Infundindo esperança num mundo estéril, Francisco clama o mundo a confiar em Deus.
Por Victor Mbsei Wafula
Ao findar do último dia 27 de março de 2020, a garoa da chuva caindo sobre Roma acolheu o Sumo Pontífice na Praça de São Pedro. O papa Francisco, com uma expressão visível de quem navega em mares tenebrosos, mas confiante, caminhou com passos lentos, como quem carregava o mundo nas costas. Pelo corredor central da imensa praça vazia de São Pedro, o Pontífice caminhou ao átrio onde foi recebido por duas imagens iconográficas: a de Nossa Senhora, conhecida como Maria Sálus Pópuli Románi (Maria, Salvação do Povo Romano) e a do Cristo Senhor representado pelo Crucifixo Milagroso da Igreja de São Marcelo. A imensidão do vazio do Vaticano significou ao mesmo tempo o mundo que se encontra em estado de aridez, abandono, desolação e terra sem água, elementos caraterísticos da calamidade atual, condição atribuída ao surgimento da pandemia do novo coronavírus que tem ceifado milhares de vidas, e mantido outras milhares internadas, numa exponencial mundial crescente.
Foi diante dessa situação globalmente preocupante que o papa Francisco, no meio do silêncio impotente dos poderosos, no desespero, choros, lamentações e queixas das nações, se dirigiu à Santíssima Virgem Maria e intercedeu pela humanidade. O gesto sublime de confiança aqui demonstrado convidou a humanidade inteira, independente de suas ideologias religiosas, culturais e raciais, a ver naquela Mulher agraciada, uma consolação que só vem de Deus. Em seguida, com uma expressão visível da fadiga, Francisco, com o rosto para baixo deu uns passos e se colocou de frente ao Crucifixo Milagroso. Ergueu o olhar a Cristo, e em silêncio, clamou pela humanidade enferma, ferida, desolada. Pediu a luz para dissipar a noite do mundo. Naquele olhar silencioso foi possível ouvir as palavras fortes do saudoso papa, São João Paulo II, “Olhem para Cristo!”, palavras que o mundo jamais apagará da memória. É no olhar contemplativo a Cristo que o papa se deixa fascinar por Ele, e é Dele que provém a força que edifica a fé e renova a esperança. Um cenário extraordinário, profundamente tocante e diante do qual a alma humana se elevou para adorar o Senhor.
O momento presenciado pelo mundo inteiro mediante os diversos meios de comunicação nutriu a esperança de homens e mulheres, dando um sentido novo à própria existência. Nas palavras do saudoso papa emérito, Bento XVI, “A nossa esperança tem fundamento real, apoia-se num acontecimento que se coloca na história e ao mesmo tempo excede-a: é Jesus de Nazaré. […] Mas quem tem tempo para escutar a sua palavra e deixar-se fascinar pelo seu amor? Quem vela, na noite da dúvida e da incerteza, com o coração acordado em oração? Quem espera a aurora do dia novo, mantendo acesa a chama da fé? A fé em Deus abre ao homem o horizonte de uma esperança certa que não desilude; indica um sólido fundamento sobre o qual apoiar, sem medo, a própria vida; pede o abandono, cheio de confiança, nas mãos do Amor que sustenta o mundo”. Bento XVI, Homilia em Fátima, 13 de maio de 2010.
Adoração ao Santíssimo Sacramento e Bênção Urbi et Orbi
Depois da homília inspirada em Mc 4, 35-41, o papa conduziu o mundo a adorar Jesus Cristo, o Senhor da história e dos tempos, presente no Santíssimo Sacramento do Altar, seguida pela Bênção Urbi et Orbi, com a possibilidade de receber a indulgência plenária. A expressão latina “Urbi et Orbi” significa “à cidade (de Roma) e ao mundo.” Trata-se da bênção tradicionalmente reservada apenas ao dia da eleição de um novo papa, ao dia de Natal e ao domingo da Páscoa.
Na sua reflexão, Francisco havia salientado que diante da epidemia de coronavírus, “densas trevas cobriram as nossas praças, ruas e cidades; apoderaram-se das nossas vidas, enchendo tudo de um silêncio ensurdecedor e um vazio desolador, que paralisa tudo à sua passagem: pressente-se no ar, nota-se nos gestos, dizem-no os olhares”. O momento da oração a qual participou virtualmente o mundo inteiro foi em favor da vida e pelo fim da pandemia do Covid-19. Ao abençoar os quatro cantos da terra, o papa ofereceu à humanidade um momento singular e de graça extraordinária de viver esse tempo de dor, sofrimento, medo e angústia com fé e esperança.