Na tarde desta sexta-feira (29/05), se realizará o primeiro de uma série de seminários on-line, centrados nas maneiras em que são abordados os programas de tutela de menores e adultos vulneráveis. A entrevista com o padre Hans Zollner SJ.
Francesca Sabatinelli/Mariangela Jaguraba – Cidade do Vaticano
Um incentivo à Igreja católica, e não só, a continuar seus programas de proteção, não obstante a epidemia da Covid-19. Este é o objetivo do primeiro de uma série de webinars, que terá início nesta sexta-feira (29/05), organizado pela Conferência Internacional de Salvaguarda (ISC) que reúne anualmente representantes da Igreja, profissionais e especialistas científicos sobre o tema da proteção de menores. O primeiro webinar será dedicado a como a Igreja está assumindo a sua responsabilidade de proteção durante a pandemia. Atenção especial será dada à maneira como as vítimas vivem esse momento difícil, em que o autoisolamento, a quarentena e o confinamento aumentaram o risco de violência, que afeta de maneira significativa as crianças. É o que confirma o jesuíta pe. Hans Zollner, membro do Comitê diretivo da Conferência Internacional de Salvaguarda.
Pe. Zollner: É um medo que, em algumas partes do mundo, também teve uma confirmação empírica através dos dados fornecidos por pessoas envolvidas no social e no trabalho educacional, que informam sobre o aumento de distúrbios familiares e violência. Também do setor médico, sabemos que o número de fraturas ósseas sofridas por crianças aumentou significativamente em algumas partes do mundo. Também sabemos que o consumo de pornografia e também de pornografia infantil, aumentou. Tudo isso significa que esse momento de crise, de confinamento, não diz respeito apenas ao aspecto econômico, político e social, pois coloca em risco as pessoas vulneráveis, principalmente os menores.
Teme-se que essa situação de pandemia possa afetar a luta contra esse fenômeno dramático, atingi-la com o corte, por exemplo, de financiamento?
Pe. Zollner: O financiamento é uma parte, porque também há a atenção pública que, nos últimos anos, aumentou bastante em todo o mundo, nas sociedades e na Igreja. Penso que é óbvio que, neste momento, nos concentramos nas implicações econômicas, nas dificuldades das relações familiares etc., e que toda a esfera de proteção das pessoas vulneráveis tenha sido relegada a segundo plano. Isso certamente incluirá o risco de um corte nos investimentos nesse campo, porque, é claro, haverá menos dinheiro para todos. Portanto, a tentação para a sociedade civil, bem como para a Igreja, será de não continuar com o compromisso precedente.
O senhor declarou que esta pandemia e as consequências são um forte desafio para a Igreja...
Pe. Zollner: Não é só para a igreja! Notamos que mesmo nos países anglófonos, onde a proteção dos menores contra abuso sexual é uma prioridade há muito tempo, neste momento em que toda a atenção pública se concentra em outro setor, em que tudo se concentra na proteção diante do desafio da saúde, do desafio econômico, o âmbito do abuso sexual e sua prevenção, já difícil de tratar, desaparece da atenção e da consciência, não obstante, neste momento, os riscos tenham aumentado.
Este primeiro webinar o que deseja oferecer e qual é o objetivo que pretende alcançar?
Pe. Zollner: Primeiramente, queremos comunicar aos que estão envolvidos no campo da salvaguarda, da proteção das pessoas vulneráveis, que a situação mudou e há quem já refletiu sobre as mudanças que pretende comunicar, o que é indicado como “melhores práticas”, ou seja, o que foi experimentado como ajuda, tanto para os “clientes”, assim dizendo, isto é, para as populações em maior risco, quanto para o seu próprio trabalho. Devemos levar em conta o fator psicológico, o estresse que se vive, por exemplo, um educador, um assistente social, que não conseguem mais entrar em contato com uma criança da qual se conhece a situação familiar difícil e violenta, e que parece ter desaparecido da superfície da terra. Como enfrentar essas situações e como sair delas, será um dos temas abordados.
Qual a importância de continuar investindo na formação de pessoas que devem ser de apoio?
Pe. Zollner: Vemos de todos os lados a necessidade de formar pessoas competentes especificamente no campo da salvaguarda. Não é suficiente ter estudado psicologia, pedagogia, teologia, há também o aspecto jurídico que requer uma competência específica. Por isso, estamos felizes em poder oferecer a formação a pessoas que, provenientes das dioceses, das Conferências Episcopais, de ordens religiosas, de outros organismos inclusive não eclesiais, serão comprometidas na elaboração de diretrizes para a proteção, bem como na formação de professores, catequistas, de funcionários de qualquer tipo e na ajuda às pessoas em risco. Portanto, é claro que isso será um forte fator para manter vivo o interesse e o compromisso, tanto na sociedade civil quanto na Igreja, em relação a essa prioridade humanitária que é a proteção dos mais vulneráveis.
Padre, o senhor está muito preocupado?
Pe. Zollner: Estou bastante preocupado, porque se vê que a proteção dos menores, a proteção das pessoas vulneráveis em geral, parece ser quase algo que avança quando outros desejos, outras necessidades são satisfeitas. Não entrou na consciência generalizada, nem mesmo da sociedade civil, que essa deve ser a nossa prioridade de qualquer maneira e em todas as circunstâncias: lutar pelo bem-estar das pessoas que mais precisam de proteção, estar dispostos a sacrificar outras coisas e dar prioridade para aqueles que não podem se defender. Parece-me que uma situação semelhante está se repetindo no Ocidente com as que há muito são encontradas na África, Ásia e América Latina. Sempre ficamos surpresos porque nesses países não se investem mais na proteção de menores, mas eu sempre disse que essas sociedades veem e vivem catástrofes, guerras, guerras civis, pobreza extrema, deficiências significativas no setor da saúde, eis porque se decide intervir primeiro sobre esses aspectos que, é claro, são essenciais e importantes. Consequentemente, todos os esforços, inclusive econômicos, geralmente limitados, vão nessa direção. Agora, o mesmo está acontecendo com o Ocidente e isso não preocupa somente a mim, mas também os organismos internacionais com os quais estive em contato, bem como todos os governos que veem que o âmbito da proteção, da salvaguarda, sofreu uma grande queda de atenção e importância. Isso certamente marcará um longo caminho para retornar aos objetivos que já tinham sido alcançados.