95 anos de Dom Paulo Evaristo Arns

Quem teve a graça de acompanhar de perto o pastoreio de Dom Paulo na arquidiocese de São Paulo sabe que seu projeto para a cidade foi norteado pelo Vaticano II.

Por Arlindo Pereira Dias*

Estamos todos muito felizes em celebrar com júbilo, neste 14 de setembro, os 95 anos de vida de Dom Paulo Evaristo Arns, nosso amigo e cardeal arcebispo emérito de São Paulo. Quem teve a graça de acompanhar de perto o pastoreio de Dom Paulo na arquidiocese de São Paulo sabe que seu projeto pastoral para a cidade foi norteado pelos princípios do Concílio Vaticano II: “As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos os que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo. Não se encontra nada verdadeiramente humano que não lhes ressoe no coração... (GS 1)”. Esta foi a trajetória percorrida por ele e seus bispos auxiliares: diálogo com o mundo e ecumenismo, a centralidade dos pobres na missão e na vida de Jesus e da Igreja e a construção de uma Igreja Povo de Deus a caminho do reino definitivo.

A bendita e bem vivida longevidade de Dom Paulo, além de ser um grande presente para todos nós, é uma recordação permanente de valores inegociáveis a serem cultivados por cristãos e cristãs que se atrevam a ser chamados seguidores de Jesus: nosso caminho, nossa verdade e nossa vida. O testemunho de Dom Paulo continua a gritar, com a mesma força e clareza que ecoou nas periferias de São Paulo, do Brasil e do mundo: de esperança em esperança! O tempero da esperança será sempre a busca da verdade, da justiça social e da garantia dos direitos, a saber, misericórdia para com os todos os que se encontram à margem da vida e da esperança. Em momentos de crise como a que atravessamos no Brasil, valem sempre os princípios que aprendemos de Dom Paulo, através de seu coração de pastor e sua sabedoria de discípulo fiel de Jesus Cristo. Me atrevo a mencionar alguns desses princípios que continuam marcando a trajetória de muitos que, como eu, tiveram o privilégio de conviver com Dom Paulo:

dompauloevaristo1. Quantas vezes ele foi visto durante o regime militar, sem as “autorizações oficiais”, ir ao encontro das pessoas nas prisões e calabouços onde eram submetidas a sessões de torturas. A não violência ativa tão apreciada por Mahatma Gandhi sempre norteou as suas ações contra toda forma de arbítrio. Dom Paulo nos ensina a expressar com firmeza e clareza as próprias convicções, trazendo à tona as forças de vida e de morte contidas nos processos da história, sem compactuar jamais com qualquer forma de violência e intolerância. O diálogo é sempre o caminho da esperança!

2. A centralidade dos pobres na vida social e da Igreja. Dom Paulo sempre nos convidou a observamos atentamente os gestos de Jesus no Evangelho, e a perceber que Ele sempre trazia para o centro das atenções a criança, o doente, o cego, o leproso, a mulher vítima da violência do homem etc. O pastoreio de Dom Paulo nos remetia às periferias, às situações de morte e injustiça que tanto ofendem a Deus e à dignidade humana. Portanto, nenhuma pessoa de bom senso pode ser favorável à perda de direitos conquistados a custa de muito suor e anos de luta dos trabalhadores: salários dignos, horas de trabalho que permitam aos trabalhadores e trabalhadoras desfrutar do convívio com suas famílias, direito ao estudo universitário para os jovens pobres das periferias, aposentadoria digna em uma idade razoável que permita aos aposentados desfrutar de alguns anos de ócio e tantos outros direitos que parecem estar em risco neste momento no Brasil. A recuperação dos recursos desviados dos cofres públicos por parcela de nossos políticos, traria já um montante razoável de recursos para resolver boa parte da crise pela qual atravessamos. Sem esperança para os pobres, não haverá esperança para ninguém!

3. Nos momentos em que o povo era impedido de expressar de forma pacífica o seu descontentamento em relação à arbitrariedade e à falta de direitos, a catedral da Sé escancarava suas portas para acolher os cidadãos e cidadãs que gritavam por um Brasil democrático e justo. Diante dos desmandos dos que tomavam o poder, Dom Paulo deixava soar forte e claro o seu compromisso com a verdade e a justiça. E soube articular as pessoas de boa vontade para superar aquele momento e propor caminhos de esperança para a maioria do povo brasileiro e não apenas para uma classe privilegiada comprometida com os próprios interesses e com a agenda do capital internacional. O momento nacional põe a nu a hipocrisia e o discurso dúbio de significativa parte dos políticos brasileiros. A arte da retórica para favorecer interesses pessoais e partidários usa e abusa de argumentos que não se sustentam frente a cidadãos dotados de senso do dever e de capacidade de discernimento. Nada melhor do que um dia após o outro para nos mostrar de forma límpida e cristalina a linha divisória entre os poucos que verdadeiramente se elegeram para representar os interesses do povo, especialmente dos mais frágeis, e aqueles que fazem do mandato um lugar de dilapidação do patrimônio publico em função dos interesses próprios ou corporativos. E tantas vezes usando o Santo nome de Deus em vão.

4. O ritmo das assembleias e encontros da arquidiocese foi sempre de diálogo e escuta, consulta e construção coletiva de respostas pastorais à realidade urbana. O fio condutor era sempre o Evangelho. Um olho na realidade e outro na Palavra de Deus, deixando-se iluminar por ela. O exemplo de Dom Paulo nos convida a escutar sempre o povo, especialmente os que pagam o preço de decisões arbitrárias. Em momentos de crise e incertezas como este por que passa o Brasil, o melhor caminho é permitir que a população se pronuncie sobre a sua situação e o seu futuro. Por mais que os representantes do povo se considerem seu porta-voz, nunca terão a mesma autoridade de quem se expressa através do voto. Essa escuta é sempre o melhor caminho para apaziguar e trazer serenidade em relação ao futuro. A escuta atenta e o diálogo fraterno abrem caminhos de esperança!

5. Dom Paulo conhecia bem a importância dos meios de comunicação para o anúncio do Evangelho, mas preferiu perder o direito de concessão da Rádio 9 de Julho do que abdicar da verdade. Usou sempre os meios de comunicação para a promoção da verdade e da paz trazendo do modo mais imparcial possível o parecer de todos, de modo especial aqueles que mais sofrem as consequências de desmandos e das crises. Num mundo da comunicação formado por meias verdades e interesses escondidos, os mais pobres devem ser os primeiros a serem informados da totalidade dos fatos e ouvidos nos efeitos que ela traz para eles, suas famílias e suas comunidades. Somente uma comunicação baseada na verdade e na ética pode gerar confiança e sentimentos de esperança.

Parabéns, querido Dom Paulo! Como vê, sua presença entre nós continua nos inspirando e fazendo crescer o mutirão que poderá transformar esta falta de luz no fim do túnel em um clarão de democracia e garantia dos direitos dos mais pobres. Permita-nos fazer dos gritos que ecoam pelo Brasil afora o seu grito: continuaremos caminhando de esperança em esperança! Daqui de Roma me atrevo a enviar um abraço franciscano do também querido Papa Francisco!

*Arlindo Pereira Dias é membro do Conselho Geral - Missionários do Verbo Divino - Roma, Itália.

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