Time is money versus tempo gratuito

Alfredo J. Gonçalves *

"Tempo é dinheiro", célebre slogan do jornalista, ator e abolicionista norte-americano Benjamin Franklin (1706 - 1790). Se a frase tinha algum sentido no século XVIII, que dizer dos dias de hoje em que o ritmo das inovações tecnológicas se acelerou de forma espantosa após a Revolução Industrial! Para ficar apenas em alguns exemplos, basta pensar nas grandes transformações ocorridas no campo dos transportes, das comunicações e da informática. Cresce a uma velocidade sem precedentes a "sede de novidades" e a "agitação febril", de que nos fala o primeiro parágrafo da Carta Encíclica Rerum Novarum, do Papa Leaõ XIII, justamente no final do século XIX (1891). A inovação ganha ascendência sempre maior sobre a experiência e a tradição.

Ao lado dessas "mudanças rápidas e profundas" (Gaudium et Spes, nº 4), muda também a concepção do tempo. Segundos, minutos, horas e dias como que se transfiguram em unidades de valor monetário, contábil: centavos, dólares, milhares, milhões... E assim por diante. Dessa forma, pouco a pouco, impõe-se uma noção, digamos, "matematizada" da vida cotidiana. Se, de um lado, perder tempo é perder dinheiro, de outro, vale igualmente o inverso: ganhar tempo é ganhar dinheiro. Mais ainda, acumular tempo é multiplicar o capital. Numa palavra, o tempo torna-se um novo latifúndio, uma espécie de poupança bancária, um investimento financeiro. E não falta quem especule com isso no mercado globalizado, aplicando e retirando fortunas no cassino mundial da bolsa de valores, de acordo com a diferença de fuso horário.

Semelhante aceleração do ritmo temporal deixa na penumbra (para não dizer no total esquecimento) o que se poderia chamar de "tempo gratuito". Este tem a ver com a expressão "jogar conversa fora", quando a presença das pessoas, o intercâmbio de experiências ou simples fato de estar juntos adquire um valor não contábil e matemático, evidentemente, mas nem por isso menos importante. Ouvir ou falar, olhar ou sorrir, tocar ou abraçar, estender a mão ou retê-la, rir ou chorar... Eis a linguagem cifrada, aberta ou simbólica (muitas vezes não verbalizada) do "tempo gratuito". Como ocorre nos momentos de comensalidade, convivência ou convivialidade, o prazer pessoal e coletivo do encontro supera a preocupação individual e individualista do acúmulo e do enriquecimento sem limites.

Mas a corrente vertiginosa do tempo moderno ou pós-moderno, além de deixar de lado o "tempo gratuito", faz-nos perder ainda a capacidade de surpreender-se, de extasiar-se, de contemplar... É tão veloz e frenética a sucessão das novidades, que estas acabam sendo absorvidas como "normais e naturais". Como num trem em alta velocidade, as imagens por trás da vidraça da janela aparecem desfocadas, nebulosas e indistintas, numa sequência impossível de ver, distinguir, identificar. Tudo surge e ao mesmo tempo se desfaz no vórtice insaciável e voraz do tempo que corre sem pausa nem descanso. A paisagem fugaz e fugidia aparece como normal e natural, da mesma forma que os laços, amizades, encontros, sentimentos e emoções se liquidificam na maré ininterrupta dos acontecimentos. Fatos e boatos, na torrente da correria diária, atropelam as intuições e sensações primordiais de todo ser humano. Daí a sensação de uma vertigem indefinível, um novo "mal-estar da civilização" (Freud).

Reduz-se o tempo e o espaço para o silêncio e a contemplação: o ato de calar, de deixar-se surpreender e de extasiar-se diante do novo. A mídia, o marketing, a opinião pública e até mesmo as conversas de bar procuram revestir tudo com o invólucro da novidade. Esta parece ser a única marca que vende, o único rótulo que adquire fama e sucesso. A tal ponto que o aquilo que realmente é novo se perde nas ruas e praças rumorosas e no turbilhão das águas que correm sem parar. A sociedade de produção-mercado-consumo torna-se uma máquina ruidosa e em alta velocidade, não deixando tempo para a pessoa encontrar-se consigo mesma ou para ouvir o outro, e menos ainda para o "tempo gratuito" (= tempo de Deus).

No capítulo terceiro do Livro do Eclesiastes, lê-se que "debaixo do céu há um momento para tudo e um tempo certo para casa coisa" (Ecl 3,1-8). Mas a verdade é que, a cada dia que passa, privilegiamos o tempo do ter e do poder, da fama e do sucesso, da moda e da novidade... Isto é, damos preferência ao "time is money!" Acelerar a capacidade de fazer, produzir, mutiplicar, acumular... Eis o desafio que nos atropela, nos ocupa, nos cega e, paradoxalmente, nos paralisa diante do piloto automático do mercado. Não há lugar para a criatividade, a qual só pode nascer no terreno do silêncio e no ato de saber parar. Se na aparência tudo parece novidade, no fundo estamos condenados a repetir as mesmas palavras, os mesmos gestos e os mesmos passos - nossos ou de outros. Repetimos porque não há tempo para a reflexão, a avaliação e a criação.

O tempo pessoal, o tempo do encontro com o outro e com os outros, o tempo do belo, do bom e do bem, o tempo de Deus - o tempo gratuito - geme e sofre sob o peso do "tempo latifúndio e investimento". Pressa e ansiedade, medo e angústia, inquietude e insegurança, dúvidas e perguntas... São alguns dos sintomas dessa inversão de valores. Sintomas do novo "mal-estar" que nos lança sem piedade na corrente indomável do tempo mercadológico e matematicamente calculado e, ao mesmo tempo, nos solicita um encontro secreto com o espírito e o sentido das coisas e dos fatos, com o significado da vida. Como dar-se conta dessa "alma do tempo" se este último, em sua nova concepção, não nos deixa sequer um segundo em paz?

É esse o desafio do Livro do Eclesiastes. Se é certo que "há um tempo para tudo debaixo do céu", como resgatar o tempo da quietude, do silêncio, da oração, da meditação e da contemplação! O desafio neste caso é o de navegar contra a corrente. E fazê-lo numa embarcação frágil, que perdeu o rumo do farol e do porto e não dispõe de remos apropriados. A sociedade comtemporânea, lembra Simone de Beauvoir, apagou as estrelas do céu, fez desaparecer os marcos da estrada e nos retirou o chão debaixo dos pés. Daí a enorme dificuldade de acertar o rumo de nossos passos ou de construir veredas novas no deserto onde o vento varreu as pegadas dos antepassados. Mais do que seguir, é preciso inventar!

Disso resulta a importância de redescobrir o "tempo gratuito", embora tudo e todos pareçam impregnados pelo imperativo inexorável do "time is money". Neste desafio, mais do que em qualquer outro aspecto, Jesus de Nazaré se revela caminho, verdade, luz e vida. Seu tempo era o tempo do Pai, com quem, a sós e no silêncio orante, profundo e contempativo, passava horas e noites inteiras. Tempo do Pai quer dizer tempo de espelho para si mesmo e tempo gratuito para a convivência com os outros, especialmente os pobres, indefesos, excluídos, os últimos. Paradoxo da sociedade atual: enquanto o tempo produção/consumo é incapaz de produzir gestos de ternura, carinho e solidariedade, o tempo de Deus gera conforto e paz, porque está revestido de sabedoria e escuta, perdão e amor, misericórdia e compaixão - ou seja, produz liberdade e salvação!

Roma, Itália, 26 de setembro de 2014.

* Alfredo J. Gonçalves, CS, é Conselheiro e Vigário Geral dos Missionários de São Carlos.

Fonte: Revista Missões

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