Se, de um lado, para os homens e mulheres falamos de um esgotamento profissional, de outro, no caso da terra, seria lícito falar de esgotamento na função de mãe e fonte de vida.
Por Alfredo J. Gonçalves
Ambos - ser humano e planeta terra - veem sofrendo de um progressivo esgotamento cujas consequências costumam ser drásticas e duradouras. Termos como cansaço, desânimo, estresse, entre outros são as marcas registradas dessa situação não raro trágica. Se, de um lado, para os homens e mulheres falamos de um "esgotamento profissional", de outro, no caso da terra, seria lícito falar de "esgotamento na função de mãe e fonte de vida". Enquanto a energia humana é consumida em tarefas múltiplas, díspares e fragmentadas, muitas vezes destituída de um sentido mais profundo, o planeta, por seu turno, se vê incapacitado de reciclar os diversos ecossistemas com a mesma velocidade com a qual o modelo capitalista de produção, no modelo de economia globalizada, as vem contaminando.
A verdade é que o projeto político e econômico que emergiu nos séculos XVI, XVII e XVIII, através das transformações científicas e tecnológicas, com especial destaque para a Revolução Industrial (RI), com base na filosofia liberal, assenta-se na maximização do processo de produção, consumo e descarte. Isso levou ao uso indiscriminado das matérias-primas, como madeira, carvão, petróleo, terras em vasta extensão, minérios de todo tipo, couro, fibras vegetais, etc. Desse uso e abuso dos bens que a natureza disponibiliza resulta, por uma parte, a destruição de florestas e a devastação do meio ambiente e, por outra, a poluição do ar, do mar, das águas em geral e das cidades. A natureza vê-se duplamente agredida, pelo que dela se extrai e pelos resíduos que nela atiramos diariamente, às centenas de toneladas. Abundância e desperdício caminham de mãos dados, luxo e lixo coexistem lado a lado.
Não será diferente quanto ao projeto que leva à exaustão a força humana de trabalho. Trata-se, de resto, de um único projeto que se serve da mão-de-obra humana para o desfrute sem precedentes da natureza. Através de formas de trabalho intensivo, escravo, caseiro, infantil ou semiescravo, extrai-se dos trabalhadores e trabalhadoras até a última gota de suor, lágrima e sangue. Prevalece um projeto de exploração, fundamentado no motor do lucro, e direcionado à acumulação progressiva de capital. A RI dobra, decuplica, centuplica a capacidade de produção e de produtividade, multiplicando ao máximo rendimentos e fortunas. O mesmo projeto de capitalização, por outro lado, desfaz-se de toneladas e toneladas de resíduos tóxicos, deixando pelo caminho o rastro macabro condições cada vez mais precárias para a vida em todas as suas formas, como é o caso dos gases de efeito estufa. Também o ser humano sofre uma dupla exploração, seja pelo trabalho exaustivamente solicitado, seja pela convivência forçada com ecossistemas contaminados, nos quais o meio ambiente é agredido pela ação da ganância e ambição humanas.
Daí que tanto o ser humano quanto a terra/natureza se veem cada vez mais em situações-limite. Extremos de calor e de frio, de chuvas e estiagens, catástrofes colossais e imprevisíveis passam a fazer parte do cotidiano. Milhões e milhões de pessoas obrigam-se a um deslocamento compulsório cada vez mais frequente e massivo. Ao lado das migrações, cada vez mais numerosas, diferenciadas e complexas, cresce igualmente o número dos chamados “refugiados climáticos”. Ou seja, o esgotamento do homem e da mulher trazem distúrbios mentais que vão do cansaço e falta de atenção até a depressão pura e simples. O esgotamento do planeta, por seu lado, vem espelhado, entre outros fatores, no crescente o aquecimento global, com as implicações e consequências mais inesperadas.
Cientistas, ambientalistas e outros ativistas não se cansam de alertar para a perigosa irreversibilidade desse processo. As vozes, imagens, cores e sons desse fenômeno de declínio e degenerescência chega às raias de um verdadeiro apocalipse. De tal maneira que, ser humano e natureza se veem impossibilitados de acompanhar a corrida frenética e vertiginosa que a ciência e a tecnologia de ponta imprimem ao processo de produção e consumo, em vista do aumento da riqueza.
A enfermidade do ser humano reflete e reforça, ao mesmo tempo, a enfermidade da terra. Na medida em que o primeiro usa irresponsavelmente os bens da segunda, ambos caminham abraçados para o abismo. Verifica-se, desse modo, um tipo de progresso claramente autofágico, o qual, ao devorar aqui e agora tudo o que encontra pela frente, a médio e longo prazo devora igualmente a si mesmo. Bem diferente do “desenvolvimento integral”, expressão cara ao corpus de toda a Doutrina Social da Igreja. Quer dizer que, da mesma forma que a doença, o remédio de um também é irmão gêmeo remédio do outro. Urge um ritmo mais lento, sóbrio e sábio; urge o cuidado responsável e o repouso periódico; urge a integração em rede entre coisas, pessoas e relações; urge o respeito à existência e ao direito de todas as formas de vida (biodiversidade); urge não tanto aumentar a produção e o PIB, e sim maior distribuição dos frutos do trabalho de todos os seres humanos – receita essa que deve ser revestida de justa solidariedade.