Carlos Roberto Marques *
Com enorme ansiedade, eu contava os dias para completar meus 18 anos. Era esta a expectativa dos adolescentes masculinos no século passado, lá pelos anos 60. Em maio de 1964 eu chegaria à tão sonhada maioridade, sinônimo de liberdade: liberdade de ir onde quisesse, de voltar quando pudesse; de fazer o que agradasse. Eu já poderia tomar minhas próprias decisões. Ironicamente, dois meses antes, o regime militar frustraria aquele meu sonho de liberdade, deixando claro que ela teria muitos limites.
Em 1966, prestei concurso público e fui trabalhar na Escola Politécnica da USP, na Praça Coronel Fernando Prestes, no bairro da Luz. Tínhamos como vizinhos de praça a Igreja Nossa Senhora Auxiliadora, dos salesianos, e, bem em frente, o Quartel General da, então, Força Pública do Estado de São Paulo, hoje Polícia Militar. Igreja, estudante, polícia, uma liga impossível naqueles momentos. Para chegar ao trabalho, frequentemente tínhamos que atravessar barricadas e trincheiras montadas pelos soldados.
No auge da repressão, em 1968, meu departamento da Poli mudou-se para a Cidade Universitária, e lá fui eu. A Cidade Universitária, ainda mais mato que cidade, recebia, é claro, vigilância permanente, por receio dos movimentos estudantis. Uma paradinha na esquina para trocar um dedinho de prosa com os colegas, e lá vinha a parelha de militares naqueles cavalos enormes e uma espada de metro e meio: - "Vamo circulá! Vamo circulá!" Era deprimente. E nós nem éramos estudantes; éramos funcionários do Estado, como eles.
Ainda durante o regime, fui aluno do curso noturno da Faculdade de Direito da USP, no Largo São Francisco. Já casado, pai de filhos, e único provedor da família, não me envolvia em nenhuma manifestação. Certa noite, cansado do trabalho, mal consegui chegar próximo ao Largo, tomado que estava pela tropa de choque, com aqueles veículos denominados "brucutus", lançando jatos de água com corante vermelho, tingindo toda a fachada da escola e quem lá estivesse. Muitos alunos ficaram ali confinados até o dia seguinte; ninguém entrava, ninguém saía.
Aí me vem à lembrança, Martinho da Vila com a sua "Pequeno Burguês", sucesso do final dos anos 60; mas isto é outra história.
Mesmo sem grandes traumas, qualquer um que tenha passado por aquelas experiências irá aprovar, e até mesmo participar desses movimentos sociais que estão se apresentando; mas certamente não concorda, de maneira alguma, com qualquer atitude que ultrapasse a barreira do direito, que por mais de duas décadas reivindicou, e por ele muitos morreram. Durante essas manifestações, alguém entrevistado pela televisão foi felicíssimo ao afirmar: - "Eles não falam por mim, pois não sou representado por mascarados". Saudade das "Diretas já" e dos "caras-pintadas" que se expuseram sem arruaças e sem máscaras, e conseguiram seus intentos.
Surpreendentemente, eis que surge um movimento pela volta dos militares. Isto só pode vir de quem não viveu a experiência, não buscou a verdade, ou, de alguma maneira, beneficiou-se da ditadura. "Vejo, disse o Senhor, que este povo tem a cabeça dura!" (Ex 32,9). Ainda bem que, logo em seguida, veio a público o depoimento do general, confessando, sem pudor nem arrependimento, ter torturado, matado e mutilado tantas pessoas, que ele nem sabia dizer quantas. A esse incontável número de vítimas, somam-se as famílias mutiladas pela perda de seus membros, mortos ou desaparecidos. E nem por compaixão revelou o destino de nenhum dos desaparecidos, com total indiferença aos mortos e ao sofrimento de suas famílias. Será esse o tipo de "messias" pretendido pelos que participaram da passeata pela volta da ditadura?! "Vá de retro, Satanás!"
* Carlos Roberto Marques é Leigo Missionário da Consolata - LMC e membro da equipe de redação da revista Missões.
Fonte: Revista Missões