Encíclica ecológica: superar mito do progresso material e focar na dignidade humana

Por Marcela Belchior

As sociedades atuais já contam com base tecnológica e econômica suficiente. O movimento, agora, deve girar em torno da dignidade humana, erradicação da pobreza e do equilíbrio ambiental. A análise é do cardeal e secretário de Estado do Vaticano Pietro Parolin, recentemente, durante a palestra "As pessoas e o planeta em primeiro lugar: o imperativo de mudar de rumo", em Roma, capital da Itália, organizada pelo Pontifício Conselho Justiça e Paz e CIDSE, rede internacional de organizações não governamentais católicas para o desenvolvimento.

O tema de sua fala foi "A importância da encíclica Louvado Seja [Laudato si'] para a Igreja e o mundo à luz dos grandes eventos políticos em 2015 e depois". Em sua defesa de uma mudança em esfera planetária, o secretário de Estado foca sua argumentação em três setores que, para ele, ajudam a compreender a encíclica "Louvado seja", divulgada pelo Vaticano no último dia 18 de junho: os âmbitos internacional, nacional e local, além da própria Igreja Católica. Parolin afirma que todas essas instâncias contribuem para reorientar nossas intervenções no meio ambiente e para estimular o cuidado com a chamada "Casa Comum".

"No âmbito internacional, é necessário sermos cada vez mais conscientes de que tudo está intimamente relacionado e que o meio ambiente, a terra e o clima são uma herança comum, cujos frutos devem beneficiar todos. São um bem comum e coletivo, de todos e para todos, o patrimônio de toda a humanidade e responsabilidade de todos", afirma o cardeal.

"Mas reconhecer estas verdades não conduz, no entanto, a uma conclusão inevitável. Carece de um firme compromisso para desenvolver uma verdadeira ética das relações internacionais realmente capaz de fazer frente a uma variedade de temas, como os desequilíbrios comerciais e a dívida externa e ecológica, denunciados na encíclica", complementa Parolin.

Segundo ele, o que impede que a comunidade internacional assuma essa perspectiva pode ser resumido nas seguintes observações do Papa: a "falta de honestidade e responsabilidade" e a conseguinte "escassa consciência de seus próprios limites". Para o cardeal, vivemos em um contexto em que é possível deixar para trás o mito moderno do progresso material sem limites e pensar em maneiras inteligentes de orientar, cultivar e militar o poder do ser humano.

Para o secretário de Estado da Santa Sé, já temos disponível uma base tecnológica e operacional para a promoção de progressos e o momento, agora, é de aproveitar a oportunidade para cultivar três objetivos inter-relacionados: contribuir para o florescimento da dignidade humana, ajudar a erradicar a pobreza e fazer frente à degradação ambiental.

"No entanto, as forças que atuam no âmbito internacional não são suficientes por si mesmas; necessitam de um claro enfoque nacional, de acordo com o princípio de subsidiariedade. E aqui entramos no segundo âmbito de nossa reflexão, o da ação nacional e local", explica. Parolin destaca que o documento pontifício mostra que podemos efetivar essa orientação por meio da transformação de modos de consumo, desenvolvimento de economia de resíduos e reciclagem, incentivo à estrutura agrícola das regiões mais pobres, organização dos mercados nacionais e locais, desenvolvimento de técnicas agrícolas sustentáveis e promoção de modo circular de produção.

"É uma clara resposta ao desperdício de alimentos e à aceleração de uma transição energética. Por desgraça, há muitos interesses particulares e, muito facilmente, o interesse econômico chega a prevalecer sobre o bem comum e a manipular a informação para não ver afetados seus projetos", observou o Cardeal.

Para apontar a participação da Igreja Católica nessa mudança global, Pietro Parolin destaca os ensinamentos de São Francisco, citado na encíclica. "Ele vivia com simplicidade e em uma maravilhosa harmonia com Deus, com os outros, com a natureza e consigo mesmo. Nele se adverte até que ponto são inseparáveis a preocupação pela natureza, a justiça com os pobres, o compromisso com a sociedade e a paz interior", afirma.

"O Papa Francisco afirma mais uma vez que a Igreja não pretende definir as questões científicas ou substituir a política, mas parece ser portadora da necessidade de questionar o significado e o propósito de toda atividade humana", enfatizou o Cardeal. "Quando nos interrogamos sobre qual mundo queremos deixar, entendemos, sobretudo, sua orientação geral, seu sentido e seus valores. Por isso, não basta dizer que devemos nos preocupar pelas futuras gerações. Se requer advertir que o que está em jogo é nossa própria dignidade", conclui Parolin.

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