Onde se funde literatura

Nei Alberto Pies *

"As pessoas escrevem contra sua própria solidão e a solidão dos demais porque supõem que a literatura transmite conhecimentos, age sobre a linguagem e a conduta de quem a recebe, e nos ajuda a conhecermo-nos melhor, para nos salvarmos juntos". (Eduardo Galeano, em artigo "Em defesa da palavra")

Quem de nós não idealiza viver ou representar uma grande história? Uma história de vida que seja capaz de alcançar a imaginação e a liberdade, que nos provocam ânsias sem fim? Que seja impactante para quem escreve e para quem lê a ponto de mudar sentidos de vida e pontos de vista. Estamos falando de histórias lineares e "enquadradas" por supostas utopias, mas estas já perderam o seu lugar.

Muitas vezes imaginei escrever uma história. Outras vezes, constatei a ilusão de querer contar histórias. Outros dias, minha própria história me pareceu insignificante. Quantas noites, embalado pelos meus pensamentos, busquei inspiração em outras histórias para não chorar as minhas próprias tristezas!

Não tenho personagens para as minhas pretensas histórias. Tenho a mim mesmo e me confronto com uma imaginação "pouco aflorada" para colher histórias dos outros e da minha imaginação. Conheço muitas pessoas, poucas histórias. Procuro entender, pelo semblante de muitos, o que poderá estar por trás do que não consigo ver. Queria poder adentrar-me, ou possuir alguns personagens, para compor histórias. Descubro, então, que tenho pouco a me dizer.

Ouvi dizer que, em grande medida, histórias escritas, lidas e adoradas por muitos de nós, são isso mesmo: simples histórias. Vivências, impressões, invenções, criatividade, desafetos, sentimentos, amores, olhares, conflitos, pontos de vista, percepções da vida e do olhar, ressuscitar de sonhos, contagiantes gostos, e liberdade.

Penso histórias como horizontes, na perspectiva das janelas de uma casa. Horizontes, semelhante janelas, têm por missão renovar nossos ambientes. Janelas arrejam e alimentam a utopia, de uma realidade que não existe mais numa casa fechada: (o mofo e as sujeiras, característicos de ambientes fechados, ninguém suporta mais). É preciso alçar voos para além das paredes, dos quadros, das salas de estar, das cozinhas, dos instrumentos e das lides cotidianas de cada um. Fechar janelas ou deixá-las trancadas gera a indiferença, o enigma, a escuridão e o castigo, a morte dos ideais, mas também da grandeza do infinito. Manter as janelas abertas é manter vivas as utopias da envolvente e complexa arte que é viver a vida.

A literatura dos nossos tempos sugere escrever histórias a partir dos sofrimentos periféricos e esquecidos. Sugere dar voz àqueles e aquelas que se esforçam muito para "aparecer", em busca de reconhecimento. Sugere histórias mais reais e mais próximas da realidade do leitor. Sugere mostrar um pouco mais da realidade que, não raras vezes, confunde-se com a própria ficção.

Encaremos, pois, os novos desafios do nosso tempo e de uma nova literatura.

*Nei Alberto Pies é professor e ativista de direitos humanos.

Fonte: Nei Alberto Pies / Revista Missões

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