Marisa Soares
Francisco defende que os conventos não devem servir para a Igreja ganhar dinheiro. Portugal tem um projeto que responde ao apelo do Papa.
O Papa Francisco apelou nesta terça-feira, dia 10, às ordens religiosas em Roma para que deem abrigo aos refugiados nos conventos vazios, ao invés de os transformarem em hotéis de luxo.
"Caríssimos religiosos e religiosas: os conventos vazios não devem servir para a Igreja os transformar em hotéis para ganhar dinheiro. Os conventos vazios não são nossos, são para a carne de Cristo, que são os refugiados", afirmou o Papa durante uma visita a um centro de acolhimento Astalli, gerido por jesuítas, na capital italiana.
Segundo o El País, a Igreja Católica italiana é proprietária de 20 a 30% do património imobiliário no país. Entre centros educativos, conventos, igrejas ou hospitais, é o maior senhorio italiano - em muitos casos isento do pagamento de impostos. Algumas ordens religiosas converteram os seus edifícios em hotéis rentáveis.
Francisco entende que a Igreja é chamada a "fazer mais, recebendo e compartilhando" os bens materiais. "Todos os dias, aqui e em outros centros, muitas pessoas, especialmente jovens, estão na fila para terem uma refeição quente. Essas pessoas lembram o sofrimento e o drama da humanidade. Mas isso também nos diz que é preciso fazer algo, agora, todos", afirmou.
Durante a visita, o Papa defendeu também que os refugiados têm direito à integração e à participação ativa na sociedade e destacou o papel da Igreja nesse processo. E deixou um recado às autoridades: "A misericórdia requer justiça. Só através da justiça se pode fazer com que o pobre encontre o caminho para deixar de o ser. A Igreja, a cidade de Roma, as instituições têm que se unir para que ninguém tenha mais necessidade de uma cantina social, de um abrigo, de um serviço de assistência jurídica para ver reconhecido o próprio direito a viver e a trabalhar, para ser plenamente uma pessoa".
Portugal antecipou desafio do Papa
A mensagem do Sumo Pontífice, também ele jesuíta, é "um desafio" ao qual o Serviço Jesuíta aos Refugiados (JRS) em Portugal se antecipou. O diretor, André Costa Jorge, adiantou ao jornal O Público que o JRS tem, em parceria com os Missionários da Consolata, um projeto que visa a transformação de um antigo seminário desta congregação, situado na Quinta do Castelo, no Cacém (Sintra), num centro de acolhimento para refugiados. "Em Portugal não há nenhuma experiência do gênero, nem na Europa. Vamos ser pioneiros", afirma.
Desocupado há menos de um ano, o antigo seminário é um edifício do século XIX instalado numa Quinta. Terá capacidade para acolher 30 pessoas. Para o transformar, é preciso adaptar os espaços, garantir alimentação, vestuário, recursos humanos. "Temos o apoio do Ministério da Administração Interna, para a comparticipação nacional", diz André Costa Jorge. O projeto aguarda apoio do Fundo Europeu para os Refugiados para avançar. "Esperamos poder receber refugiados até o final do ano", afirma.
Mas o apoio financeiro não é o principal. "Transformar espaços em lares de acolhimento até é fácil, difícil é que estes espaços sirvam realmente para a integração das pessoas na sociedade", considera o diretor do JRS. Os imigrantes podem permanecer cerca de um ano nestes centros mas depois têm de encontrar o seu lugar na comunidade. Um emprego, uma casa. "Respondemos a uma emergência social mas depois as pessoas têm de continuar a viver", diz Costa Jorge. "É preciso prudência", avisa.
Este responsável admite que a ideia de converter antigos conventos ou mosteiros em asilos para refugiados, ou mesmo para idosos e crianças mais vulneráveis, não é nova mas "era preciso que alguém com autoridade na Igreja o dissesse". Por isso, recebeu a mensagem do Papa com agrado. Mas lembra que, no caso português, "boa parte dos conventos foram expropriados e são hoje edifícios do Estado, que este não cuida ou vendeu a privados". Como exemplo, aponta o antigo Convento da Cartuxa, em Caxias (Oeiras), propriedade do Ministério da Justiça, atualmente "mal tratado", mas com condições para se tornar um centro de acolhimento.
A maioria dos imóveis que se mantiveram na mão das ordens religiosas "continuam a ter uso, embora com menos pessoas e mais envelhecidas do que há 50 anos". Além disso, o diretor do JRS sublinha que algumas ordens estão, tal como o país, com dificuldades financeiras, pelo que a eventual reconversão dos espaços em hotéis será uma importante fonte de receitas para a sua sobrevivência. "Muitas vezes, [os responsáveis] também não sabem como fazer para colocar o espaço a serviço dos refugiados, porque não trabalham no terreno", aponta Costa Jorge.
Atualmente, o JRS gere o Centro Pedro Arrupe, na Ameixoeira (Lisboa), onde acolhe temporariamente imigrantes em situações de emergência. Desde 2006, já acompanhou quase 300 pessoas. Além deste, Portugal tem outro centro de acolhimento para refugiados na Bobadela, em Loures, a cargo do Conselho Português para os Refugiados, uma organização não-governamental, parceira do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados.
Fonte: O Público