Lição de democracia

Jaime Carlos Patias *

No ano de 2008 muitos acontecimentos positivos marcaram o mundo. Apesar disso, o ano que passou não deixará saudades e ficará conhecido pelo colapso do sistema financeiro neoliberal de especulação. Nos Estados Unidos, a saída de Bush e a chegada de Obama é considerado um fato histórico que promete o início de uma nova ordem, uma tarefa árdua. Mas na Faixa de Gaza, o terror voltou a mostrar a sua cara destruidora e odiosa. E entramos no ano de 2009 com as mesmas incertezas e medos, alimentando as manchetes dos meios de comunicação. Esses e outros fatos negativos acabam afetando o cotidiano, impedindo-nos de permanecermos indiferentes. Ao mesmo tempo, pela importância que ganham, podem ofuscar outros acontecimentos positivos, como por exemplo, a resistência dos Povos Indígenas da Raposa Serra do Sol - RSS, no estado de Roraima.

No dia 10 de dezembro de 2008, aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Supremo Tribunal Federal - STF retomou o julgamento que havia sido suspenso no dia 27 de agosto, sobre a manutenção da homologação daquela área em território contínuo. Ainda que o julgamento não tenha sido concluído, oito dos 11 ministros já votaram a favor da manutenção da homologação como definiu o Decreto Presidencial em 15 de abril de 2005. Mesmo com o resultado largamente favorável, mais uma vez os indígenas terão de esperar. Desta vez, o ministro Marco Aurélio Melo pediu vista do processo, suspendendo novamente os trabalhos. Cautelosos devido às restrições propostas por alguns dos ministros, os povos da RSS, que há mais de 30 anos, entre avanços e retrocessos, reivindicam o direito sobre o uso exclusivo de suas terras, comemoraram o resultado de forma pacífica. A questão deve ser retomada e concluída no primeiro semestre de 2009. Até lá, os invasores permanecerão na terra, representando um risco para a segurança, uma vez que os arrozeiros, pelo resultado da votação sabem que terão de sair. A Terra Indígena Raposa Serra do Sol fica no Nordeste de Roraima, na fronteira com Guiana e Venezuela. Na área vivem cerca de 19 mil indígenas dos povos Makuxi, Wapichana, Ingaricó, Taurepang e Patamona, em 194 comunidades.

Há anos aqueles Povos são exemplo de organização e de consciência dos seus direitos, dando-nos lições de democracia e de exercício de controle social sobre políticas públicas. No Brasil, a morosidade na demarcação e homologação das terras, prejudica a maioria dos indígenas, que vive em condições precárias, aumentando os índices de violência, uma violência racista e estrutural, enraizada na própria história de conquista e colonização das terras deste continente. Os índios estão sendo confinados em pequenas parcelas de terra onde lamentavelmente sofrem uma série de agressões: perseguição, fome, suicídio. Somente no Estado do Mato Grosso do Sul, em 2008, foram registrados 34 suicídios de indígenas, um crescimento de mais de 50% em relação a 2007, quando aconteceram 22 casos. Segundo o relatório do Conselho Indigenista Missionário - Cimi, nos últimos dois anos foram registrados 145 assassinatos de indígenas, em nove estados do Brasil, muitos deles em função da luta pela terra. À medida que a organização indígena se articula na reivindicação de seus direitos já garantidos pela Constituição, aumenta contra eles o racismo. Nos meios de comunicação e nas ruas, os processos judiciais em torno das terras indígenas, a luta por melhoria na saúde e educação, são temas facilmente manipulados para que o racismo tenha voz. O caso Raposa Serra do Sol é um marco importante na caminhada, pois mostra a força e a organização daqueles Povos.

Mesmo com restrições, no dia 10 de dezembro de 2008, o STF reafirmou o que reza a Constituição de 1988:
"...para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus..." (Preâmbulo). E no Artigo 231: "São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens".

* Jaime Carlos Patias, mestre em Comunicação e diretor da revista Missões.

Fonte: Revista Missões

 

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