A esperança é motor e combustível de todo peregrino.
Por Alfredo J. Gonçalves
Todo peregrino é movido à esperança. Esta, na verdade, constitui ao mesmo tempo seu motor e combustível. A expressão chega a ser tautológica, redundante, uma vez que não faz sentido empreender uma peregrinação sem esperança. Tampouco faz sentido uma esperança inerte e estagnada, que não possa mover-se. Pôr-se a caminho, por si só, requer alguma ideia de onde chegar, ou o que alcançar. Marchar por marchar é coisa de soldado na caserna. E ainda assim, serve de treino para provas reais e mais duras que podem desencadear-se a qualquer momento. Da mesma forma que o soldado, também o peregrino deve preparar-se para percursos longos, árduos e imprevisíveis. O próprio treinamento já se veste de esperança.
Mas há travessias e travessias. A peregrinação religiosa, por exemplo, normalmente é marcada por uma livre decisão. Envolve familiares, amigos e parentes, pressupõe um grupo relativamente homogêneo e caminha em direção a um lugar sagrado definido. Costuma ter por objetivo o cumprimento de uma promessa ou um gesto de gratidão, quando não uma simples visita simultaneamente religiosa ou turística. Dura o tempo necessário para resolver a “pendência”, tendo no retorno a casa a sadia continuidade da rotina cotidiana.
Não é o que ocorre com os migrantes e refugiados. Uns por causa de condições adversas no lugar de origem, outros por problemas de guerra ou violência, na grande maioria dos casos, empreendem não uma jornada de fé ou de conhecimento, e sim uma fuga. Não raro, está em jogo a vida ou a morte. Pobreza, falta de trabalho, miséria, doença e fome, de um lado e, de outro, motivações de ordem étnico-religiosa, política ou ideológica, levam migrantes e refugiados a deixar para trás o solo abençoado onde estão enterrados os restos mortais de seus antepassados. A pátria de nascimento lhes nega, por vezes desde cedo, segurança e a tranquilidade para uma sobrevivência justa e digna. Carências e penúria ou o fogo cruzado das batalhas os atiram ao caminho, onde a travessia não poupa hostilidade, preconceito e discriminação. Não poupa, ainda, a xenofobia do outro, do estranho, do diferente. Por águas bravias, desertos inóspitos e florestas traiçoeiras, abrem novas veredas, expondo-se aos mais diversos riscos e armadilhas.
Nas fronteiras – portos, rios, mares, muros militarizados ou aeroportos aduaneiros – crescem os obstáculos. Polícia, passaporte, falta de papéis, língua e costumes constituem entraves que detêm a marcha. Na peneira fina da legislação migratória, boa parte pode ser deportada, enquanto outros se deparam com o desconhecido. Recusados inicialmente no solo que os viu nascer, temem novo rechaço no lugar de chegada. Pé ante pé, com uma confiança desconfiada, como que às apalpadelas, vão avançando passo a passo, sempre à espreita de um risco, uma voz ou uma pedra que os faça recuar. Feliz de quem, nessa hora primeira, encontra um conhecido, um amigo, um parente que lhe estenda a mão!
De perigo em perigo, de barreira em barreira, de tropeço em tropeço – o que jamais lhes falta é justamente o fio tênue da esperança. Nele se agarram e se equilibram para descortinar horizontes incógnitos. Por isso, sim, são verdadeiros peregrinos de esperança. Consciente ou inconscientemente, tornam-se de alguma maneira profetas e protagonistas de um amanhã transfigurado, plural e solidário. O que significa, querendo ou não, exercer o papel de artífices de novas sociedades, multiétnicas e pluriculturais. E mais que isso, se é verdade que em cada pessoa humana e em cada cultura existem sementes do Verbo Encarnado, tanto os migrantes quanto os refugiados convertem-se, além do mais, em agentes da evangelização. Ademais dos pertences e recordações, levam na bagagem valores que, ao se cruzar e se fundir com outros, ajudam a depurar, purificar e enriquecer as culturas em jogo. Não é sem razão que, ao longo da história humana, grandes civilizações costumam ser fruto do cruzamento de culturas distintas.
Enquanto segura firme o fio da esperança, o peregrino não estaciona. Detém-se, claro, para nutrir-se, refazer as energias, mas logo põe-se em marcha. Portador da esperança, é igualmente arquiteto de um mundo a ser construído sobre novos alicerces. Tendo experimentado as mais profundas desigualdades socioeconômicas, e o abismo das progressivas assimetrias que dividem regiões e países, de alguma forma encontra-se preparado para erguer um edifício sociopolítico mais equânime. Em lugar de consultar quase unicamente os indicadores econômicos e financeiros, os governos e autoridades fariam bem em consultar os indicadores sociais, a partir da trajetória dos migrantes, com vistas a um futuro sustentável neste Ano Jubilar de 2025.