Alfredo J. Gonçalves *
20 de novembro, data para lembrar a morte de Zumbi dos Palmares, herói da resistência negra.
Na história do Brasil, mais silenciada do que proclamada, Zumbi se destaca como uma figura de inegável importância. De acordo com as informações mais confiáveis, nasceu livre, em Palmares, Alagoas, no ano de 1655. Porém, foi capturado e entregue a um missionário português com a idade de aproximadamente 6 anos. Foram frustradas as tentativas de "cristianizá-lo e civilizá-lo". Aos 15 anos, em 1670, Zumbi escapou e retornou ao seu local de origem. Tornou-se conhecido pela sua destreza e astúcia na luta. Quando alcançou os 20 anos, era um estrategista militar respeitável.
Símbolo da resistência negra no reduto do Quilombo dos Palmares, atual estado de Alagoas, desafiou a liderança de Ganga Zumba, quando este último se rendeu a uma proposta de paz da Capitania de Pernambuco. Tornou-se então o líder frente à perseguição que se mantinha contra a emancipação dos escravos negros vindos da África.
Após 15 anos de liderança de Zumbi, em 6 de fevereiro de 1694, o bandeirante paulista Domingos Jorge Velho, a serviço das forças repressivas, destruiu a capital do Quilombo dos Palmares. Mesmo ferido, o líder sobreviveu, mas, traído por Antônio Soares, foi surpreendido, capturado e morto pelo capitão Furtado de Mendonça, em 20 de novembro de 1695.
Desde então, passa a ser uma referência não somente para a liberdade dos negros e para a abolição da escravatura, mas para a organização dos trabalhadores ao longo dos séculos. Juntamente com outros protagonistas dos movimentos de libertação, representa um baluarte da luta indígena, negra e popular desde a Colônia, passando pelo Império, até a República e os dias atuais.
Miscigenação: fatos e mitos
Um rápido olhar sobre a paisagem socioeconômica e político-cultural brasileira, por mais superficial que seja, bastará para desmentir o conceito de miscigenação brasileira. Esta aparece muitas vezes como um ideal de harmonia e convivência entre as diferentes etnias que habitam o território nacional. Daí a ideia de "povo cordial", aparentemente avesso a conflitos de ordem racial ou religiosa.
Porém, quando se passa da fotografia a uma radiografia mais criteriosa, não será difícil dar-se conta das injustiças e desigualdades sociais provocadas, entre outros fatores, por motivações étnicas. Tais entraves, embora encobertos, aparecem nas pesquisas sobre os salários inferiores que recebe a população negra por serviços iguais aos brancos. Vale o mesmo para o acesso e a frequência às aulas. Ao lado das diferenças salariais e de escolaridade, persiste a dificuldade de chegar a determinados postos de liderança.
Embora não se possa negar o potencial de convivência pacífica e alegre da população brasileira, no cotidiano deparamos com a discriminação e o preconceito para com a parcela negra e parda da mesma, a qual, diga-se de passagem, representa hoje ao redor da metade dos quase 120 milhões de habitantes. Semelhante postura de xenofobia é também acentuada quando entram em jogo as expressões culturais e religiosas, vindas da África e mantidas com enormes esforços de resistência.
Mas o peso maior da discriminação racial se dá em dupla perspectiva: de um lado, nos andares inferiores do dia a dia, o tratamento que a polícia dispensa aos negros carrega a marca de um estigma que não morreu com a abolição da escravatura. Isto para não falar da tortura e massacre de tantos jovens, majoritariamente negros. De outro lado, num andar superior, a população negra raramente aparece nos salões de beleza, nos eventos fashion ou na publicidade em geral, como se estivesse fora dos padrões de beleza da sociedade brasileira, ou só fosse aceitável como figura decorativa.
Herança e desafios
Não obstante os entraves do item anterior, a negritude é hoje um ingrediente de suma importância na composição deste "povo novo" que é a população brasileira, para usar os termos de Darcy Ribeiro, em sua obra "As Américas e a Civilização". Dela nos vem não apenas o entusiasmo contagiante, marca registrada do cidadão brasileiro, mas também o otimismo e a resistência de um povo que não se deixa abater. Se é verdade que a alegria e a festa encontram-se no DNA de nossa gente, isso se deve, em grande parte, à herança dos povos africanos e afrodescendentes.
Entretanto, se o Brasil se apresenta como um país acolhedor, aberto a todas as etnias, raças, povos e culturas, também é certo que segue sendo um "país de contrastes", na expressão de Roger Bastide. Disso resultam alguns desafios para o Dia da Consciência Negra, celebrado a 20 de novembro, aniversário de morte de Zumbi.
Primeiramente, não podemos esquecer as comunidades quilombolas há séculos ou décadas em suas terras, mas numa situação sempre instável e precária e em condições de vida abaixo de qualquer padrão aceitável. Como pressionar por uma política pública especificamente direcionada a essas populações?
Depois, é preciso dar um basta ao extermínio indiscriminado de jovens e adolescentes, particularmente negros, no enfrentamento com a repressão policial. Tanto nas grandes metrópoles como pelo interior, tal matança já assumiu os contornos incontroláveis de uma guerra civil. Na raiz dessa prática, esconde-se uma discriminação generalizada da população que muitas vezes bate palmas para os "esquadrões da morte".
Enfim, como nos mostra o Documento de Aparecida, não basta a tolerância diante dos imigrantes, dos indígenas e especialmente da população negra. Não basta uma coexistência pacífica. Como avançar de uma justaposição de pessoas e culturas para um diálogo franco e aberto, onde todos possam sair reciprocamente enriquecidos?
* Alfredo J. Gonçalves, CS, é Conselheiro e Vigário Geral dos missionários carlistas.
Publicado na edição Nº09 - Novembro 2012 - Revista Missões.
Fonte: Revista Missões