De volta para a mãe terra

Egon Heck

Chegaram cansados. Abatidos. Visivelmente angustiados com o longo sofrimento, desde o dia 31 de outubro quando o grupo de Guarani que retornou ao tekoha Ypo’i, foi violentamente expulso a bala por um grupo de fazendeiros e pistoleiros. “Eles vieram com armas de vários calibres, como a gente viu: espingarda 12, pistola e revólver 38... Eles chegaram atirando e batendo em todo mundo”, conta Avá, ao delegado Eder, da Polícia Federal de Campo Grande

Os pais de Jenivaldo, Bernando – Avá Poty e Francisca Kuña Nindedju, o irmão dele Avá e o tio Avá Arawi, chegaram em Campo Grande na noite anterior. Vieram com a dura missão de levar o corpo de volta para a aldeia.

 

No dia da consciência

O dia 20 de novembro ficará marcado profundamente na consciência da família Vera.  Dia em que tiveram a confirmação do brutal assassinato de um de seus filhos. Dia em que conseguiram resgatar o corpo para dar-lhe digno sepultamente em sua terra. Dia em que a angústia foi um pouco aliviada, mas a alma continuou inquieta pois o corpo de Rolindo ainda não foi localizado. Exigiram empenho na localização do outro corpo. Clamaram por punição e justiça aos responsáveis por tão bárbaros crimes.

Enquanto milhões, no Brasil afora, rememoravam a luta dos negros durante esses quase cinco séculos de diferentes formas de escravidão, exílio e vil exploração, os Guarani se uniam a eles e tantos outros que neste país e no mundo lutam por justiça, igualdade e solidariedade. Uniam-se negros e índios, na indignação secular, na resistência histórica, na esperança invencível. O sangue derramado por Jenivaldo e Rolindo não foi em vão.  Reverterão em terra e justiça, em frutos e futuro de paz e respeito ao povo Guarani.

A peregrinação num dia de exaustivos passos pelas quentes ruas e frias consciências, em Campo Grande, resultou em vitória importante. A angústia foi aliviada. Mas o medo e tensão na região da fronteira com o Paraguai permanecem. Avá pediu insistentemente à imprensa que não os fotografassem, pois temiam represálias em sua região.

Vó Francisca exibia com carinho o registro da neta, filha de Jenivaldo, nascida dia 3 de novembro, três dias depois dele ser assassinado e seu corpo jogado no rio Ypo’i. Cena comovente, como o foi das lágrimas de Francisca quando narraram a história de violência ao delegado da Polícia Federal.

 

A verdade que dói

Diante da gravidade dos assassinatos dos dois professores Guarani, que tentaram ocultar até agora, surgiram muitas manifestações de solidariedade, inclusive do governo do Estado. Os familiares externaram sua gratidão por todos os que se empenharam para que o corpo pudesse retornar à aldeia, e ao mesmo tempo perguntam por que só agora alguns se manifestam e por que continua o outro corpo desaparecido e as buscas paradas. Esperam que de agora em diante se possa caminhar rapidamente para a localização de Rolindo. “Nem que seja só algum osso”, como manifestou Avá à Polícia Federal, e que os culpados sejam julgados e punidos.

Antes da meia noite um carro de funerária deixou Campo Grande.  Irá amanhecer na aldeia de Pirajuí. O pai Bernardo Vera acompanhou o corpo do filho até a aldeia. Ali será realizado o ritual com a dignidade de mais um mártir da Terra Guarani, que um dia esperam ser “sem males”. Jenivaldo e Rolindo serão lembrados como outros grandes lutadores desse povo: Sepé Tiaraju, Marçal Tupã’y, Marcos Verón, Dorvalino, Dorival, Julite, Ortiz e centenas de heróicos lutadores pela terra, vida e futuro Guarani.

Egon Heck - Cimi MS

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