A Ressurreição da Esperança, para um povo sem Esperança

Nessa Páscoa devemos refletir sobre como estamos correspondendo ao amor de Deus,  amor misericordioso e gratuito.

Por Fábio José Bortoni Dias

Celebrar o Mistério da salvação da Humanidade, a Páscoa, é celebrar a vitória da Vida sobre a morte, é celebrar aquele que estava morto e Ressuscitou, apresentando a misericórdia do Pai e a ação do Espírito do Santo. Um só Deus em três pessoas.

A festa de Pessâch, foi a primeira festa celebrada pelos nossos irmãos judeus, comemorando a saída do Egito, da escravidão para liberdade, a caminho da Terra que emana leite e mel. O cumprimento da promessa de Deus para com o seu povo, “Naquele dia, assim falarás a teu filho: Eis o que o Senhor fez por mim, quando saí do Egito. E será como um sinal na tua mão , um memorial entre os olhos, para a lei do Senhor esteja na sua boca; pois o Senhor te tirou do Egito com mão forte. Observarás esta lei no tempo, determinado, de ano em ano.” Ex 13, 5-10.

Primeiramente, a festa de Pessâch era celebrada no seio da família, conforme está prescrito na Torá, com a reforma religiosa, promovida pelo rei Josias, aproximadamente no século VIII a.C, onde os Hebreus foram convocados a celebrar a festa de Pessâch em Jerusalém. “ O rei ordenou a todo o povo: Celebrai a Páscoa em honra do Senhor, vosso Deus, de modo como está escrito neste livro da Aliança. Não se havia celebrado uma Páscoa semelhante a esta em Israel desde os dias dos Juízes que haviam governado Israel, nem durante todo o tempo dos reis de Israel e dos reis de Judá. Foi somente no décimo oitavo ano do Rei Josias que semelhante Páscoa foi celebrada em honra do Senhor em Jerusalém”. 2Rs 23, 21-23. O povo Judeu deveria subir a cidade Jerusalém e oferecer sacrifício em virtude da Páscoa.

Quando a Páscoa estava próxima, Jesus como um Judeu Justo, que observava e seguia os ensinamentos da Torá, foi em direção à Jerusalém para festa de Pêssach com os discípulos. Depois de sua entrada messiânica na cidade sagrada, Jesus já sabia que sua morte estava próxima. Mas Ele não se afugenta ou se desvia de sua Cruz. “Pai, se queres, afasta de mim este cálice! Contudo, não a minha vontade, mas a sua seja feita!” Lc 22,42.

Após a prisão de Jesus, seus discípulos ficaram com medo e se esconderam ou como fez Pedro, que ficou acompanhando tudo de perto, mas negando conhecer, Jesus, aquele que o chamou para ser pescador de homens. Os discípulos não entenderam as palavras de Jesus, e o projeto do Messias libertador. Para eles havia chegado o fim. O grande projeto de liberdade fracassou. O Mestre foi flagelado e crucificado, sofreu a morte mais escandalosa e vergonhosa que um judeu poderia sofrer, tudo está acabado e consumado.

Os Evangelhos Sinóticos relatam que Jesus ficou quarenta dias, aparecendo aos seus discípulos, o Evangelho de João relata que tudo aconteceu ao final do terceiro dia, sabemos que os números na Sagrada Escritura, é carregado de simbologias e de pedagogia, para nós Cristãos o que nos interessa não é o tempo que Jesus ainda ficou entre os seus discípulos, mas sim a experiência que os discípulos tiveram com o seu Mestre após a sua morte e Ressurreição.

Após o encontro dos discípulos com o Cristo Ressuscitado, os discípulos tiveram uma grande experiência de fé, experiência essa que mudou radicalmente a vida dos apóstolos, aqueles que a princípio estavam escondidos, acuados com medo dos romanos, estavam livres para anunciar a Boa Nova de Cristo. Eles tinham a certeza que a morte foi vencida e que o Reino de Deus, estava no meio deles, e hoje eles estão habitando no Reino de Deus.

A exemplo dos apóstolos, somos chamados a experimentar, a Ressurreição que é a experiência de algo que toca e transforma a nossa existência, dando significado a nossa vida e particularmente ao sofrimento. E com isso podemos lutar e transformar qualquer desesperança.

A Páscoa, a passagem, o nosso êxodo, permite uma esperança nova. “Porém, agora em que consiste essa esperança que, enquanto esperança, é redenção”. Esta esperança está descrita na Carta de São Paulo aos Efésios: “lembrai-vos de que, então, estáveis sem Cristo, não participáveis da cidadania de Israel nem das alianças da Promessa, não tínheis neste mundo, esperança nem Deus Verdadeiro”. (Ef 2, 12).

Mas como viver a esperança, num mundo sem esperança? Estamos vivendo mundo de profundo sofrimento, e dor. O secularismo fala mais alto que a fraternidade, o ódio germina mais que o amor. As pessoas estão cheias de rancor, com o coração endurecido. Como falar em amor e esperança nesse mundo? Nesse contexto que o cristão é chamado a dar resposta, a ser realmente o fermento da massa. Devemos retornar à primeira comunidade Cristã e seguir seus exemplos, conforme narra o livro do Atos dos Apóstolos; “A multidão dos que haviam crido era um só coração e uma só alma. Ninguém considerava exclusivamente seu o que possuía, mas tudo entre eles era comum” At 4,32. Quando Jesus foi crucificado juntamente com a sua Ressurreição, o pote de perfume foi quebrado e esse perfume espalhou a sua fragrância pela terra, aqueles que conseguiram exalar esse maravilhoso perfume foram transformados pela força do Espírito Santo em pessoas fraternas, pessoas que dividiam tudo o que possuíam e principalmente o que passaram a viver o amor Agapé, a misericórdia do Pai. A Páscoa é a oportunidade de deixarmos Jesus ser Deus e deixarmos que Ele atue livremente em nosso ser.

Cristo, “Com a sua morte destruiu a morte e com a sua ressurreição deu-nos a vida” (Missal Romano, prefácio da Páscoa I). A Ressurreição é a experiência de algo que toca e transforma a nossa existência, dando significado a nossa vida e particularmente ao sofrimento. E com isso podemos vencer qualquer sofrimento e transformar o sofrimento em Graça. A Páscoa é a vida em plenitude e devemos anunciar ao mundo essa plenitude, levando a todos a alegria e a esperança da Ressurreição.

Com sua paixão, morte e ressurreição, Jesus pedagogicamente nos faz entender o amor de Deus pela humanidade, a exemplo de Jesus que exalou esse amor na cruz, somos também chamados a exalar esse perfume na Páscoa. Celebrar a Páscoa, não é celebrar um fato histórico, não é ficar no campo da historicidade. Celebrar a Páscoa é fazer memória de tudo aquilo que Jesus fez por nós. “Existindo em forma divina, não se apegou ao ser igual a Deus, mas despojou-se, assumindo a forma de escravo e tornando-se semelhante ao ser humano. E encontrado em aspecto humano, humilhou-se, fazendo obediente até a morte e morte de cruz! Por isso, Deus o exaltou acima de todo nome, para que, em nome de Jesus, todo joelho se dobre no céu, na terra e abaixo da terra, e toda língua confesse: Jesus Cristo é o Senhor, para glória de Deus Pai” (Fl 2,6-11). A exemplo de Jesus nós também somos chamados ao “esvaziamento” em favor dos que sofrem, daqueles que estão habitando nas “periferias” da existência humana. Deus sempre olhou pelos pobres, viúvas, crianças e estrangeiros, também nós somos chamados a enxergar o Cristo Ressuscitado na face dos irmãos que sofrem a miséria humana.

Às vezes durante a nossa vida, insistimos em ficar diante do sepulcro vazio, permanecemos ali com os nossos sofrimentos, derrotas e medos. Insistimos em permanecer ali contemplando o sepulcro vazio, e não conseguimos enxergar a grandeza, a beleza da Páscoa, comemoramos uma Páscoa sem sentido, sem significado. Não conseguimos enxergar o grande mistério que envolve a vigília das vigílias, a mãe de todas as vigílias. E não conseguindo experimentar o Mistério Pascal, não conseguimos ser testemunhas da Páscoa do Senhor Jesus.

Nessa Páscoa devemos refletir sobre como estamos correspondendo ao amor de Deus, esse amor misericordioso e gratuito. Se somos testemunhas vivas desse amor, se a minha vida realmente é um Evangelho vivo na vida do meu irmão, Deus sabe das nossas imperfeições, afinal somos um ser do sexto dia. Mas devemos nos voltarmos ao mais íntimo do nosso ser, procurar as nossas lacunas e imperfeições, sempre buscando em Deus a graça para superarmos toda as nossas imperfeições. A exemplo do Ressuscitado, levando uma vida de obediência a Deus, uma vida de amor e entrega ao próximo. A cruz de nosso Senhor Jesus Cristo deve ser a nossa glória: nele está nossa vida e ressurreição; foi ele que nos salvou e libertou. (Missal Romano Tríduo Pascal, Missa vespertina da Ceia do Senhor).

Cristo ressuscitou verdadeiramente, aleluia! A vida venceu a morte, aleluia! Com essa certeza em nossos corações, que consiste na nossa esperança, deixemos ressoar neles as palavras que o Senhor dirigiu às mulheres quando foram ao seu encontro: “Alegrai-vos. Não temais! Ide anunciar a meus irmãos que se dirijam a Galileia; lá me verão” Mt 28, 9-10. Que também encontremos Jesus Ressuscitado. Aleluia, Aleluia, Aleluia. Cristo Ressuscitou!

Fábio José Bortoni Dias é teólogo, professor do curso de teologia para leigos da Cúria de Santana, São Paulo, SP.

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