Nei Alberto Pies *
"A vida é uma eterna utopia de tentarmos ser bem mais do que simplesmente existir". (Canuto Diógenes)
É contagiante colher e sentir a energia que inspira a vida de nossa gente brasileira. Vivemos um momento histórico em que a realidade se sobrepõe às nossas filosofias, intencionalidades ou utopias. Das ruelas, dos becos e das esquinas das cidades de nosso país, dos nossos rincões, emana uma energia capaz de gerar novos desdobramentos que orientam a política de nosso país. Basta ir ao encontro de nossa gente para perceber uma revolução silenciosa de atitudes e consciências, impregnadas de um desejo cada vez maior de que todos sejam tratados como gente. Porém, esta cidadania hoje corre riscos.
Ainda são muito insuficientes as oportunidades de vida, de trabalho, de educação, cultura e de lazer que foram conquistas do povo brasileiro. O nosso povo ainda sofre demais com as carências de vida e de oportunidades. No entanto, vive concretamente a melhoria de suas condições de comer, vestir-se, estudar, trabalhar e morar melhor. E, a partir destas condições, projeta um futuro melhor e sonha com muito mais oportunidades.
Por muito tempo, utopia era profecia, promessa, discurso de mudança para a vida das pessoas. Ninguém sabia como engajar as mentes e os corações para a construção de um novo tempo de mudanças. Deste modo, a utopia era operada na dimensão política, politizando-a. As utopias estavam presas a um discurso político-ideológico e esperava-se que este discurso fosse capaz de impulsionar, por si só, grandes mudanças. Não só as grandes mudanças não aconteceram como o próprio discurso utópico perdeu seu sentido e valor para os nossos tempos. Mas pequenas - significativas mudanças - deram ao povo brasileiro o impulso que ele precisava para, por sua conta, construir um silencioso e importante processo de transformação de sua apatia em cidadania.
O povo segura, hoje, silenciosamente, muitas conquistas como uma casa, faculdade dos filhos, o emprego, comida de mais qualidade, a poupança, o carro, um trator, uma máquina. Mas não faz festa porque vivemos num tempo em que as conquistas correm sérios riscos. O alerta já está dado e vivemos com medo de um sinal vermelho! Ao invés de ampliar e consolidar conquistas sociais, este é um momento em que precisamos lutar para que o Brasil não retroceda. Este é que deveria ser o autêntico sentimento de quem vai às ruas para protestar!
A maioria absoluta dos brasileiros e brasileiras nunca se dispôs a fazer uma revolução política e cultural, mas reconhece os investimentos e iniciativas que lhes deram melhores condições de vida e de cidadania. O desafio dos sindicatos, das cooperativas de produção e de crédito, das associações do comércio e indústria, de todas as organizações dos trabalhadores é lutar para que os rumos da economia sejam sem a perda de direitos e conquistas de cidadania. Experimentamos, nos últimos anos, uma cidadania ativa e não podemos descuidar para que fique em nossa lembrança como "cidadania de ocasião".
O Brasil fez a revolução da cidadania pelo viés do consumo. Agora, precisa emancipar a cidadania pelo viés da consciência e pela garantia dos direitos fundamentais, que somente serão efetivados pela luta e organização e com a união de todos os que acreditam que o desenvolvimento de uma nação se mede pela qualidade de vida social de sua população.
Sou um otimista do Brasil por conta de seu povo, mas temo que interesses difusos e interesseiros de alguns coloquem em risco as conquistas da maioria. Luto e insisto, teimosamente, que a cidadania seja vencedora.
* Nei Alberto Pies, professor e ativista em direitos humanos.