105º Dia Mundial do Migrante e Refugiado

Dia 29 de setembro comemoramos Dia Mundial do Migrante e Refugiado, decretado pela ONU.

Por Alfredo J. Gonçalves*

Como em um espelho, o 105º Dia Mundial do Migrante e Refugiado, celebrado em 29 de setembro, pode ser visto no pano de fundo dos debates da Assembleia Geral da ONU. Nesta última, tensões, diferenças e contradições transparecem nos discursos e na posição de cada chefe de Estado. Por uma parte, Donald Trump reforça e prega o nacionalismo populista da política adotada pelos Estados Unidos, com direito à guerra comercial no confronto com a China. O presidente do Brasil, Jair Messias Bolsonaro, o segue de perto, insistindo seja num isolacionismo agressivo seja no “fantasma do socialismo”, ambos ultrapassados. Por outro lado, o secretário geral das Nações Unidas, António Guterres, defendendo o multilateralismo, reafirma que “a diversidade é uma riqueza e não uma ameaça”.

papamoçambique2O Papa Francisco, por sua vez, em sua mensagem costumeira sobre a celebração relativa ao Dia Mundial do Migrante e Refugiado – intitulada “Não se trata apenas de migrantes” – chama a atenção para o contexto mais amplo em que ocorrem os deslocamentos humanos de massa. As palavras do pontífice deixam claro o fato de que as migrações não passam da ponta do iceberg de um cenário internacional que envolve a tudo e a todos, de maneira particular governos, nações e instituições da sociedade civil. Ao marcharem sobre adversidades e sem horizontes definidos, os migrantes e refugiados interpelam “A economia das desigualdades”, para usar a expressão cunhada no livro de Thomas Piketty, ou a “economia que exclui, descarta e mata”, no refrão profético do Santo Padre.

O certo é que o populismo nacionalista e exacerbado vem causando danos profundos, inclusive em países de longa tradição democrática. Tanto mais graves serão semelhantes danos no caso das democracias recentes e mal consolidadas. As piores consequências dessa nova onda de nacionalismo, entretanto, vivem-na na carne e na alma as populações em êxodo. Leis cada vez mais restritivas, fronteiras fechadas e militarizadas, deportação dos indocumentados, hostilidade e perseguição, racismo e agressões xenófobas, dificuldades crescentes na requisição de asilo, diminuição do orçamento para a acolhida, a assistência e a inclusão social – são algumas dessas consequências nefastas para quem sonha com um futuro menos perverso. Recusados pelos países de origem, os quais lhe negam uma cidadania justa e digna, os migrantes e refugiados acabam sofrendo o rechaço nos países de possível destino. Permanecerem à deriva, às vezes literalmente, na esperança de encontrar um novo solo pátrio.

O apelo da mensagem pontifícia procura encontrar respostas e soluções para essa enorme multidão de “apátridas”. Alerta em especial para a necessidade de rever o conceito de caridade, não como a noção distorcida da esmola, que aprofunda o abismo entre ricos e pobres, mas como solidariedade efetiva e eficaz, a qual comporta pessoas, instituições e países. Trata-se de fazer com que o progresso tecnológico e o crescimento econômico conduzam a um desenvolvimento integral da pessoa toda e de todas as pessoas, como já lembrava a cara encíclica Populorum Progressio, publicada pelo Papa Paulo VI em 1967. Está em jogo o direito de ir e vir e este corresponde ao direito de permanecer com dignidade e proteção no próprio país.

Além disso, de uma perspectiva evangélica e solidária, a mensagem do Santo Padre nos convida a colocar os últimos em primeiro lugar. Da mesma forma que na prática de Jesus, trazer para o centro os pobres e excluídos, pequenos e indefesos, doentes e marginalizados. Por duas razões! Primeiro, porque representam o critério da salvação: “cada vez que fizeste isto a um destes pequeninos, foi a mim que o fizeste”, ou ainda “era migrante e me acolheste” – como se lê no capítulo 25 do Evangelho de Mateus. Depois, porque constituem os profetas e protagonistas do futuro e da construção de “nossa casa comum”. Nas regiões de origem denunciam condições precárias de trabalho e vida. Nos lugares de destino, apontam para a necessidade de novas relações humanas, sejam estas de ordem nacional, regional ou internacional.

*Alfredo J. Gonçalves, cs – Lisboa, Portugal, 25 de setembro de 2019.

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