Qual o sentido das manifestações na Copa?

Emir Sader *

O sentido politico de qualquer fenômeno - uma greve, uma eleição, uma mobilização popular - só é possível de ser captado pela sua inserção na totalidade que o encerra. Até a própria análise da trajetória de um partido - segundo as indicações do Gramsci - não é dado por sua vida interna - que seria uma visão sectária, auto referente -, mas pela relação que esse partido tem com a totalidade da realidade social em que ele está inserido.

Quantas vezes uma reivindicação - justa em si mesma - desata um tipo de conflito que acaba tendo um significado que a transcende totalmente, chegando às vezes a ter o efeito oposto ao desejado originalmente. No final do governo da Luiza Erundina, por exemplo, depois da prefeitura ter perdido a luta para implementar uma reforma tributária socialmente justa, o governo ficou com recursos limitados. Naquele momento se desatou uma luta reivindicativa dos trabalhadores do setor de transporte publico. (Havia ainda a CMTC como empresa pública de transporte).

Os trabalhadores desse setor tinham o melhor salário do Brasil e sabiam que, para aumentá-lo, seria necessário elevar o preço das tarifas, o que penalizaria grande parte da população mais pobre da cidade. Mas a greve foi desatada, a Força Sindical e a CUT a levaram adiante, nenhuma das duas querendo aparecer como comprometida com o governo municipal.

Foi uma greve violenta, que quebrou centenas de ônibus da empresa pública de transporte. Era o ultimo ano do mandato da Erundina. O Maluf se aproveitou do clima criado e aprofundou sua campanha contra o PT, vencendo as eleições. Uma de suas primeiras medidas foi a privatização da CMTC, desaparecendo a principal empresa de transporte público de São Paulo.

Mobilizações atuais em torno da Copa tem que ser analisadas na sua inserção nas lutas politicas mais gerais, para que seja possível entender o seu conteúdo. Podem ter surgido a partir de reivindicações justas - melhoria da saúde e da educação no pais - ainda que de forma equivocada e demagógica, ao passar a ideia de que os investimentos da Copa prejudicavam aqueles das politicas sociais do governo.

Quando passou seu impulso inicial, movimentos que buscam enfrentamentos violentos, sem nenhum compromisso com os avanços que o Brasil vive, passaram a protagonizar o cenário das mobilizações, já com a ideia de que haveria que inviabilizar ou prejudicar ao máximo a Copa no Brasil. As mobilizações ficaram reduzidas a um numero mínimo de participantes, basicamente os que buscavam o enfrentamento violento com a Policia - sempre violenta.

Continuaram a ter espaços na mídia, seja pelas cenas que protagonizavam junto com a policia, seja pelas cenas de destruição de lojas, bancos, bancas de jornais, sinais de paradas de ônibus, entre outros, seja também pelo interesse da oposição de desgastar o governo.

É preciso inserir essas mobilizações nos dois marcos gerais que dão o seu sentido. Primeiro, a campanha eleitoral, em que a oposição - midiática e partidária - joga suas fichas nas possibilidades de desgaste na imagem do governo como reflexo de nova onda de enfrentamentos durante a Copa. A oposição apoia - por editoriais, destaques na mídia, colunistas inefáveis da direita e da extrema direita - as manifestações, consciente de que não se trata de apoiar as reivindicações. Ao contrario, os candidatos da oposição acenam com duros ajustes contra os recursos para politicas sociais, caso chegassem a ganhar. Mas apostam no desgaste do governo no processo eleitoral. Esse o primeiro sentido das manifestações atualmente: favorecer as candidaturas da direita contra o governo.

O segundo marco em que devem ser inseridas as manifestações é a campanha internacional contra o Brasil. Não é contra o Brasil das injustiças e das desigualdades sociais. Ao contrário, é uma campanha contra o Brasil do Lula, do governo que lançou o maior programa de combate às injustiças e às desigualdades sociais no Brasil.

Não por acaso essa campanha é protagonizada pelos órgãos mais renomados da direita internacional - Financial Times, The Economist, El Pais -, justamente os que sentiram incomodados pela imagem que foi projetada no Brasil recente - o de país que luta contra a miséria, a pobreza, a exclusão social e que lança ao mundo o desafio de terminar com a fome. A de país que, ao invés de se somar às politicas imperiais dos EUA, trabalha pela integração regional e intensifica os intercâmbios Sul-Sul no mundo. A de um país que reagiu frente à crise no centro do capitalismo não como a Europa fez mas, ao contrário, dando o exemplo de que é possível resistir a ela, com a ativação do papel do Estado e da distribuição de renda.

É este o país que é atacado sistematicamente na mídia internacional - e reproduzido aqui pela mídia subserviente -, com mentiras como a do Ministério de Relações Exteriores da Alemanha, de afirmar que somos "um país de alto risco", contrastando com a realidade concreta e com a expansão dos investimentos de empresas desse país no Brasil.

Ou com calúnias puras e simples como a desaparição de crianças em Fortaleza como forma de limpeza social para a Copa ou a da noticia de que 25 das policias dos 27 estados brasileiros estariam em greve e ameaçariam parar durante a Copa. Ou mentiras ainda mais deslavadas, que só tem a finalidade de desconstruir a imagem - incomoda para o neoliberalismo e para a politica norte-americana no mundo - de que o Brasil se soma aos países que lutam pela construção de uma alternativa ao neoliberalismo e por um mundo multipolar, de resolução pacifica e politica dos conflitos, ao invés das intervenções militares.

É nesse marco geral - das eleições brasileiras e do interesse dos candidatos de direita e da campanha contra a imagem do Brasil do Lula - que se inserem as manifestações programadas durante a Copa. Basta algumas dezenas de pessoas com formas de armamento e a atitude violenta da polícia, para que os enfrentamentos existam e contarão com o beneplácito da mídia internacional, com suas câmaras e maquinas fotográficas atentas.

Por essa razão que está correta a posição do João Pedro Stedile e do Lula, entre outros, de considerarem negativo o aproveitamento oportunista da Copa para terem o brilhareco de 15 segundos, que tem um sentido político geral negativo e não leva a nada, tanto assim que, passada a Copa, os efeitos só podem ser um eventual desgaste do governo favorecendo os candidatos da direita e um eventual enfraquecimento da imagem positiva que o Lula projetou no mundo, favorecendo as forças internacionais de direita. O sentido politico das manifestações é esse.

* Emir Sader é sociólogo, cientista político e escritor. Atualmente é professor doutor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, coordenador do Laboratório de Políticas Públicas e Secretário Executivo do Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales.

Fonte: Informativo Rede

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