Paulo Bazaglia *
Na Bíblia, a montanha é o lugar do encontro com Deus. Aí Deus se revela, mostra ao povo sua vontade. A transfiguração de Jesus se dá no alto de uma montanha. Ele muda de aparência, e lhe aparecem Elias e Moisés, representando os profetas e a lei do Antigo Testamento.
Os três discípulos propõem fazer três tendas, sem sequer pensar em si. Não sabiam o que falar, pois estavam com medo. Mas a transfiguração é um evento novo, no qual Deus se revela não mais por meio de mandamentos, leis ou palavras.
A nuvem, que desce com sua sombra, representa a presença de Deus. A voz divina, vinda da nuvem, faz a grande revelação: "Este é o meu Filho amado. Escutem-no!" A revelação de Deus é o próprio Jesus. Para conhecer a Deus e sua vontade, portanto, basta olhar para Jesus e escutar o que ele diz.
Escutar o que Jesus diz, porém, não significa simplesmente ouvir com o ouvido sua palavra, mas compreender com a vida suas ações. Significa encarnar na própria existência as opções de Jesus, para quem a vida só tem sentido se doada pelos outros.
A transfiguração de Jesus é antecipação do que será sua glória. Mais que isso, é convite a transfigurar a realidade em que vivemos, transformando-a segundo o projeto de Deus. Não tem sentido, por isso, tentar fugir da realidade, em tendas que hoje podem ser identificadas com o comodismo, o conformismo ou uma espiritualidade descomprometida com as transformações sociais. A revelação de Deus mostra que é preciso "descer da montanha", voltar ao chão do dia-a-dia, com seus problemas.
Somos convidados a ouvir o "Filho amado" e recordar sua glória. Ele é a revelação de Deus. Ouvi-lo é continuar hoje suas ações e palavras, em compromisso com a vida, mantendo viva na memória a convicção de que a glória de Deus será nossa realidade definitiva. Algo que santo Ireneu sintetizou de modo lapidar: "A glória de Deus é o ser humano vivente, e o ser humano vivo é a visão de Deus".
* Autor de "365 dias com os salmos", entre outras publicações.
Fonte: O Domingo