A volta pras aldeias

Egon Heck *

Um dos destaques da nona edição do Fórum Social Mundial, realizado em Belém de 27 de janeiro a 1 de fevereiro de 2009, foram os povos indígenas. Não apenas pela exuberância e beleza de cores, ritmos, indumentária, instrumentos, propiciando uma rara harmonia e sintonia de vozes e línguas.

Mas não foi apenas essa a forte erupção da realidade indígena nos diversos espaços do Fórum e nas ruas de Belém. Foi principalmente o intenso recado das lutas, resistência e propostas de sociedade que os povos indígenas estão construindo com outros segmentos sociais, em especial na América do Sul. Se o caráter celebrativo e cultural dos povos amazônicos sobressaiu, no computo geral das atividades, é bem verdade que a contribuição com os temas políticos cruciais para a humanidade hoje, como a mudança climática, descolonização do saber e do poder, estados plurinacionais, pluralidade jurídica e o bem viver foram os temas trazidos para o debate pelos povos indígenas, especialmente os andinos e América central.

Neste Fórum Social Mundial uma questão teve quase total convergência: o atual modelo neoliberal está levando a destruição acelerada do Planeta Terra. É urgente superar esse modelo e sua lógica de acumulação, destruição e morte. E neste cenário a sabedoria, as formas de vida e valores dos povos indígenas são elemento não do passado, mas do presente e do futuro da humanidade.

Quanto à realidade da Amazônia, uma das questões que emergiu com mais força foi o posicionamento firme contra os grandes projetos que estão impactando e destruindo a Amazônia, especialmente os projetos de hidrelétricas e mineração, exploração madeireira e agronegócio, como plantação de cana e soja. As manifestações contra a hidrelética de Belo Monte foram exaustivas, diariamente nos diferentes espaços de debate.

Do Ministro da Justiça e presidente da Funai receberam o compromisso do empenho para que os direitos dos povos indígenas sejam respeitados conforme garante a Constituiçao brasileira e diversas leis internacionais ratificadas pelo Brasil. O Ministro da Justiça Tarso Genro, chegou a afirmar que caso venham pressões que tentem inviabilizar os direitos indígenas ele e o presidente da Funai deixariam seus cargos.

Esse foi o Fórum Social Mundial em que os povos indígenas estiveram não apenas presentes em nu mero expressivo, mais de mil e quinhentos representantes de 120 povos nativos do mundo inteiro. O mais importante é que pela primeira vez tiveram uma comissão indígena atuando junto à coordenação do FSM, para desta forma viabilizar uma visibilidade política ampla e consistente, não apenas na Tenda dos Povos Indígenas, mas em outros espaços temáticos.

Tabatinga. Momento de avaliação, de socializar a riqueza vivenciada, curtir a saudade dos novos amigos e aliados da causa. Estamos avançando rio acima, um tanto cansados mas com a certeza de que as forças e energias acumuladas nos levarão a participar ativamente na construção de um mundo novo, plural, com os povos indígenas.

Muita água e luta pela frente

 

Oaki Mayoruna(Matse) olhou calmamente para o mar de água dizendo conformado. Muito dia ainda pra chegar na aldeia minha, chama Lobo, no Javari. De Atalaia pra chega là leva 8 dia." Se a essa distancia subindo o rio Javari acrescentarmos os seis dias subindo o Solimões de Manaus a Atalaia do Norte e ainda os dois dias e meio de Santarém a Manaus teremos mais de duas semanas de viagem. Mais os seis dias em Belém e teremos bem mais de um mês fora da aldeia para participar desse grande acontecimento mundial, e que talvez seja único para muitos. Mas valeu a pena todo esse tempo investido para dizer ao mundo a grave ameaça por que passam as aldeias do Javari com uma população de 3.700 pessoas. Destas, conforme a própria Funasa 80% estão afetados com o vírus da hepatite. Destes grande parte é do pitpo B e Delta, que são na maioria das vezes fatais. Oaki Mayoruna, com olhar entristecido. Lá na minha aldeia morreu muitos. Assim barriga fica grande, cuspir sangue, e morrer".

Entregaram uma moção de apoio com muitas assinaturas, a autoridades e imprensa do mundo inteiro. Saíram em cadeia de noticiário nacional no dia 31 e na capa de jornais, como o Liberal de Belém, no dia seguinte. Dr. Débora Duprat, Procuradora da Republica, da Sexta Câmara, em Brasília, disse, ao falar no lançamento do mapa Guarani Reta "me comprometi com os companheiros indígenas do Vale do Javari de encaminhar o mais amplamente possível a gravíssima situação para que sejam tomadas providencia urgentes".

"Raposa Serra do Sol, sem ressalvas" esse foi um slogans repetidos e assumidos por diversos públicos e tendas temáticas. A delegação de Roraima esteve em inúmeros painéis, seminários, rodas de diálogo e conferencias. Espera-se que esse clamor chegue aos espaços do Supremo Tribunal Federal e aos corações dos Ministros.

Na avaliação da delegação de aproximadamente 21 povos vindos desde a tríplice fronteira Brasil, Colômbia, Peru, no alto Solimões, o que mais ficou destacado foi o protagonismo dos povos indígenas, que deram seu recado quanto à Amazônia preservada com os povos que nela habitam, a rejeição a todos os grandes projetos destruidores, como hidrelétricas, mineração e outros...Finalmente disseram ao mundo que estão vivos, cuidaram da Amazônia durante milênios e estão aí para ajudar a construir as alternativas de vida com dignidade nessa região e no Brasil.

Voltando para as aldeias muito terão que contar para seus povos que ficaram nas aldeias. O formigueiro, onde por vezes se sentiram um tanto perdidos, deixou muitas impressões e lições importantes, que durante dias e noites serão socializadas na extensa floresta amazônica e nas beiras dos milhares de rios e igarapés.

Enquanto o barco vai subindo Amazonas acima, se alternando a calmaria e banzeiros com tempestade, vamos socializando essas impressões, desde Santarém.

*Egon Heck, assessor do Cimi MS.

Fonte: Cimi MS

 

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