Mário de Carli
Realizou-se no sábado, dia 21 de fevereiro, no Centro Social Marista, na diocese de São Miguel Paulista, São Paulo, um painel de debates sobre a CF 2015 que tem como tema: "Igreja e Sociedade" e lema: "Eu vim para servir" (Mc 10, 45). O encontro foi promovido pela Igreja - Povo de Deus - em Movimento, com a participação e apoio de várias entidades, entre elas a Pastoral da Juventude da Paróquia Nossa Senhora do Carmo, Setor Itaquera, a Rádio 9 de Julho, a Rede Ecumênica da Juventude, a Rede Marista de Solidariedade.
Estiveram presentes as Igrejas Anglicana, Presbiteriana, Luterana, das religiões afro, o Candomblé e um representante do poder público na área de educação. Cerca de 290 pessoas se fizeram presentes vindas das dioceses de Belém e de São Miguel Paulista - São Paulo. Este encontro se propôs a refletir e apontar caminhos para uma Igreja que é chamada a converter-se e se dirigir à sociedade e a todos os cidadãos para dialogar e servir. O encontro ficou sob a responsabilidade do Padre Paulo Bezerra que é coordenador das Pastorais Sociais da diocese de São Miguel Paulista. "Sair daqui para servir e servir bem melhor por uma profecia de serviço e justiça em nossas igrejas, para ser sal, luz e fermento no mundo" - acentuou Padre Paulo.
Logo à chegada, houve uma alegre acolhida e um excelente café da manhã. A seguir, a mística apresentada pelos jovens da PJ, com o mantra "Tudo o que move é sagrado, que remove as montanhas com todo o cuidado no amor", entraram cantando, dançando, trazendo cartazes como os da LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Travestis) e uma jovem com a frase: "meu ventre, meus direitos", anunciando suas novas interpelações à Igreja como juventude.
À mesa de debates estiveram Daniel Souza, Romi Bencki e Dom Angélico Sândalo Bernardino.
Daniel Souza
O primeiro a tomar a palavra foi Daniel Souza. Ele nasceu em Vitória da Conquista, Bahia. É vice-presidente do Conselho Nacional de Juventude (Conju) e atualmente é professor da Unesp. Daniel refletiu sobre a análise da conjuntura nacional brasileira. Falou de uma "Encruzilhada Ecumênica" pela presença de muitas Igrejas. É a realidade que temos que ver, por onde andamos. A realidade é olhar para o estômago das pessoas que aparecem nas desigualdades sociais. A desigualdade social da vida das pessoas é estruturada pelo atual sistema econômico e seu modo de atuação própria. Ela projeta as pessoas para um mundo individual, envolve a vida real das pessoas. Com isto temos racismo, desigualdades nos salários e atendimentos na saúde, violência diversificada... Houve avanços nestes últimos 12 anos, mas não redução das desigualdades sociais. A vida política nacional que tem se preocupado no combate à pobreza e à miséria, é ainda programa de campanhas políticas que não levam em consideração a necessidade de combater as desigualdades sociais e as injustiças. Os bancos e os ricos continuam se enriquecendo.
Recentemente, presenciamos a recessão, o arrocho salarial, corte total, cortes nos direitos das pessoas. Para combater essas desigualdades sociais, temos um Estado fraco e frágil diante do mercado. Assim, como combater as marcas do mercado? Qual é o papel da Igreja diante do mercado? Como Igreja temos a figura do jesuíta Jon Sobrino que coloca os cristãos em profunda compaixão. É o sofrimento do outro que mexe com as próprias entranhas, as feridas do progresso e a vida real que o cristão vê diante do mundo dos pobres.
Daniel acentuou ainda a necessidade de termos algumas propostas de reformas. Tão abalada pela falta de credibilidade, a primeira delas é a Reforma Política, sem o financiamento privado das campanhas; a Reforma Agrária muito longe do Senado (com as bancadas do agronegócio e das grandes obras e projetos), distante dos Pequenos Agricultores e da cidade de São Paulo. Daniel ainda falou da Reforma da Segurança Pública para rever os acentos e autos de resistências onde não aparece investigação nenhuma; os direitos civis das mulheres e das minorias étnicas; a Reforma da comunicação e da mídia; a corrupção e suas corporações não investigadas, tendenciosas ou mal investigadas; Reforma da cidade, a Laicidade do Estado para ter a mesma "medida e posição" diante das religiões. Isso tudo tem a ver com a CF de 2015 para sermos uma Igreja e cristãos colaboradores e protagonistas de uma sociedade mais humana, justa e democrática - concluiu Daniel Souza.
Dom Angélico
Dom Angélico Sândalo Bernardino nasceu em Saltinho - São Paulo. Foi bispo auxiliar na Arquidiocese de São Paulo, trabalhou nas dioceses de Belém e Brasilândia e, Blumenau em Santa Catarina. É conhecido por ser o bispo que esteve sempre ao lado do povo sofredor, e reverenciado com muito carinho como "bispo profeta dos pobres, da justiça e da alegria". Suas palavras tão antigas tão novas - "a cabeça pensa por onde os pés andam" e "povo unido jamais será vencido" - continuam contagiando o povo de Deus que vê a sintonia de um Evangelho da Alegria vivido e testemunhado na esperança de dias melhores.
Dom Angélico traçou em breves linhas a caminhada da Igreja da América Latina com o Concílio Ecumênico Vaticano II, Medellín, Puebla e mais recentemente Aparecida com o Papa Francisco, "o iluminado". Mostrou os avanços e os empecilhos dessa Igreja chamada a estar constantemente a serviço, diálogo e colaboração com a sociedade. Se o Concílio Vaticano II é uma bússola para os cristãos, convidou a todos a ter sempre em mãos a Bíblia: história do amor de Deus que vem ao encontro do seu povo para libertá-lo. Jesus, disse o bispo Angélico, é a palavra de Deus encarnada e foi ao encontro das pessoas. Pregou o Reino de Deus. Soube dialogar e inserir-se na vida do povo. A CF terá seu valor se lutarmos pela justiça, pela paz e amor. Para mantermos o sabor do sal, a força da luz e do fermento do Reino de Deus, necessário se faz de muita conversão. É fácil, disse o bispo, levar uma cruz no peito, louvarmos e alegrarmo-nos com Jesus e tê-lo como Aquele que cura. Somos chamados a ser fermento, sinal do amor e do afeto, de sermos testemunhas do amor de Deus numa sociedade fria e indiferente às hóstias vivas espalhadas pelas calçadas de nossas cidades.
Todos somos irmãos e temos a Deus por Pai e por Mãe. Invocamos o Pai nosso "que não é meu, nem seu, é nosso. As ações boas dessa Quaresma e da CF devem se transformar em partilha e vida plena de alegria e de esperança, disse Angélico. Se eu tenho uma casa e vivo bem, não posso ficar parado. Devo lutar contra a globalização da indiferença. Só assim posso dizer você é meu irmão".
Dom Angélico fez notar alguns pontos que a CF sugere como missão a todos os cristãos no diálogo e serviço em nossa sociedade: agarrar bem a CF para sermos luz, sal e fermento em todos os lugares onde formos; perseverar nas Pastorais Sociais; por onde a cabeça pensa os pés andam; conscientizar o povo, pois a alienação é prejuízo para o Reino de Deus; a Reforma Política é uma bandeira para dizer que "o povo unido, jamais será vencido". É preciso sacudir a poeira da acomodação, pois a mudança de vida pode começar a partir dos Conselhos de Bairro. E terminou recitando o Sl 125 na qual o Senhor nos encheu de alegria e nossos lábios de canções de alegria. Concluiu dizendo que as igrejas devem abrir os olhos se converter, porque tudo isso faz parte da autêntica evangelização por um Brasil e por um mundo melhor.
Pastora Romi
A terceira intervenção foi da Pastora da Confissão Luterana do Brasil, Romi Bencke. Ela nasceu em Horizontina, RS. É Secretária-geral do CONIC (Conselho Nacional das Igrejas Cristãs). Recebeu um prêmio pela sua dedicação aos direitos humanos. Formada em Teologia, trabalha questões ecumênicas e do diálogo inter-religioso.
Ao tomar a palavra, falou do CONIC, sua história, composição, quais Igrejas pertencem e a missão que esta entidade desempenha trabalhando em rede com várias organizações e grupos ecumênicos atuantes no Brasil.
Falou da Semana de Oração pela Unidade Cristã que terá por tema: Dá-me um pouco de tua água (Jo 4). E terá por objetivo celebrar a pluralidade cultural e religiosa e fortalecer o respeito entre as diferentes tradições religiosas. Também falou das Campanhas da Fraternidade Ecumênicas. No ano de 2016, acontecerá nova Campanha da Fraternidade Ecumênica, o tema será: "Casa comum, nossa responsabilidade", o lema bíblico e o texto de Amós 5, 24: "quero ver o direito brotar como fonte e correr a justiça qual riacho que não seca." O tema concreto a ser trabalhado será saneamento básico.
Ao se referir ao tema da CF 2015 primeiramente, Romi chamou a atenção para as ambiguidades presentes nas Igrejas e religiões de maneira geral. Perguntou: Qual é a missão específica das Igrejas? É a de manter viva a mensagem do Evangelho. No entanto, como seres humanos e na nossa condição de sermos justos e pecadores, nem sempre conseguimos ser fiéis à mensagem do Evangelho. Se o fizermos é pela força da graça de Deus. A Igreja está a serviço do Evangelho para construir um diálogo sereno, numa cooperação para o bem comum. Assim, é importante que nos perguntemos qual é a relação Igreja e Sociedade na participação dos processos de reconstrução social onde aparece a diversidade religiosa, cultural, política, a luta pelas terras indígenas, mulheres em marcha, entre outras diferenças, riquezas e problemáticas de nossa sociedade.
Ao olharmos para o papel do cristianismo na sociedade ocidental, podemos perceber que ele teve um papel ativo nos processos de reconstrução da realidade sociocultural. Ou então, em outras palavras, há uma Igreja que sempre participa de todos os processos de mudanças dentro da sociedade. Nestes processos há disputas por valores e disputas por poder.
Religião tem a ver com Tradição. As pessoas dizem: "eu sou de tradição católica", "eu de tradição anglicana". Assim, as Igrejas mantêm as tradições que podem contribuir para avanços e também para recuos. As tradições podem amadurecer ou desaparecer com o tempo. Neste sentido, é importante manter sempre um canal de diálogo com a sociedade. A tradição que dialoga, se renova. Aquela que não dialoga e se enraíza em si mesma, tende a se esgotar. Quando estabelecemos o diálogo com a sociedade e os processos históricos, ajudamos e contribuímos positivamente para a construção de uma sociedade mais justa. O debate atual na sociedade brasileira é muito mais religioso do que no passado. Ele é um debate político-religioso. Basta vermos a nova configuração no Senado em Brasília.
Nossa referência para este diálogo é o próprio Jesus que se colocou dentro da sociedade do seu tempo. Soube apresentar o Reino de Deus como "sinais dos tempos" reinterpretando a vida a ser vivida no serviço, no diálogo e na colaboração. Soube dar respostas aos seus problemas e vivificar a fé das pessoas. Soube atualizar a tradição religiosa dando vida e alimentando dias melhores. Cabe a nós hoje re-interpretar a mensagem da Boa Nova dentro da modernidade e fazer a releitura dos "sinais dos tempos" para termos uma presença significativa e não perdermos o foco da missão dos cristãos e das Igrejas. Quem mede a autenticidade da tradição? É quando ela se torna relevante e importante para as pessoas. É o abrir das janelas proposto pelo Vaticano II e por Francisco que prefere uma Igreja enlameada a uma Igreja muito limpinha e bonitinha, mas distante dos dilemas da sociedade e do mundo dos pobres.
Caso contrário, poderemos perder novamente em alguns momentos, como no passado, o "bonde" da história. Para isso, é necessário traduzir e anunciar a Boa Nova trazendo-a para a nossa realidade sociocultural do momento. Neste caso, infelizmente nem todos os cristãos o sabem fazer e interpretar. Em 1500 era uma realidade, hoje é outra. Nos anos 1960 e 1970 era um cenário de Igreja. Hoje temos muitos cenários de Igreja. Não é fácil lidar com isso, mas não impossível de manter atualizado o anúncio do Evangelho. Por isso, há avanços para manter atualizada essa tradição e recuos que impedem de ser fermento, luz e sal da terra. Isto é saber Re-interpretar os fundamentos católicos e reconstruir a tradição conectada com os desafios da sociedade atual para não aclamar que tudo está mal e perdido.
Em terceiro lugar, vale acentuar que a religião age também politicamente: legitima o ‘status quo', ou assume o papel contestador ou reivindicativo. Diante da modernidade a Igreja reinterpreta o seu agir, faz a releitura dos sinais dos tempos para agir melhor. Ou deixamos como está para não nos incomodarmos ou então, lutamos por melhorias e justiça. Ou então fazemos a atualização dos valores religiosos das demais religiões com um agir significativo. Se assumirmos um papel transformador no campo das religiões, devemos superar as intolerâncias, a competitividade dentro de nossas Igrejas e religiões. Ser uma Igreja criativa e falar sobre nossas ambiguidades internas. Não fugir da autocrítica e da auto-revisão. Sempre o Evangelho vai ser fermento de contestação, provocação e libertação. Existe também uma linha de continuidade na modernidade, existe abertura ou fechamento das Igrejas e das religiões diante da Modernidade. Ser agentes de transformação e não de legitimidade do status quo é próprio dos cristãos abertos à modernidade e à sociedade. Nada têm a perder.
Ao concluir, Romi partilhou uma breve citação de Thomas Mann - Fausto, que acredita provocar nossa reflexão sobre nos mantermos vivos e atuais enquanto Igreja: "Conseguiremos ser jovens no sentido de sermos originais, no sentido de nos conservarmos proÃŒÂximos das fontes da vida, no sentido de erguer-se e sacudir as amarras de uma civilização obsoleta, de ousar o que outros não teÌ‚m coragem de arriscar, e saber emergir no elementar?
A cabeça pensa por onde os pés andam.
Linhas de ação a partir da CF 2015
Segundo padre Paulo Bezerra, as palavras mais citadas foram: conscientização, pés no chão da história, esperança, agir pelas Reformas sociais e políticas, mobilização, conhecer, participar, retomar as pastorais sociais com os movimentos sociais, agir com os conselhos dos bairros, propostas concretas como um real para os moradores de rua (MTST), visitar os moradores usuários de drogas na Cracolândia, Igreja presente e profética, ser sal, luz e fermento na sociedade.
Fonte: Revista Missões