Análise de Conjuntura. 12º Intereclesial

Pedro A. Ribeiro de Oliveira *

Porto Velho, 22/ julho. 2009

Um pequeno agricultor do sul de Minas, que havia plantado eucalipto para atender as demandas da carvoaria local, está em grande dificuldade: a carvoaria parou de fazer carvão. Parou por quê? Porque a siderúrgica parou de fazer ferro-gusa para exportar. E parou porque a China não compra mais, porque a construção civil quase parou. E por que parou? Porque quem tinha dinheiro, aplicou no mercado financeiro e desde a quebra de bancos nos EUA o valor das aplicações despencou. Os investidores estão esperando até os títulos recuperarem seu valor para então venderem e investirem na construção dos grandes edifícios. E apesar dos trilhões de dólares injetados pelos governos nos bancos para evitar sua quebra, os títulos não recuperaram seu valor. Se o capital financeiro, que é quem puxa o trem da produção pára, o trem todo pára ou, pelo menos, diminui muito a marcha. É isto, em suma, a crise que estamos vivendo hoje no mercado globalizado: se a China desiste de construir grandes edifícios, o plantador de eucalipto no sul de Minas não tem para quem vender sua lenha.

O foco do debate: a natureza da crise

Ninguém tem dúvidas sobre a causa da atual crise: a irresponsabilidade de agentes do mercado financeiro, que aproveitaram a liberdade do mercado globalizado para obterem lucros fantásticos: lucrar sem produzir, só negociando papéis (derivativos).

O que está em debate é a própria natureza da crise. A grande mídia nos dá a visão dos economistas e políticos dos países ricos, que veem nela uma ocorrência normal no sistema capitalista, cujo crescimento alterna tempos de expansão e de contração da economia. Os estudiosos sabem que já houve 46 crises no sistema capitalista desde 1790. Elas funcionam como fator de correção do mercado. O neoliberalismo foi atingido no coração e desta crise surgirá um capitalismo mais regulado pelo Estado, com menor especulação e mais responsabilidade ecológica e social. Por isso, os economistas dizem que é preciso evitar o "alarmismo" e recuperar a confiança no setor financeiro. Em termos práticos, isso significa injetar uma enorme quantidade de fundos públicos em socorro de bancos e empresas para tranquilizar o mercado e reativar a economia. Esta foi a tônica da reunião do G-20, em Londres, no início de abril.

Esta é também a linha política do governo Lula. A China parou de comprar nosso ferro-gusa? Então o mercado interno vai comprar, com o estímulo do Programa Nossa Casa, do PAC com grandes obras de engenharia e o estímulo à exportação de soja, etanol, minérios e muito mais, até que entre em atividade a exploração do petróleo no pré-sal, fato que vai mudar a economia brasileira. Para o governo, daqui a pouco nosso plantador de eucalipto estará bem de vida e com ele todos os que quiserem trabalhar neste país: o Brasil caminha seguramente para ser primeiro mundo. Não é por acaso que a mensagem do presidente é: vamos investir com firmeza, que esta onda passará e o Brasil voltará a crescer. Esta é a mesma mensagem dos grandes empresários e banqueiros: com crescimento econômico, resolveremos os problemas da miséria, da fome, do lixo, do aquecimento global, da poluição da terra e das águas e tudo mais...

Separar a economia da política, é como alguém que sobe um rio em busca da Terra sem males e, ao se deparar com uma corredeira, desembarca e diz: "Já avançamos muito, mas não dá pra seguir adiante; sejamos realistas: temos que conviver com o agronegócio, com os transgênicos, com os agrotóxicos, com as grandes hidrelétricas e com a exportação dos nossos recursos naturais e minerais."

Outra visão

Acontece que esta crise não é apenas econômica e financeira. Está embutida num conjunto de crises que a tornam muitíssimo mais grave. É só pensar no déficit energético, no aquecimento global, na perda da biodiversidade, na escassez de água, na ausência de governança global e no esvaziamento ético da economia e da política. Ela atinge a própria estrutura do sistema: o mercado produtivista e consumista regido pela lógica do lucro. Esse ponto de vista não está nas empresas e bancos, mas vem dos Movimentos Sociais que se identificam com o Fórum Social Mundial e proclamam que "um outro mundo é possível". Ela está sendo elaborada por intelectuais a eles ligados, mas é pouquíssimo difundida na grande imprensa. Para conhecê-la, é preciso procurar nos meios alternativos, como o IHU-on line, a Adital, e outros sítios de leitura da internet.

Essa outra visão tem como referência uma nova forma de consciência, que é a consciência planetária: somos parte da grande comunidade de vida do Planeta Terra. Assim como a consciência de classe está na base das lutas dos trabalhadores da cidade e do campo, a consciência feminista no processo de emancipação das mulheres, a consciência da negritude na base da luta dos negros, a consciência planetária está na base dos Movimentos Sociais que buscam um novo modo de produção e consumo em harmonia com o Planeta. Essa forma de consciência não admite sacrificar a ecologia em favor do mercado e dos seus lucros. Vê os avanços realizados pelo governo Lula, sim, mas quer ir a diante. Não renuncia ao projeto de Reforma Agrária, à auditoria da Dívida Externa, nem à prioridade dos Direitos Humanos sobre os Direitos do mercado. Quer mais, muito mais.

Se é o próprio sistema capitalista de mercado que está em crise, não adiante ficar colocando escoras nele. Isso adia a crise econômica, mas antecipa a crise ecológica, que é muito mais grave, porque atinge a própria vida da Terra. É preciso aproveitar esta ocasião para rever os erros cometidos nessa caminhada e corrigi-los. O rio é longo e a corredeira é forte, mas maior é a força de quem é excluído do banquete dos ricos, quando mulheres e homens de todos os povos e raças se unem. Com essa força, poderemos tocar em frente nosso barco e seguir em busca da Terra sem males.

* Professor da PUC-Minas e membro de ISER-Assessoria

 

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