Movimento dos Atingidos por Barragens propõe projeto energético alternativo

Dirceu Benincá *

"O preço da luz é quase um roubo. Hoje pagamos uma das tarifas mais caras do mundo".

O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) reprova o atual modelo energético brasileiro e propõe, se organiza e luta para construir um projeto que cause menos impactos sociais e ambientais; que beneficie o povo; que garanta os direitos dos atingidos pelas hidrelétricas e que respeite a soberania energética do país. Gilberto Cervinski, membro da coordenação nacional do movimento analisa essas e outras questões reafirmando que "não adianta ter alternativas de fontes energéticas se elas forem controladas pelas grandes empresas transnacionais".

Quais os principais problemas que o atual modelo energético traz para a população e para o meio ambiente?
A partir do governo Fernando Henrique Cardoso, o modelo energético brasileiro foi privatizado, transformando a energia em uma grande mercadoria. Com isso, o povo é quem paga a conta. É um modelo que retira a soberania energética e popular.
Um dos principais problemas são as tarifas. O preço da luz é quase um roubo. Hoje pagamos uma das tarifas mais caras do mundo, tendo praticamente 90% da energia vinda de hidrelétricas, que é considerada uma das fontes mais baratas. Os grandes consumidores aqui no Brasil pagam em torno de cinco centavos ao KW/h, enquanto a população chega a pagar até 60 centavos ao KW/h.

Outro problema grave é que esse modelo provoca uma enorme dívida social e ambiental. Ao construir hidrelétricas, milhares de famílias são transformadas em sem-terra, o que causa um grave problema social porque elas perdem seus direitos. Isso sem contar os enormes problemas ambientais das hidrelétricas, alagando vastas áreas de floresta. Com a construção de barragens na Amazônia isso vai se agravar.
Um terceiro problema é que todas essas obras são controladas por grandes empresas transnacionais, geralmente dos países centrais. Eles vêm aqui e se apropriam de uma riqueza importante, que é a água, através do processo de privatização. Toda essa riqueza gerada acaba não se revertendo em benefício do povo e indo para fora do país.

Um quarto problema é que a construção das hidrelétricas é financiada com dinheiro público. Em torno de 75% do valor sai do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que é um dinheiro vindo dos trabalhadores. Quem financia é dinheiro público, mas quem fica de dono são as transnacionais.
Tem uma série de outros problemas. Mas, por esses já dá pra ver que o modelo energético brasileiro beneficia as grandes empresas; penaliza os atingidos por barragens e a população em geral; retira a soberania energética do nosso país etc.

Diante desses problemas, como o Movimento dos Atingidos por Barragens se posiciona, o que defende e propõe?
O problema central não é de tecnologia, mas de modelo adotado. Não adianta apresentar como alternativas somente novas tecnologias ou novas fontes energéticas como: solar, eólica, biomassa. É apenas uma parte da luta. Isso é importante, mas é insuficiente. A questão é: para que e para quem se produz energia. Não adianta ter alternativas de fontes energéticas se elas forem controladas pelas grandes empresas transnacionais.
As iniciativas principais que nós defendemos vão na direção da construção da soberania energética. Para isso, achamos que o Estado tem um papel importante. As nossas hidrelétricas e os nossos rios não podem estar privatizados. O preço da luz deve ser reduzido porque é injusto o que é cobrado da população. Agora ainda apareceu a corrupção, cobrando além dos preços normais.

Por outro lado, tem que resolver a dívida social deixada pela construção das hidrelétricas, indenizando as famílias que já foram atingidas. O dinheiro público deve ser investido para beneficiar a população brasileira. Nós não falamos em um novo modelo, mas em um novo projeto energético que deve ser construído através da participação do povo e das organizações. Pensamos, sim, que é importante diversificar as fontes energéticas para que tenha um menor impacto ambiental e social possível. Porém, o principal é que a energia deve estar a serviço do povo e para a soberania popular.

Como analisa a atuação dos governos na América Latina quanto à questão energética?
Na nossa avaliação, na América Latina temos três tipos de governos. Uns são de extrema direita, alinhados com a proposta antiga da ALCA - que não morreu - dirigida principalmente pelos Estados Unidos. Ela tem sustentação na América Latina com o governo do Álvaro Uribe, na Colômbia. A idéia principal é transformar a Colômbia numa espécie de Israel, armada até os dentes, para ser um ponto de controle da América. Tem outro projeto de governos mais reformistas e outros países mais concentrados no projeto ALBA (Aliança Bolivariana para as Américas), ligado à Venezuela.

Em todos esses países, houve a privatização do setor energético nas décadas de 1980 e 1990. O modelo é muito semelhante em todos eles. A maioria não tem mexido nessa questão central da energia. Pelo contrário, muitos têm proposto a continuidade do modelo. De maneira geral, nós achamos que não dá para esperar pelos governos a iniciativa de mudança do modelo energético. Isso terá que ser um processo de pressão popular, no que temos que caminhar bastante ainda.

Como avalia o governo Lula em relação às políticas de Estado para a classe trabalhadora?
No caso dos atingidos, é uma situação extremamente complicada. Temos uma história de mais de 30 anos de construção de barragens sem garantia de direitos para a população. Os direitos que foram conquistados, o foram através de muita organização e luta. Com a instalação das transnacionais, controlando a energia, há um retrocesso nessa área dos direitos dos atingidos e na área ambiental.

No governo Lula, esse quadro tem se alterado pouco. Houve algumas melhorias, alguns avanços pontuais. De maneira geral, o reassentamento, que é uma das principais bandeiras para resolver o problema dos atingidos, isso não avançou. Por conta do poder das transnacionais, se instalou mais forte o processo de criminalização dos movimentos sociais. O governo Lula não consegue combater isso.

Na América Latina, o governo Lula é extremamente importante para ajudar outros países, mas no caso dos movimentos sociais deixa muito a desejar. A reforma agrária também não avançou. Do ponto de vista concreto, os direitos dos atingidos pouco avança. Ao mesmo tempo, o governo é favorável à construção de hidrelétricas e as transnacionais querem retirar os direitos dos atingidos. Com a crise internacional, a tendência é as grandes empresas aumentarem a exploração do povo para garantir suas taxas de lucro.

No que diz respeito às próximas eleições, Marina Silva é uma alternativa?
Na nossa avaliação, o problema não é o candidato, mas o projeto político. Marina Silva é um nome importante, com uma história de luta extremamente significativa. Ela é uma lutadora. Os governos, por si só, têm demonstrado não ter capacidade de fazer transformações profundas. Nós não visualizamos, por enquanto, nenhum projeto alternativo para os movimentos sociais, seja com Dilma ou Marina. Mas, esses nomes são mais interessantes para o povo do que o José Serra, porque ele representa a continuidade do governo Fernando Henrique Cardoso na sua essência. A mudança não parte do governo, mas da pressão popular. E o problema é que as lutas estão num processo de calmaria nesse período.

* Dirceu Benincá, especial para a revista Missões.

 

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