Revolução ecológica integral

O Acordo de Paris tem como objetivo central manter a temperatura média do planeta em no máximo 2º graus centígrados acima da temperatura média da terra no início do processo da industrialização mundial.

Por Juacy da Silva

“O clima é um bem comum, um bem de todos e para todos. Em nível global é um sistema complexo, que tem a ver com muitas condições essenciais para a vida humana. Há um consenso científico, muito consistente, indicando que estamos perante um preocupante aquecimento do sistema climático... A humanidade é chamada a tomar consciência da necessidade de mudanças de estilo de vida, de produção e de consumo, para combater esse aquecimento, ou, pelo menos, as causas humanas que o produzem ou o acentuam”. Papa rev, Encíclica Laudato Si,(23), publicada em 24 de maio de 2015.

Há poucos dias, mesmo estando fora do Brasil, mantive um diálogo com um amigo e também assíduo leitor de minhas reflexões/artigos, há várias décadas e, neste diálogo, disse este meu amigo “professor, o senhor não acha que o mundo está precisando de uma verdadeira revolução em termos ecológicos, tendo por base os resultados de inúmeras pesquisas e inúmeros alertas de cientistas e também as exortações do Papa Francisco, ao invés de medidas paliativas ou mitigadoras que não tem surtido efeito, prova disso é que as emissões de gases de efeito estufa que produzem o aquecimento global e esta crise climática, a cada dia estão se tornando mais catastróficas?”

A seguir, este meu amigo, falou “eu sugiro que o senhor escreva um artigo tendo a ideia de uma revolução ecológica, mas na linha do Papa Francisco, ou seja, uma revolução ecológica integral, de preferência sem derramamento de sangue”. Ele se referia às perseguições e assassinatos de ambientalistas ao redor do mundo, inclusive no Brasil.

Confesso que durante semanas este diálogo ficou “martelando” em minha cabeça, como uma provocação, se bem que a grande maioria da população associa o conceito de revolução a conflitos políticos, militares e sociais, onde o nível de violência afeta muita gente inocente, como atualmente está acontecendo na Guerra da Rússia contra a Ucrânia, e o conflito no Oriente Médio, onde a população palestina está sendo dizimada, e, neste sentido, se aproxima de guerras, guerras civis, prisioneiros, tortura e tantas atrocidades que temos presenciado mundo afora há décadas ou séculos e que tem sido responsáveis por muito sofrimento, destruição e mortes.

Contrapondo-se à ideia de revolução surge o conceito de reforma, ou seja, promover mudanças bem devagar e que não afetem e nem alterem de forma radical o sistema de poder, as estruturas políticas, econômicas, ambientais, culturais e sociais, como tantas formas “mitigatórias”, que pouco contribuem, no caso da ecologia integral e das mudanças climáticas, para as mudanças necessárias em termos de novos paradigmas de relações de trabalho, de produção e de consumo, que promovam, de verdade a sustentabilidade como premissa básica para que possamos atingir a cidadania ecológica e a garantia de uma vida digna para as atuais e futuras gerações. Todavia as reformas é como se a gente trocar seis por meia dúzia, ou seja, nada muda e o “status quo” permanece e a situação só se agrava.

Por isso é que observamos o fracasso das várias COPs (Conferências do Clima da ONU) ao longo dos últimos 30 anos, o não cumprimento da Carta da Terra, aprovada em 1992 na Eco 92, no Rio de Janeiro, dos termos do Protocolo de Kyoto e, mais recentemente, os termos do Acordo de Paris (firmado em 2015 por mais de 195 países e territórios), o não cumprimento pelos países quanto aos objetivos do milênio e seu sucedâneo os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável; e inúmeros acordos de proteção dos mares e oceanos, proteção da biodiversidade, da flora e da fauna, o compromisso de reduzir o desmatamento, as queimadas, o uso de combustíveis fósseis e tantos outros compromissos internacionais, os quais são firmados pelos países, mas descumpridos por sucessivos governantes; chegando ao absurdo do Governo Trump retirar os Estados Unidos do Acordo de Paris, no primeiro ano de sua gestão, em 2017, da mesma forma que a China, a Índia, a Rússia e até mesmo o Brasil, que são os países, juntamente com a União Europeia, que mais emitem gases de efeito estufa na atmosfera.

Os dez países que formam o grupo dos maiores poluidores do planeta são responsáveis por 76% das emissões de gases de efeito estufa e os países do G20 78%, sendo, assim, os maiores responsáveis pelo “buraco” na/da camada de ozônio, colocando o planeta e a população em geral a sérios problemas e consequências desse rompimento da camada de ozônio que protege a terra.

Enquanto a média de emissão per capita ano nos países do G20 é de 7,9 toneladas de gases de efeito estufa, a média dos dos demais países é de apenas 3,5 toneladas per capita e a média mundial fica em 6,5 toneladas per capita ano. Vale ressaltar que nos EUA esta média e de 13,83 ton per capita ano, a maior do planeta. Enquanto no Brasil é de 2,2 toneladas per capita ano e em Bangladesh de apenas 0,65 toneladas per capita ano, na “Índia 2,0 ton per capita ano, na China8,89 ton per capita ano e na União Europia 7,25 ton per capita ano. Caso a China, os Estados Unidos, que são os dois países que mais poluem o planeta não consigam reduzir suas emissões de gases de efeito estufa, com certeza o desastre ecológico que se abaterá sobre o planeta será extremamente catastrófico.

Antes de falar como seria uma revolução ecológica integral, precisamos compreender como chegamos a este ponto de uma crise climática, fruto do aquecimento global que continua piorando dia após dia, ano após ano, gerando mais tragédias ecológicas ou socioambientais.

O planeta terra é envolto em uma camada de ozônio que protege todos os tipos de vida dos raios ultravioletas do sol, como se fosse uma grande cortina, chamada camada de ozônio, esta camada não os raios do sol ultrapassarem e atingirem a terra e também não permitem que os gases de efeito estufa possam se dissipar além da atmosfera, ou seja, no espaço sideral.

Assim, quanto mais gases de efeito estufa produzimos (a humanidade, já que o planeta terra é como um sistema fechado), os mesmos acabam ficando “presos” na atmosfera e vai, paulatinamente aquecendo o planeta.

Existem alguns “mecanismos” para capturar, sequestrar esses gases que estão acumulados na atmosfera, destacando-se as florestas, bosques etc; os grandes corpos de água (principalmente grandes lagos, mares e oceanos). As florestas sequestram os gases de efeito estufa e “armazena” os mesmos no subsolo e os mares e oceanos fazem o mesmo.

Durante o Acordo de Paris, na COP 21, em 2015, mesmo ano da publicação da Encíclica Laudato Si e a aprovação pela Assembleia Geral da ONU dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável/Agenda 2030 - ODS, ou seja,196 países e territórios firmaram um grande compromisso de combater as mudanças climáticas (ODS 13) e a estabelecerem novos patamares de desenvolvimento sustentável, visando o bem estar da população em geral.

O Acordo de Paris tem vários objetivos, mas o objetivo central é manter a temperatura média do planeta em no máximo 2º graus centígrados acima da temperatura média da terra no início do processo da industrialização mundial, além de um grande esforço para manter tais níveis em 1,5º graus centígrados, até o final deste século.

Cabe ressaltar também que o Acordo de Paris visa limitar o aquecimento global bem abaixo de 2°C, preferencialmente a 1,5°C, em relação à era pré-industrial. As projeções atuais indicam que, com as políticas atuais, o aquecimento global atingirá 2,7°C até 2100, ultrapassando as metas do acordo. Atualmente já atingimos 1,

Além disso, as emissões globais de gases de efeito estufa precisam cair 45% até 2030 e alcançar a neutralidade líquida até 2050 para limitar o aquecimento a 1,5°C. Todavia, de acordo com dados do Serviço Copernicus para as alterações climática, da União Europeia e divulgados pela Agência Brasil, no mês de agosto último (2024), a temperatura média da terra ficou 1,51º Graus centígrados acima do nível pré-industrial referido no Acordo de Paris, um aumento significativo 0,76º acima da temperatura média registrada em 1990.

Além disso, desde que o Acordo de Paris foi firmado e entrou em vigor, as emissões anuais de gases de efeito estufa continuam aumentando, ano após ano, como aconteceu em 2022, quando essas emissões atingiram 57,4 GtCO2 (bilhões de toneladas equivalentes de CO2), um aumento considerável se compararmos com o volume de emissões globais em 2016 (ano seguinte ao Acordo de Paris) que foi de 49.4 GtCO2e (bilhões de toneladas).

As emissões de gases de efeito estufa em 2023 atingiram 58,9 bilhões de toneladas (CO2 equivalentes) e as projeções indicam que neste ano de 2024 o planeta vai receber mais 64,9 bilhões de toneladas. Isto representa um aumento de 31,4% em apenas oito anos. Neste ritmo, ou seja, entre 2016 e 2024 o volume anual de aumento da emissão de gases de efeito estufa foi de 3,9 bilhões de toneladas por ano. Se este mesmo ritmo de emissões se mantiver pelos próximos 6 anos, chegaremos (o mundo, o planeta terra), em 2030 com um volume de emissões totalmente catastrófico atingindo 88,5 bilhões no momento em que as emissões deveriam ter sido reduzidas em 45%, conforme estudos científicos.

Diante deste cenário a temperatura média do planeta será muito mais elevada do que os acordos e o bem estar da população mundial previam quando foi firmado o acordo de Paris, que não vem sendo cumprido, principalmente pelos países que ostentam as maiores economias, como, por exemplo, o G7, o G20, e os BRICs.

No próximo artigo abordarei quais os setores e quais os países que são os maiores responsáveis pelas emissões dos gases de efeito estufa e como isto afeta profundamente os países de renda baixa, os quais produzem menos de 10% das emissões de gases de efeito estufa e sofrem, desproporcionalmente de forma muito mais impactante as consequências do aquecimento global e da crise climática, principalmente os pobres e excluídos, que são a grande maioria da população mundial, que vivem nesses países. Esta e a base para as injustiças climáticas.

E no terceiro artigo com o mesmo título, abordarei as ações que podem revolucionar esta dinâmica, desde que governantes, empresários, lideranças dos vários setores dos diversos países, inclusive as lideranças religiosas e a população em geral despertarem desta passividade, desta alienação, omissão e perceberem que se tais mudanças radicais não forem tomadas com urgência, a humanidade estará fadada a desaparecer diante de uma grande tragédia socioambiental, já de há muito anunciada.

Finalizando, gostaria de transcrever o que o Papa Francisco, no dia 04 de Outubro de 2023, encerramento das celebrações do TEMPO DA CRIAÇÃO, escreveu aos participantes da COP28 e a todas as pessoas do mundo que se preocupam com o destino deste planeta.

“Já se passaram oito anos desde a publicação da Carta Encíclica Laudato Si, quando quis partilhar com todos vós, irmãs e irmãos do nosso maltratado planeta, a minha profunda preocupação pelo cuidado com a nossa Casa Comum. Com o passar do tempo, entretanto, dou-me conta que não estamos reagindo de modo satisfatório, pois este mundo que nos acolhe está desmoronando e talvez, se aproximando de um ponto de ruptura. Independentemente dessa possibilidade, não há dúvida de que o impacto da mudança climática prejudicará cada vez mais a vida de muitas pessoas e famílias. Sentiremos os seus efeitos em termos de saúde, emprego, acesso aos recursos, habitação, migrações forçadas e em outros âmbitos” Papa Francisco, Exortação Apostólica, “Laudate Deum”.

Com certeza esta é uma voz profética que o mundo, principalmente os donos do poder, em todos os níveis, não gostam de ouvir e continuam fazendo “ouvidos moucos”, lamentavelmente.

Juacy da Silva, professor fundador, titular e aposentado da Universidade Federal de Mato Grosso, sociólogo, mestre em sociologia, ambientalista e articulador da Pastoral da Ecologia Integral. Email profjuacy@yahoo.com.br Instagram @profjuacy Whats app 65 9 9272 0052.

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