Humanidade atropelada

Nei Alberto Pies *

"Enquanto o tempo acelera e pede pressa, eu me recuso, faço hora, vou na valsa... a vida é tão rara" (Lenine)

O trânsito de nossas cidades revela o nosso comprometimento pessoal e coletivo com a esquizofrenia e a imposição dos números. Passo Fundo, cidade do norte do Rio Grande do Sul, vive em 2014 a supremacia dos números, de carros. Segundo estudo do arquiteto e urbanista desta cidade, Daniel Bueno, nossa cidade dobrou o número de carros em relação ao número de habitantes, no período de 2006 a 2009. Estarrecedor!

Cabe então uma singela reflexão sobre o porquê da supremacia das máquinas e dos motores. O fato é que reduzimos nossas vidas a uma competição com o tempo. O que é a pressa senão a pretensão de reduzirmos tempo? O que é a correria senão querer fugir do lugar para chegar a lugares, e mais lugares? O que é a velocidade senão acelerarmos nossa louca correria.

Tudo corre muito ligeiro, mas o percurso e o desenrolar da vida segue regular. O tempo foi inventado pelos homens, mas a vida não. Enquanto aceitarmos que os números se imponham ao ritmo natural da vida, continuaremos lamentando o número de vítimas.

Aliás, o que são as vítimas além de números? Não nos assusta mais saber que, em apenas 05 meses do ano de 2014, 21 pessoas perderam suas vidas no nosso trânsito. Para ficarmos nos números, em 2013 foram 18 mortos. O que é que são 18 ou 21 pessoas mortas? O que elas representam diante de um total de quase duzentos mil habitantes?

Concordo com a afirmação das autoridades do trânsito de nossa cidade, de nosso estado e de nosso país de que os motoristas e pedestres são parte da culpa dos nossos acidentes. Que boa parte dos acidentes poderia ser evitada (sempre se...). Mas não posso ficar na mera constatação sem perguntar pelas causas. As causas, todos nós devemos investigar.

Cadê a nossa humanidade? Será que ela foi atropelada pelos números? Será que a organização do trabalho, da economia e do cotidiano das nossas cidades não está nos levando a uma mais completa loucura? Dizemos sempre que estamos correndo, mas nem sempre sabemos para onde nem atrás de que.

Fiquei pensando no que é mesmo esquizofrenia. Pesquisei e descobri que "esquizofrenia é uma doença psiquiátrica endógena, que se caracteriza pela perda do contato com a realidade. A pessoa pode ficar fechada em si mesma, com o olhar perdido, indiferente a tudo o que se passa ao redor ou, os exemplos mais clássicos, ter alucinações e delírios. Ela ouve vozes que ninguém mais escuta e imagina estar sendo vítima de um complô diabólico tramado com o firme propósito de destruí-la. Não há argumento nem bom senso que a convença do contrário.". (Dr. Dráuzio Varella, médico psiquiatra).

Concluí então que transito pode combinar com esquizofrenia. Não é louco?

* Nei Alberto Pies é professor e ativista de direitos humanos.

Fonte: Revista Missões

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