Papa Francisco, o profeta dos migrantes

A questão das migrações não está somente na história familiar do Papa Francisco, mas também em seu DNA particular.

Por Alfredo J. Gonçalves

A questão das migrações não está somente na história familiar do Papa Francisco, está também em seu DNA particular. Desde o momento em que Jorge M. Bergoglio assumiu a cátedra de Pedro, em março de 2013, o fenômeno migratório começa a ganhar crescente relevância. E não apenas no interior da Igreja Católica, mas, por uma espécie de contaminação, o tema vai ganhando progressivamente a sociedade civil, as autoridades de vários países e os meios de comunicação em geral. A importância da temática, na exata medida em que a figura do Papa o faz emergir de um certo anonimato, passa a receber um efeito dominó em sentido positivo, criando-se uma espiral alargada de visibilidade dos migrantes.

Tudo começa no primeiro ano de seu pontificado. Com efeito, em julho de 2013, após uma embarcação ter afundado com centenas de pessoas a bordo, o pontífice visitou Lampedusa, extremo sul da Itália, uma ilha símbolo da aventura de milhares de migrantes que tentam atravessar as águas do Mediterrâneo. Ali o Papa depositou uma coroa de flores, em memória dos mortos sem nome e sem rosto que haviam naufragado, não só naqueles dias, mas ao longo de várias décadas. Sua simples presença nessa porta de entrada da Europa significou, tanto para os países da comunidade europeia quanto para todo o mundo, um alerta profético no sentido de evitar o rechaço, o preconceito, a discriminação e a xenofobia frente àqueles que se valem do direito de ir-e-vir para encontrar vida melhor longe da terra em que nasceram.

Mas o Papa foi mais longe. Em suas mensagens – sempre breves, simples e profundas – o sucessor de Pedro não se limita a defender o direito de migrar. Defendeu também com insistência o direito de ficar, isto é, de permanecer no próprio país como um cidadão respeitado e com cidadania justa, digna e solidária. Combateu com força, firmeza e veemência a economia globalizada que, na forma de mercado total, tende a aumentar a distância entre o topo e a base da pirâmide social. No andar superior, um reduzido punhado de milionários e bilionários que mandam e desmandam de acordo aos interesses das próprias corporações; no andar inferior, milhões de famílias e pessoas vivendo em condições sempre mais precárias. Multidões pobres, excluídas e vulneráveis, forçadas a deixar a terra de origem, navegando ao sabor dos ventos do capital, e disputando as migalhas, raras e parcas, que caem da mesa dos ricos.

Após Lampedusa, Jorge Bergoglio visitou, ainda, a fronteira entre Estados Unidos e México, em fevereiro de 2016, e a ilha de Lesbos, na Grécia, rota balcânica entre Oriente Médio e África, de um lado, e a Europa, de outro, em dezembro de 2021. Na ocasião, trouxe à tona o anonimato escandaloso de tantos náufragos que tiveram seus sonhos convertidos em pesadelos, seja nos mares e oceanos que unem e separam os continentes, seja nas areias do deserto e nas trilhas das florestas. Lembrou as fronteiras limítrofes onde se abatem pontes e se erguem muros. Entretanto, não se limitou às palavras. Fez questão de trazer para a Itália, sob a proteção do Vaticano, um grupo de famílias sírias, recomendando às dioceses, paróquias e comunidades que pudessem acolher igualmente os migrantes e respectivas famílias.

Cabe recordar, em seguida, dois outros empenhos do Papa Francisco no campo das migrações. O primeiro, foi a criação do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral, em 2016. O órgão dedica-se aos esforços vinculados à chamada “questão social”, com destaque para a economia e suas incongruências nacionais e internacionais; a terra, teto e trabalho como direitos básicos indispensáveis; a preservação do meio ambiente, com seus desafios cada vez mais urgentes; o drama dos migrantes e refugiados, bem como as emergências humanitárias. Esse Dicastério integra o Setor da Mobilidade Humana, pelo qual o pontífice tem particular atenção e apreço. Será exagero falar de uma efetivação mais concreta, e a partir do topo da Igreja, das reais exigências do Concílio Vaticano II!

Por fim, não podemos deixar em branco a canonização de São João Batista Scalabrini, ocorrida em Roma no dia 9 de outubro de 2022. Monsenhor Scalabrini, bispo de Piacenza, Itália, veio a ser conhecido como o “pai e apóstolo dos migrantes”. Possuía um coração maior do que sua diocese, com o olhar voltado para aqueles que se viam obrigados a emigrar da Europa para as Américas, devido aos movimentos e às turbulências da Revolução Industrial, na segunda metade do século XIX. Desnecessário acrescentar que o reconhecimento de sua santidade representa um grande estímulo à Pastoral dos Migrantes, como também a todos aqueles que se batem pela causa de tanta gente sem raiz e sem pátria.

Alfredo J. Gonçalves, cs, assessor do Serviço de Proteção ao Migrante - SPM.

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