Nei Alberto Pies *
É impossível dissociar o momento festivo da Copa das Confederações que se realizou no Brasil das manifestações cívicas e cidadãs por melhoria de condições de vida dos brasileiros. Embora recorrente a tese de que o futebol pode servir de "amnésia do povo", devemos nos perguntar diante de fatos relevantes que envolveram o esporte e a cidadania no Brasil. Seguem as perguntas: a) a Copa das Confederações e a Copa do Mundo são as nossas vilãs no Brasil? (ou serviram como parte do pretexto para os jovens e estudantes verbalizarem seus sentimentos de abandono, desmando e desconsideração por parte da nossa classe política? b) dá para imaginar (ou ignorar) o Brasil sem a cultura do samba, da boa acolhida e hospitalidade, do jeitinho brasileiro e do futebol? c) qual seria a grave consequência política no Brasil se a nossa seleção tivesse perdido os jogos? d) que lições o Brasil pode tirar da postura do treinador e de seus jogadores em campo pela Copa das Confederações e da postura dos muitos brasileiros que saíram às ruas clamando mudanças?
Os brasileiros reinventaram-se pelas redes sociais. A sedução inicial da internet "anestesiou", não por muito tempo, os anseios e as necessidades mais imediatas e concretas de nossa geração jovem. Era o tempo do descobrimento, do encantamento. Passado este tempo, as redes sociais chamaram as ruas para a "verbalização" dos descontentamentos generalizados. Que coisa bem boa e bem feita!
Os jovens descobriram que o poder das ruas é mais eficiente do que o poder das redes. Mas não precisavam ter-se revoltado contra o nosso futebol, porque o poder também está no futebol. O futebol brasileiro reflete as nossas diferenças, as nossas potencialidades, os nossos talentos, a nossa criatividade. O futebol é um dos espetáculos brasileiros que representam muito do nosso povo, de sua postura e de sua vontade de vencer e apresentar-se ao mundo. O esporte é o lugar da superação, da disciplina, da projeção pessoal e coletiva, do descortinar das possibilidades.
O Brasil sai desta Copa e das manifestações totalmente revisado. Todos nós estamos fazendo novas e importantes interpretações do nosso modo de ser, pensar e agir brasileiros. Os jovens que, corajosamente ocuparam lugar nas ruas descobrem-se sujeitos políticos, mas descobrem também que não podem desconsiderar as posições políticas e partidárias que já fazem a nossa democracia, pois democracia não se faz sem partidos (mas também não somente com eles). Nossa classe política percebeu que precisa estar mais atenta aos clamores das minorias, dos jovens, dos trabalhadores e de todos aqueles que historicamente foram os mais esquecidos e mais sacrificados. O nosso povo começa a se acordar para permanecer em vigilância pelas práticas decentes que nos façam superar a endêmica corrupção que corrói a política brasileira. Aprendemos, ainda, que não podemos criminalizar quem luta, de forma pacífica, desde sempre, por mais cidadania, democracia e direitos humanos no Brasil, a partir das ruas.
Os brasileiros, no futebol, nas redes e nas ruas, descobrem-se novos sujeitos, capazes de reinventar a sua história e os destinos de seu país. Os estádios e as ruas sempre foram, essencialmente, espaços de construção de identidade, de cultivo de bons valores humanos e espaço para viver e experimentar os melhores relacionamentos.
Se o Brasil redescobre o poder das ruas, redescobre também o poder que tem o esporte e o futebol. Redes sociais, ruas e futebol podem ser sempre lugares democráticos para a gente avançar a partir das ideias e dos ideais da maioria dos brasileiros. A Seleção Brasileira foi, nesta Copa, o reflexo dos potenciais da nossa nação. Jogou com coerência, espírito colaborativo (de equipe) e respeito aos seus adversários. Sigamos, pois, jogando pela cidadania, pelos direitos humanos e pela liberdade de sermos o que sonhamos ser.
* Nei Alberto Pies é professor e ativista de direitos humanos.
Fonte: Nei Alberto Pies / Revista Missões