Como você concebe o tempo?

Alfredo J. Gonçalves *

O tempo é um bem incalculável, uma grande riqueza que a ninguém é negada. Mas é extremamente ambígua a maneira como o concebemos. Pode ser um tesouro carregado de pérolas brilhantes diante de uma sociedade massiva e anônima, ansiosa por um ouvido atento ou uma palavra amiga; mas pode também ser um túmulo de mutismo, surdo e mudo ao clamor dos silenciados e silenciosos e aos desafios da história. O tempo é "o grande ídolo contemporâneo", adverte o monge italiano Enzo Bianchi; "lembrem-se que tempo é dinheiro", dizia por sua vez Benjamin Franklin, ainda no século XVIII, como que profetizando o ritmo alucinado da produção e da produtividade, com o advento das revoluções modernas: industrial, dos transportes e comunicaçoes, da informática...

A verdade é que a forma como concebemos o tempo tem implicações diretas no seu uso. A pergunta do título, por exemplo, poderia ser substituída por outra: o que você faz do tempo, com quem o gasta? Ou também, até que ponto você é capaz de "perder tempo" com as pessoas que lhe são caras ou que você ama? Por outro lado, poderíamos perguntar: você é corajoso o suficiente para "perder tempo" consigo mesmo, ouvindo e deixando-se interpelar pelo silêncio? Ou este lhe causa medo e calafrios pelos fantasmas que costuma revelar e esconder, obrigando-o a preencher todos o minutos com atividades, luzes, sons, conversas, distração e correria? Dependendo da noção de tempo que cultivamos, desenvolvemos, em grau maior ou menor, a agitação febril e a ansiedade que caracterizam a vida contemporânea, no sentido de não perder tempo.

Um exemplo bem corriqueiro: que lhe pedem sua namorada, noiva ou esposa; seu filho, neto ou depedente; seu companheiro, sócio ou amigo? Todas essas pessoas com quem você tropeça no contidiano e que lhe dedicam um grau mais íntimo de relacinamento - familiares, amigos, parentes ou conhecidos - com o passar dos anos, não lhe perguntarão, em primeiro lugar, quantas fazendas ou terrenos, quantas casas ou apartamentos, quantas ações ou contas bancárias você deixará como testamento. Antes, implícita ou explicitamente, perguntarão quanto tempo você foi capaz de "perder" com cada uma delas. Quem ama saber dedicar tempo à pessoa amada! Nada mais inconveniente que um namoro em que um dos dois não pára de olhar o relógio. Aliás, o amor relativiza a duração e o valor do tempo. Basta confrontar os minutos "perdidos" esperando por uma condução ou por uma refeição, de um lado, e, de outro, os minutos passados ao lado de uma pessoa amiga e amada.

Voltemos à pergunta: o que fazemos com essa dádiva de Deus que é o tempo? Como o concebemos e, em consequência, como o usamos? Para alguns, o tempo não passa de um bem privado, de usufruto próprio e único, egoísta e egocêntrico. Recusam-se sistematicamente a condividi-lo com os outros, guardando-o para si mesmos, numa atitude de autosuficiência e até arrogância. Internet e televisão, casa e carro, teatro e cinema, luxo prazeres... Tempo igual a latifúndio: vazio, ocioso e improdutivo. Cercando-o por todos os lados de compromissos "importantes e inadiáveis", tais pessoas isolam-se num mundo fechado, como verdadeiros caramujos. Criam toda espécie de impedimentos para evitar o encontro, seja consigo mesmo, seja com os outros e menos ainda com Deus. Ocorre que, com o passar dos anos, não sabem mais o que fazer dos dias, horas e minutos... Como tudo o que se acumula, também o tempo apodrece ou enferruja. Torna-se tedioso e enfermiço, a tal ponto que o simples tic-tac do relógio converte-se numa tortura! Os segundos tombam monótonos, como gotas de chumbo derretido, sobre as chagas vivas da alma doentia no seu isolamento e falta de comunicação.

Para boa parte das pessoas, porém, o tempo equivale a moeda de troca. Gastam-no somente na previsão de um retorno seguro e imediato. Tempo igual a investimento: deve ser ocupado, preferentemente ou exclusivamente, em atividades que geram ganho. Não ode ser jogado fora, mas envestido em tarefas bem precisas, calculando matematicamente os lucros. Nada de riscos indefinidos. Nesta maneira de ver o tempo, estabelecem-se laços, "amizades" e relações somente com aqueles que têm algo a oferecer, tanto em termos financeiros quanto em termos de prestígio pessoal ou familiar. O importante é cultivar pessoas e famílias na medida em que essas representam um rendimento material, moral ou espiritual. Dias, horas e minutos convertem-se em unidades monetárias, tais como dólares e centavos, os quais, pela própria natureza, devem garantir juros, multiplicar-se, capilatizar-se. Capital gera capital, investimento gera investimento, tempo deve gerar um índice positivo nas ações da "bolsa de valores" dos relacionamentos humanos. Daí a máxima: jamais de perder tempo com quem nada tem a retribuir!

Para outros, enfim, o tempo é um dom recebido e, por isso mesmo, deve estar a serviço dos outros, especialmente dos mais necessitados. Tempo igual a gratuidade: seu uso não discrimina nem privilegia ninguém, colocam-se incondicionalmente à disposição de todos. Abandonam-se com maior frequência não apenas à solidariedade horizontal, como também, em linha vertical de fé e esperança, ao sopro do Espírito.

Trata-se, claramente, da concepção de tempo que perpassa as páginas do Evangelho, como também a existência de tantas pessoas que o seguem. De fato, "a carava de Jesus" nunca atropela quem sofre e grita por socorro. Os casos são os mais variados, tais como o cego Bartimeu (Mc 10,46-52), a mulher que sofria de fluxo de sangue (Mc 5,25-34), a mãe que acabara de perder o filho (Lc 7,11-17), os dez leprosos (Lc 17,11-19... Na sua trajetória, Jesus nunca ignora a dor, o abandono, a solidão e o sofrmento. Às vezes contra o parecer dos próprios discípulos, que afastam e repreendem os "intrusos", o Mestre se detém, escuta, observa, toca, cura, orienta e perdoa. Seus dias, horas e minutos tornam-se, para os pequenos e últimos, palavras, obras e ações de verdadeira Boa Nova.

Não é que Jesus tenha uma Boa Notícia, Ele é a Boa Notícia, enquanto faz do próprio tempo um presente gratuito àqueles que dele precisam. Além dos casos citados, três episódios são particularmente emblemáticos, no sentido de alguém que se faz presente sem jamais demonstrar pressa, mas assumindo completamente o ponto de vista do outro: a parábola do Bom Samaritano (Lc 10,25-37), o diálogo com a Samaritana na beira do poço (Jo 1,42) e o econtro com os discípulos de Emaús (Lc 24,13-35). Sua passagem, sua pesença e suas palavras transformam-se em momentos decisivos para fazer brilhar a face do Pai. Pérolas vivas de um amor compassivo e misericordioso. Todos merecem o seu tempo, especialmente aqueles que têm a vida mais ameaçada: para Jesus o tempo é dom de Deus, doação aos pobres!

Alfredo J. Gonçalves, CS, é Conselheiro e Vigário Geral dos Missionários de São Carlos, em Roma.

Fonte: Alfredo J. Gonçalves / Revista Missões

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