Relato de experiência na Palestina

Felipe Gustavo Koch Buttelli

Em virtude de uma reunião do Fórum Ecumênico da Palestina e Israel (PIEF), vinculado ao Conselho Mundial de Igrejas (CMI), estive recentemente na Palestina, em Beit Jala, ao lado de Belém. Este é um espaço muito importante em que participaram representantes de diversas igrejas e organizações com enfoque na questão da resolução do conflito entre Israel e Palestina. Estive representando o grupo Kairós Palestina Brasil - uma plataforma coletiva de solidariedade e advocacia pela libertação do povo palestino no Brasil - e IECLB, igreja em que sou membro. Por se tratar de uma realidade distante da nossa no Brasil e por termos muita dificuldade de encontrar uma visão razoavelmente neutra sobre a situação é fundamental compartilharmos experiências e apresentarmos uma visão dos fatos vista em loco.

Sou jovem e, ainda que tenha nascido durante o regime militar, felizmente não passei pela experiência de lutar contra a ditadura. No entanto, a realidade que experimentei desde o início de minha visita a Israel/Palestina é a de um regime de ditadura militar e de autoritarismo por parte do Estado de Israel. As injustificadas medidas de segurança excessivas são constrangedoras e vexatórias para quem visita o país sem estar protegido por agências de turismo israelenses e pela cidadania israelense. Estas medidas são procedimentos visivelmente xenofóbicos e racistas, uma vez que julgam o "grau de periculosidade" de acordo com a procedência étnica, religiosa e nacional. Eu, como jovem brasileiro, com carta convite do Conselho Mundial de Igrejas, passei por longos interrogatórios e tive minha privacidade violada em diversos momentos. É assustadora e desencorajadora a visita à Palestina e Israel sem estar trilhando pelos caminhos forjados pela indústria do turismo religioso.

Evidentemente, minha apreciação de como fui pessoalmente tratado pouco importa se formos levar em consideração a realidade do povo palestino. Este sim sofre um apartheid talvez ainda pior do que o vivido na África do Sul. Trata-se de uma invasão colonial que usurpa terras e destrói a humanidade da população original daquela terra, tão cara para as três grandes religiões monoteístas. O Estado de Israel, além de ocupar progressivamente cada vez maior parte do território palestino sem nenhum tipo de reprimenda das Nações Unidas, tem um regime legal diferenciado para pessoas israelenses e palestinas. O controle sobre movimento, através do muro (considerado ilegal desde 2004) e dos checkpoints, dificulta a vida de pessoas palestinas e é um símbolo cotidiano da ocupação e do poder excessivo utilizado por militares para controlar a vida do povo palestino. A progressiva expulsão de palestinos de suas casas e vilarejos desde 1948 criou o maior contingente de pessoas refugiadas atualmente, com mais de 6 milhões de refugiadas e refugiados em diversos países do mundo e mesmo dentro da própria Palestina. A partição do território em peças de um quebra-cabeça impede que as pessoas encontrem suas famílias e dificulta mesmo o acesso à escola para crianças e ao trabalho para adultos. A faixa de Gaza, território palestino, está isolada do mundo, bloqueada comercialmente e com dificuldade de acesso a agências humanitárias. Trata-se do lugar no planeta com maior densidade populacional, sofrendo reprimendas constantes de Israel, que controla o acesso aos recursos naturais e proíbe atividades econômicas, como a pesca.

O apartheid, como regime político, impede à população israelense de ver esta perspectiva desde o ponto de vista palestino. Propaganda constante e a cultura do medo não permitem aos judeus israelenses identificarem em pessoas palestinas seres humanos com igual dignidade e direito à terra e aos recursos indispensáveis para a manutenção da vida. O regime de apartheid e a influência política e econômica internacional de judeus e israelenses não permitem o surgimento de outras narrativas. É difícil o acesso a notícias alternativas que não degradem a visão internacional a respeito do povo palestino. Neste contexto é importante o acesso a depoimentos diferentes, que mostram uma realidade escondida, mas que pulsa vida em sofrimento.

As igrejas e possíveis iniciativas

Desde 2009, de modo mais sistemático, cristãs e cristãos palestinos estão chamando a Igreja de todo mundo a conhecer a realidade palestina. Isso não é importante apenas pelo imenso potencial transformador e a grande capilaridade das igrejas, mas sobretudo porque as igrejas têm sido negligentes e desconsideram o efeito que suas teologias têm na justificação do regime de apartheid colonial de Israel. Ainda que esta realidade pareça distante, temos reproduzido uma teologia sionista que procura na Bíblia e nas promessas de Deus as razões para o estabelecimento de um Estado artificial em Israel, independentemente do sofrimento que isso venha a ocasionar a outros povos e pessoas. Esta nossa alegria incontida em ver a concretização de uma promessa de Deus se realizando na história, isto é, a criação do Estado de Israel e sua vitória sobre o mundo islâmico, se traduz em apoio ao apartheid israelense de diversas maneiras: Apoio político a Israel, acordos comerciais com empresas israelenses, uma cultura de peregrinação à Terra Santa e o incentivo a um turismo religioso parcial (que só vê a perspectiva de israelenses), reprodução de um discurso teológico sionista, etc.

Por isso, o Kairós Palestina Brasil, junto com diversas outras iniciativas como o Programa de Acompanhamento Ecumênico na Palestina e Israel (PAEPI) do Conselho Mundial de Igrejas (CMI), o Conselho Latino Americano de Igrejas (CLAI) que abraça este programa e ajuda a promovê-lo, e muitas iniciativas da sociedade civil e de movimentos sociais (como MST, Via Campesita, CUT, etc), vêm trabalhando para desconstruir esta percepção generalizada de descomprometimento brasileiro com a situação palestina e de reprodução de uma abordagem favorável exclusivamente ao Estado de Israel.

Nossa tarefa é chamar as igrejas, organizações ecumênicas, centros de formação teológica e demais espaços de exercício da fé a tomarem uma posição. A situação palestina se configura como uma das mais graves violações dos direitos humanos e das leis internacionais observadas em nosso tempo. Como Igreja, somos chamadas e chamados à solidariedade e à responsabilidade pela negligência e pelo prolongado silêncio que manifesta nossa conformidade com a continuidade da injustiça.

No Brasil, há diversas maneiras de contribuir:

Evite comprar produtos que procedem de território ocupado ilegalmente;

O governo Brasileiro celebra continuamente acordos com o Estado de Israel, como para transferência de inteligência e tecnologia militar (no RS há o encaminhamento do acordo com a empresa israelense Elbit de tecnologia militar para construir satélites), formação militar (treinamento ao BOPE e prestação de serviço da empresa G4S para preparação da segurança para Copa do Mundo), compra de armas, apoiando financeiramente a indústria bélica e militar que comete graves violações contra os direitos do povo palestino. É preciso imprimirmos pressão para cessar com este comprometimento militar entre Brasil e Israel;

O Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA) tem profundas relações com Estado de Israel - através do viés religioso do antigo ministro Marcelo Crivella e do atual Eduardo Lopes. Estes fazem uso de sua posição política para incentivar o Estado de Israel com contratos milionários para adquirir expertise e tecnologia para pesca no Brasil. Deste modo, colaboram com o embargo à pesca na Faixa de Gaza e com a degradação da situação de vida de pequenos pescadores e pescadoras na Palestina;

O Turismo Religioso, através de agências certificadas pelo Estado de Israel, é um dos maiores financiadores do apartheid. Utilizar deste expediente irrefletidamente colabora diretamente para uma política de expropriação e controle de sítios históricos que se encontram na Palestina (a maioria);

Mais do que a suspensão destes apoios substanciais que o Brasil dá ao Estado de Israel (5º maior importador da indústria bélica israelense), o importante é não perpetuarmos um discurso que dá justificativa ao Estado de Israel para continuar irrefreadamente com sua expansão territorial e com a violação dos direitos do povo palestino. Isso só pode ser atingido com a nossa tomada de posição individual e com o despertar para nossa responsabilidade em fazermos ouvida a voz do povo palestino, clamando por justiça e paz.

Fonte: www.conic.org.br

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