A disputa política é movida pelo terreno difuso das emoções

Patricia Fachin

Com o crescimento de Marina nas pesquisas, a novidade da disputa eleitoral da campanha à Presidência deste ano "é o fim da polaridade PT e PSDB", comenta Paulo Baía, em entrevista concedida à IHU On-Line, por telefone. Na avaliação do sociólogo, "Marina preencheu um espaço do eleitor que estava descrente com a política". Baía lembra que nas primeiras pesquisas "aproximadamente 59% das pessoas diziam que não tinham candidatos. Então, a maior parte do eleitorado escolhia um candidato, ainda sem convicção, e o número de votos brancos, nulos e de indecisos era elevado". Com a entrada de Marina na disputa pela Presidência, pontua, foi redesenhado um "novo cenário eleitoral, (...) no qual a população começou efetivamente a ser mobilizada pela eleição e pela emoção, mobilizada pelos afetos". E acrescenta: "De maneira difusa, é resgatada a indignação também difusa de junho de 2013".

De acordo com Baía, o programa de Marina é mais detalhado do que o dos demais candidatos, mas "o eleitor não está levando em conta nenhum tipo de proposta, nem para aceitar nem para rejeitar; (...) 80% do eleitorado trabalha na emoção, porque o que move é a emoção, o que move são os afetos, e Marina preenche bem isto, especialmente os afetos de simpatia. Os demais candidatos estão colhendo antipatia, independente do que falem ou deixem de falar", assinala.

Outra novidade apontada pelo sociólogo é "uma equipotência dos segmentos sociais apoiando todos os candidatos". Para ele, diferente de outras eleições, neste ano os candidatos "são apoiados pelos segmentos A, B, C, D e E. Não tem uma diferença no sentido de que um é o candidato de um determinado grupo contra outro grupo, como já foi no passado". O que vai definir as eleições, aposta, "é o novo perfil da sociedade brasileira", identificado como a ampla classe média: "85% da população brasileira é urbana, mora em cidades, altamente conectadas pela televisão, pelo rádio, pela telefonia e pela internet. O Brasil virou um país de classe média nos últimos anos, uma classe média muito ampla e muito segmentada, desde uma classe média muito rica até uma classe média pobre, mas que pensa, que anseia e que deseja como classe média. É esse o segmento majoritário da população brasileira hoje, embora ainda seja muito diversificado e muito amplo, mas é ele que vai definir a eleição, e não mais os extremos, como era antes", afirma.

Paulo Baía é graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, mestre em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense - UFF, doutor em Ciências Sociais pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - UFRRJ e pós-doutor em História Social pelo PPGHIS/UFF. Atualmente é professor do Departamento de Sociologia da UFRJ.

Confira a entrevista.

IHU On-Line- Como o senhor avalia o quadro eleitoral deste ano? Percebe alguma novidade?

Paulo Baía- A novidade é o fim da polaridade PT e PSDB, a partir da entrada em cena da Marina Silva que, de maneira exponencial, rompeu a disputa entre os dois partidos. Agora ela representa um polo de um lado e, de outro, tem PSDB e PT como o polo contra Marina. Essa é a grande novidade dos últimos dez dias da campanha eleitoral.

IHU On-Line - A que o senhor atribui o crescimento de Marina nas pesquisas? Esse quadro já era esperado, considerando que ela foi candidata na última eleição?

Paulo Baía - Não era esperado com o Eduardo Campos vivo, mas com a entrada de Marina na concorrência pela Presidência, aconteceu um novo fenômeno eleitoral. Marina preencheu um espaço do eleitor que estava descrente com a política, descrente com todo o quadro eleitoral. Como são feitas as pesquisas? Primeiro se pergunta espontaneamente se as pessoas têm candidato, se a pessoa responde sim, diz quem é o candidato. Aproximadamente 59% das pessoas diziam que não tinham candidatos. Então, a maior parte do eleitorado escolhia um candidato, ainda sem convicção, e o número de votos brancos, nulos e de indecisos era elevado.

A primeira pesquisa que saiu com o nome de Marina, ainda no calor do acontecimento da tragédia, apontava a candidata em segundo lugar, caindo o número de brancos, nulos e indecisos. Dilma não caiu, nem Aécio. Na segunda pesquisa, manteve-se a diminuição dos votos brancos e nulos, caiu drasticamente o número de indecisos e, junto com isso, houve uma queda acentuada das intenções de voto para Aécio e uma queda um pouco menor para as intenções de voto de Dilma e do Pastor Everaldo. Então, esse quadro faz com que se tenha um novo cenário eleitoral, no qual a população começou efetivamente a ser mobilizada pela eleição e pela emoção, mobilizada pelos afetos. De maneira difusa, é resgatada a indignação também difusa de junho de 2013.

IHU On-Line - Por que ela cresce entre os indecisos? Quais são as razões?

Paulo Baía - Marina já tinha uma história de vida; era candidata à Presidência da República, e só não conseguiu ser antes porque não obteve registro do seu partido. Ela era uma candidata à Vice-Presidência atípica, já que o vice de Dilma, Michel Temer, atende aos interesses da maioria congressual e do partido de maior capilaridade, enquanto o vice de Aécio atende à necessidade de Aécio ter votos em São Paulo. Já Marina, como vice de Eduardo, atendia a uma necessidade de tornar Eduardo conhecido nacionalmente. Marina já tem um nome nacional mais consolidado, embora na Região Sul o nome dela não seja tão frequente assim, mas nas Regiões Sudeste, Centro-Oeste e Norte, ela tem o nome bastante consolidado. As duas regiões em que ela tem o nome mais frágil são exatamente a Região Sul e a Região Nordeste.

IHU On-Line - Marina pode ser uma terceira via para a política? O que diferencia seu projeto de governo dos demais partidos? O projeto político dela está sendo levado em conta ou o crescimento dela nas pesquisas está associado apenas à sua imagem?

Paulo Baía - O eleitor não está levando em conta nenhum tipo de proposta, nem para aceitar nem para rejeitar. Somente para alguns candidatos a questão do programa é importante, como Eduardo Jorge, como Luciana Genro. Nesses casos o eleitor vota no programa e, nesse sentido, tem uma quantidade pequena de eleitores, em torno de 20% do eleitorado, que trabalha com programas e propostas; 80% do eleitorado trabalha na emoção, porque o que move é a emoção, o que move são os afetos, e Marina preenche bem isto, especialmente os afetos de simpatia. Os demais candidatos estão colhendo antipatia, independente do que falem ou deixem de falar. Mas, mesmo assim, Marina apresentou uma proposta de governo muito ampla e consistente, bem detalhada, mais detalhada que a dos demais candidatos, que a de Aécio e de Dilma - falo só nesses porque os outros também apresentaram propostas de governo, mas esses são os que estão disputando a maioria da preferência momentânea dos eleitores.
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"Os três projetos têm muita semelhança no âmbito social, na política macroeconômica, e têm diferenças, algumas marcantes, na área energética"

IHU On-Line - Quais são as diferenças nos projetos de governo de Aécio, Dilma e Marina?

Paulo Baía - Os três projetos têm muita semelhança no âmbito social, na política macroeconômica, e têm diferenças, algumas marcantes, na área energética, por exemplo, entre os programas de Dilma e de Marina, mas não tanto no programa de Dilma e de Aécio. Os programas de Dilma e de Aécio são muito parecidos.

IHU On-Line - Quais são os pontos que favorecem e, por outro lado, dificultariam a reeleição de Dilma?

Paulo Baía - O que dificulta a reeleição de Dilma é o desgaste pelo fato de o PT estar exatamente há 12 anos no governo. O que facilita a reeleição dela, por outro lado, é o conjunto das realizações feitas. Ela tem como prestar contas de 12 anos de governo, ou mesmo de quatro anos, e isso para o seu eleitor é importante e é o que ainda segura Dilma como uma das principais candidatas.

Já Aécio busca transformar uma experiência local em uma experiência nacional, mas está tendo dificuldade em relação a isso. Então ele mostra o que fez em Minas, mas não conseguiu transportar para a maioria da população o que vai fazer no Brasil, tanto que ele fala na nova forma de governar e seu programa é muito pouco explícito.

Já Marina é um nome mais conhecido e teve o cuidado de apresentar um programa bem detalhado, que possibilita uma discussão programática em relação a ele, mas não é isso que está fazendo com que ela seja a preferida nas eleições, e sim o terreno difuso das emoções.

IHU On-Line - É possível perceber quais são os setores que tendem a apoiar cada candidato?

Paulo Baía - Falando dos três principais candidatos, os seus setores são muito próximos, muito semelhantes; eles são apoiados pelos segmentos A, B, C, D e E. Não tem uma diferença no sentido de que um é o candidato de um determinado grupo contra outro grupo, como já foi no passado. Nessa eleição se vê uma equipotência dos segmentos sociais apoiando todos os candidatos. A diferença que nós podemos apontar é para os candidatos minoritários de cunho ideológico, como Luciana Genro e Eduardo Jorge. Esses são apoiados por um segmento de intelectuais, um segmento mais orgânico de militantes e de segmentos B e A da sociedade.

IHU On-Line - Como o senhor vê as reações entre política e religião e, nesse contexto, tanto as críticas de alguns candidatos, como Luciana Genro, que diz não associar política e religião e, por outro lado, o fato de Marina ser evangélica ser usado tanto contra quanto a favor dela?

"Na prática os governantes brasileiros têm uma influência religiosa, mas têm separado o governo da religião"

Paulo Baía - Na prática os governantes brasileiros têm uma influência religiosa, mas têm separado o governo da religião, embora muitas ações sejam claramente ligadas às religiões. Marina está sendo muito criticada por ser evangélica, mas, curiosamente, ela é evangélica há muito tempo e isso não atrapalhou os seus 16 anos de mandato nem a gestão como ministra do meio ambiente; ela não colocou essa questão em pauta. Dilma, que se declara sem religião, ateia, também não teve problemas em relação a isso. Todos advogam o Estado laico como liberdade religiosa. Então, não consigo perceber, tanto nas falas dos candidatos quanto no programa, essa influência religiosa, a qual é mais colocada pelos adversários do que propriamente nas falas e nos programas. No próprio debate da Bandeirantes, Luciana Genro dirigiu-se ao único candidato que pretende ser um candidato religioso, que é o Pastor Everaldo.

IHU On-Line - Por que temas polêmicos como o aborto e a união homoafetiva são abordados superficialmente nos debates políticos, mas ao mesmo tempo sempre há comentários acerca das posições particulares dos candidatos em relação a esses temas?

Paulo Baía - Esses são temas polêmicos e difíceis para todos os candidatos. De todo modo, esses assuntos devem ser discutidos, sim. Agora, a resposta deles é padronizada: "Vamos manter o que está na Constituição; vamos manter aquilo que o Congresso Nacional define".

IHU On-Line - Como avalia o posicionamento do Pastor Silas Malafaia pelo Twitter, dizendo que se Marina não se pronunciasse sobre o casamento gay, perderia o apoio da bancada evangélica, e a postura dela, de rever o texto do seu projeto político, mas de afirmar que defende as diferenças?

Paulo Baía - Os políticos se valem desse jogo ao mesmo tempo que se protegem com a Constituição Federal. Então há uma luta por posições dentro da campanha. Nesse sentido, Silas Malafaia vai cobrar uma posição, o movimento LGTB vai cobrar outra posição, e a maioria dos candidatos, com exceção do Eduardo Jorge e do Pastor Everaldo, tem se mantido equidistante desses temas. Eduardo Jorge puxa para si a posição a favor do aborto, a favor da legalização das drogas, da eutanásia, enquanto o Pastor Everaldo coloca-se claramente contrário a esses temas. Então a polarização fica em um nível das minorias, e não em um nível das maiorias da população.
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"Silas Malafaia vai cobrar uma posição, o movimento LGTB vai cobrar outra posição, e a maioria dos candidatos, com exceção do Eduardo Jorge e do Pastor Everaldo, tem se mantido equidistante desses temas"

IHU On-Line - Qual é o peso de temas polêmicos, como agenda gay, legalização da maconha e aborto, nas eleições?

Paulo Baía - Eu considero pequeno, porque como a sociedade como um todo é muito conservadora, e nesses temas se costuma ter posições conservadoras, a posição de omissão dos candidatos em relação a esses assuntos é até favorável, porque eles não se comprometem em ser contra nem a favor. Eles defendem que as minorias têm direito, e por isso apresentam esse discurso genérico e se protegem na Constituição brasileira.

IHU On-Line - Algum setor da sociedade tende a decidir as eleições? Os evangélicos, os trabalhadores, a chamada nova classe C?

Paulo Baía - Nenhum grupo. O que vai definir as eleições é o novo perfil da sociedade brasileira: 85% da população brasileira é urbana, mora em cidades, altamente conectadas pela televisão, pelo rádio, pela telefonia e pela internet. O Brasil virou um país de classe média nos últimos anos, uma classe média muito ampla e muito segmentada, desde uma classe média muito rica até uma classe média pobre, mas que pensa, que anseia e que deseja como classe média. É esse o segmento majoritário da população brasileira hoje, embora ainda seja muito diversificado e muito amplo, mas é ele que vai definir a eleição, e não mais os extremos, como era antes.

IHU On-Line - A insatisfação da população com os partidos, como manifestado em junho do ano passado e antes da Copa, terá algum impacto na disputa política?

Paulo Baía - Está tendo um impacto na escolha de Marina, porque o ápice das manifestações tinha um caráter difuso, uma pauta muito ampla, muito diversificada e contraditória, mas havia um sentimento de indignação e de esperança na movimentação. Mas o que movia as manifestações era a ideia de que as instituições não funcionavam e de que quem estava nas instituições não representava as pessoas. Depois as manifestações cresceram para outro tipo de patamar, na qual grupos violentos começaram a atuar, e aí as manifestações de massa desapareceram. Mas esse sentimento, que era aprovado por 85% da população brasileira, conforme as pesquisas indicavam à época, continua. Há uma insatisfação indefinida, uma inclinação genérica contra as instituições, as pessoas querem que as instituições funcionem. É isso que está resgatando as jornadas de junho de 2013, e os manifestantes estão encontrando em Marina esta candidatura.

IHU On-Line - Deseja acrescentar algo?

Paulo Baía - Como toda análise, esta é uma análise de momento. Agora temos de ver o andamento das estratégias das campanhas, já que todas estão se reformulando.

Fonte: www.ihu,unisinos.br

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