Lição de casa do Papa aos jovens

Alfredo J. Gonçalves *

No decorrer da V Jornada Mundial da Juventude, antes de retornar a Roma, o Papa Francisco deixou uma "lição de casa" para os jovens de todo o mundo. Tarefa empenhativa e exigente, que requer muita doação e espírito de missionariedade. Vocês devem ser os protagonistas da evangelização, em vista das mudanças sociais que se fazem urgentes, para a construção de um futuro de justiça e paz - disse o Pontífice com outras palavras. Em termos mais diretos e concretos, a tarnsformação da sociedade encontra-se em suas mãos. Em termos biblico-teológicos, o Reino dos céus, embora dom de Deus a ser realizado definitivamente para além da história, inicia aqui na terra e depende do esforço, do empenho e do compromisso sociopolítico de vocês.

Nada mais, nada menos, do que um chamado a ser sujeitos de uma sociedade renovada, fraterna, solidária e sustentável. A linguagem remete claramente aos «anos de ouro» das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e da Teologia da Libertação (TdL), como também às intuições dos documentos conclusivos das Conferências Episcopais do continente Latino-americano e Caribenho (Rio de Janeiro, Medellín, Puebla, Santo Domingo e Aparecida).

De cara, dois desafios a serem superados. O primeiro tem a ver com a apatia e a perplexidade, às vezes desencanto, que têm marcado os movimentos e pastorais sociais nos últimos tempos. Semelhante carência de um engajamento mais incisivo explica-se não tanto pela falta de energia e entusiasmo da juventude. Antes, liga-se a um contexto externo bem mais amplo, com revestimento político-cultural, que parece ter substituído o bem-estar social de décadas passadas pelo bem-estar pessoal do forte individualismo atual, em alguns casos exacerbado até o egocentrismo e hedonismo puro e simples. Explica-se também pela tradicional atitude corporativista, clientelista, patrimonial, centralizada e demagógica de não poucos de nossos representantes políticos. No caso do Brasil (e de tantos outros países), a democracia representativa exercida no Planalto Central e em outras instâncias do poder, decididamente não é um exemplo para os pobres mortais que procuram sobreviver na planície. A tarefa dos jovens, neste caso, implica a criação de novos canais, novos instrumentos e novos mecanismos de participação e de controle diante do poder público.

O segundo desafio encontra repercussão naquilo que o estudioso italiano Umberto Galimberti chama de Hóspede inquietante, numa obra com o mesmo título. Quem seria esse hóspede? Trata-se do niilismo, uma teoria filosófica que procura reduzir todas as crenças a meras convicções do sujeito. A sujetividade explode em subjetivismo, fazendo do « ego » a instância absoluta para a orientação pessoal. Dai o relativismo ou indiferença frente às religiões, «verdades», fundamentos, princípios acumulados na trajetória da humanidade. Não raro, atira-se pela janela um patrimônio cultural de séculos e milênios ou, como diz o ditado popular, «joga-se a criança junto com a água do banho». No fim da linha, instala-se facilmente o vazio e a ausência de sentido para a existência humana, que conduz à falta de perspectiva sobre a vida e o futuro. Apesar de ser uma atitude hoje bastante generalizada, aparece com maior frequência nos jovens, especialmente quando desempregados. Menos afeitos à hipocrisia, costumam ser os primeiros a virar a mesa.

Mas no interior da própria Igreja encontra-se um terceiro desafio, às vezes mais grave que os anteriores. Convém ter em conta que, nas paróquias e comunidades, pastorais e movimentos, nas atividades eclesiais em geral, poucos adultos confiam nos jovens! Por um lado, transferem para o ambiente da Igreja as tensões e conflitos vividos na esfera familiar, cada vez mais difíceis de administrar. Por outro, confundem a espontaneidade natural do adolescente e do jovem, bem como sua imediatez e seu entusiasmo, por irreverência e confusão, quando não por bagunça. Tal desconfiança fecha muitas portas aos jovens de ambos os sexos que procuram fazer algo através dos diferentes serviços e ministérios na Igreja enquanto «Povo de Deus», na feliz expressão do Concílio Ecumênico Vaticano II. Essa falta de confiança tolhe pela raiz suas energias juvenis e afetivamente generosas. Não sendo acolhidos, eles buscam alternativas que podem conduzir a becos sem saída.

Resta a pergunta : como conciliar semelhantes desafios com a «lição de casa» transmitida aos jovens pelo Papa Francisco durante os calorosos encontros do Rio de Janeiro? Como se poder ver, é extenso, tortuoso e contraditório o caminho a ser percorrido. Camindo a ser percorrido, primeiramente, pelas autoridades eclesiásticas em suas mais variadas funções. Neste sentido, em vista de uma maior participação da juventude, é preciso flexibilizar estruturas tradicionais rígidas, seja do ponto de vista litúrgico e catequético, seja do ponto de vista hierárquico e organizativo. O tradicionalismo intransigente (diferente das boas tradições que devem ser cultivadas) bloqueia não poucas iniciativas que se originam nos ambientes juvenis. Além disso, permenece o desafio de descobrir e estimular o potencial da revolução informática, das redes sociais e dos meios de comunicação em geral para a tarefa coletiva da nova evangezlização. Vale o mesmo para o desafio da linguagem (ou das linguagens no plural). Maior atenção merecem, por exemplo, os gestos, o toque, a música, a dança, a poesia, o teatro - enfim, o resgate da alegria nos eventos onde se celebra o encontro com Deus e com os irmãos e irmãs.

Mas é igualmente longo e laborioso o caminho a ser percorrido pelos próprios jovens. Torna-se cada vez mais patente a necessidade de um salto qualitativo que nos faça superar a cultura do imediato, do espetáculo, do efêmero e do descartável na direção de uma cultura da solidariedade, da reflexão, da sobriedade e da sustententabilidade, tanto social quanto ecologicamente. A chamada pobreza evangélica não pode mais ser monopólio da vida religiosa ou consagrada. Ela é uma exigência que o ritmo da natureza, agredida, explorada e devastada, impõe sobre todos os cidadãos do planeta Terra, se não quisermos perecer junto com ele. O compromisso socioeconômico, político-cultural e ecológico, em sintonia com a vivência eclesial e comunitária, tem um encontro marcado com os jovens. Não jovens do futuro, mas jovens do presente! Chamados a agir aqui e agora para que todos possam sentar à mesa no grande banquete do amanhã.

* Alfredo J. Gonçalves, CS, é Conselheiro e Vigário Geral dos Missionários de São Carlos em Roma.

Fonte: Alfredo J. Gonçalves / Revista Missões

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