O drama da migração de menores

Violência e guerra, pobreza e falta de trabalho, além das calamidades naturais são as causas predominantes desse êxodo em massa.

Alfredo J. Gonçalves*

Para falar da migração de “menores não acompanhados”, podemos começar com o exemplo emblemático da Itália. No decorrer de 2016, através da travessia do mar Mediterrâneo, desembarcam nas costas desse país 181 mil pessoas, um número superior em 18% em relação a 2015. Os lugares de origem são Nigéria, Eritreia, Guiné, Costa do Marfim, Gâmbia, entre outros países da África. Acrescentam-se alguns originários do do Oriente Médio, com destaque para a Síria, embora esses entrem na Europa preferencialmente pela chamada rota balcânica, via Turquia, Grécia, Bulgária, Macedônia etc. Violência e guerra, pobreza e falta de trabalho, além das calamidades naturais, são as causas predominantes desse êxodo em massa.

Crianças warao fora do abrigo buscam proteção em uma árvoreNo mesmo período, faziam parte desse contingente nada menos do que 25 mil menores, o que, comparados com o ano anterior, representa mais do dobro. Grande parte dessas crianças, ao desembarcar, encontra-se desacompanhada, ou porque lhes morreram os pais na guerra, ou porque resolveram migrar sozinhas. O dado mais trágico refere-se aos 5.022 imigrantes mortos ou desaparecidos em meio às águas, um terço a mais do que no ano precedente. Com razão o Mediterrâneo ganhou o nome macabro de “cemitério de migrantes”.

Menores migrantes: saída e chegada
Resulta evidente, de ano para ano, o crescimento exponencial do fenômeno migratório. Igualmente evidente nesse movimento de massa é o aumento de mulheres, adolescentes e crianças. Os migrantes em geral, e os menores de idade em particular, como vimos acima, deixam sua terra natal devido aos conflitos armados e às condições infra-humanas em que vivem. Aventuram-se em busca de trabalho e melhores perspectivas de vida nos países da Europa. O mesmo fazem os latino-americanos e asiáticos que, apesar de muros e outras adversidades, rumam em direção aos Estados Unidos e à Europa.

Do ponto de vista dos países de origem, uma parte desses menores migra sem o consentimento da família. Muitas crianças provenientes da Eritreia, por exemplo, saem furtivamente, às escondidas, sem falar com os pais nem com os amigos. Sabem que se o fizerem, podem ser descobertos, perseguidos e presos. Fogem em geral para escapar ao serviço militar obrigatório e por tempo indeterminado. Somente depois de cruzar a fronteira é que se comunicam com a família, pedindo ajuda para continuar a viagem até a Líbia. Ali, em geral, serão aliciados pelos “traficantes de carne humana” (Scalabrini) e enviados em precárias embarcações para os portos da Itália.

Os migrantes menores e desacompanhados em sua maioria, porém, não possuem nem casa, nem família, nem qualquer referência. São órfãos da violência e da guerra, bem como da miséria e da fome. Para trás deixaram os pais mortos ou a família destruída. Trazem na memória um mundo de de cinzas, escombros e ruínas. Por motivos óbvios, tanto as crianças e adolescentes que fogem em busca de um futuro mais promissor quanto os que o fazem devido a fatores bélicos constituem o elo mais frágil de toda a corrente migratória. Por isso, não é exagero afirmar que eles são, ao mesmo tempo migrantes, refugiados e prófugos.

Do ponto de vista dos países de destino, tornam-se vulneráveis a toda espécie de exploração. Não poucos, meninos ou meninas, acabam sendo aliciados para a prostituição. Outros se veem obrigados a aceitar os serviços mais pesados, sujos, periogosos e mal remunerados. Isso sem falar do preconceito, da discriminação e da xenofobia, onde aparecem sempre como vítimas impotentes e incapazes de reação. Tanto a saída quanto a chegada quase sempre são marcadas pela indiferença, quando não pela agressividade pura e simples. Daí a necessidade de instituições de acolhida e proteção que os possam acompanhar e inseri-los na nova sociedade. “Em lugar de muros” – como tem repetido o Papa Francisco – “torna-se necessário construir pontes” que possam unir povos, culturas e valores distintos.

Emigrantes menores de idade: vulneráveis e sem voz
Emigrantes menores de idade: vulneráveis e sem voz. Este é justamente o título da mensagem anual do Papa para o Dia Mundial do Migrante e Refugiado de 2017, que foi celebrado no dia 15 de janeiro. Órfãos, solitários e perdidos em terra estranha – eis o cenário por onde circulam atualmente milhares e milhões de crianças, adolescentes e jovens. Abandonados, desamparados e à margem da sociedade e da vida. Privados de carinho e de uma verdadeira cidadania, seja na origem e no trânsito, como também na chegada.

Em razão de tais condições, diz textualmente a mensagem do Papa Francisco: “Por isso, desejo chamar a atenção sobre a realidade dos emigrantes menores de idade, especialmente os que estão sós, insistindo com todos para que tomem conta dos meninos, que se encontram desprotegidos por três motivos: porque são menores, estrangeiros e indefesos; por diversas razões, são forçados a viver longe de sua terra natal e separados do afeto de sua família”.

Além de denunciar as causas da expulsão e do tráfico dos menores, o texto do Santo Padre apela à solidariedade dos países que recebem esses “fugitivos”. Famílias, comunidades, Igrejas e nações devem olhar para os migrantes não como “problema” ou “ameaça”, mas como “oportunidade” de encontro e de intercâmbio. Se bem orientadas e protegidas, esses menores podem fazer a diferença no futuro de nossa sociedade ocidental. Constituem sangue novo em organismos que avançam rapidamente para a decrepitude; ou ar primaveril em ambientes onde predomina o outono ou o inverno. Acolhê-los, dar-lhes vez e voz, não é somente uma questão de caridade evangélica, digamos, mas também um enriquecimento para ambas as partes. Isso requer abertura para o diálogo, a empatia e a compreensão recíprocas.

Alfredo J. Gonçalves, cs, é missionário scalabriniano no Rio de Janeiro.

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