual (RS) da Pastoral da Sobriedade, pároco no VIcariato de Canoas, Paróquia Imaculada Conceição.

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