Realidade incômoda: os sofredores de toda natureza

Geovane Saraiva *

Uma realidade incômoda, diante do contraste e do antagonismo em que se vive nossa sociedade e de um modo bem concreto, a cidade de Fortaleza e o Estado do Ceará, deixando transparecer que o projeto dos homens anda léguas e léguas, distante do projeto nosso Deus e Pai, anunciado por Nosso senhor Jesus Cristo, projeto de justiça, amor, solidariedade e paz, no serviço aos irmãos, quando nos afirma no seu Evangelho: "se alguém quiser ser o primeiro, que seja o último de todos e o servo de todos" (Mc 9, 35).

Neste sentido, como transformar a realidade dos sofredores? Precisamos do espírito da verdade para que possamos ser conduzidos, segundo o referido projeto de Deus, a plena verdade. Jesus na sua entrega e obediência à vontade de Pai, até a morte e morte na cruz, deixa claro para nós que abraçamos a fé, no seguimento do Filho Amado do Pai, o espírito da verdade, no mandamento do amor que é consequente.

Como é preciosa e plausível uma reflexão sobre Fortaleza, bela cidade, mas com inúmeras coroas de espinhos, seja pelos moradores de rua (adultos e crianças) nas nossas praças, seja pelas favelas, desemprego, dependência química, como consequência, alto índice de criminalidade. Aqui lembramos a sábia afirmação de Albert Einstein: A palavra "Progresso" não terá qualquer sentido enquanto houver crianças infelizes.

O progresso que se acentua, fortemente presente entre nós, nos estrondosos volumes de recursos, na construção do aquário, nas obras da copa do mundo, nos bilhões que serão gostos com a construção da ponte estaiada, sobre o Rio Cocó, contrariando todo um rigoroso estudo dos nossos prestimosos ambientalistas e comprometendo aquilo que temos de melhor, o no nosso ecossistema.

Dom Aloísio, na carta pastoral sobre o uso e a posse do solo urbano, de 31.05.1989, afirmou com maestria: "A cidade deve ser para o homem e não o homem para a cidade. Deve ser um espaço de convivência solidária para todos os que nela moram, convivência que seja resultante da convergência de esforços para tornar a cidade mais humana e também cristã" - uma cidade, de verdade, com rosto verdadeiramente pascal.

Veja queridos leitores o que nos disse o Papa Francisco na Vigília de Pentecostes, de 18/05/2013: "Tocar no corpo do pobre é tocar no corpo de Cristo. O Pontífice contou a história de um rabino do século XII que narra a construção de torres, onde os tijolos eram mais importantes do que os construtores. Quando um tijolo se quebrava, era um drama e o operário era punido. Mas se um operário se machucava, isso não era nenhum problema. Isso acontece hoje: se os investimentos nos bancos caem, é uma tragédia. Mas se as pessoas morrem de fome, não têm o que comer ou não têm saúde, não é um problema! Esta é a nossa crise de hoje! E o testemunho de uma Igreja pobre para os pobres vai contra esta mentalidade".

Encerramos nossa reflexão as palavras do Cardeal Aloísio Lorscheider na Carta Pastoral de 19/06/1983, escrita há 30 anos, os bispos do Ceará e a seca: "Relembrando as palavras do Evangelho, nem sempre é possível dizer só coisas lindas. Na realidade, o Evangelho sempre é lindo. Mas os nossos pecados ficam achando que certas passagens do Evangelho são duras. Você deve lembrar que já para Jesus a turma de então dizia: ‘Quem pode ouvir estas palavras? Elas são duras' (Jo 6,60). E o resultado: Desde então muitos dos discípulos se retiraram e já não seguiam" (Jo. 6,66).

Hoje acontece a mesma coisa. Há muita gente por aí que chama a Igreja Católica, no Brasil, de subversiva, comunista, dizendo que esta não é a Igreja deles, e procuram outra Igreja que fale menos duro. Já muitos que antes estavam com a Igreja Católica, agora já não estão mais; retiraram-se; já não a seguem. Para eles, a palavra da Igreja, que é a palavra do Evangelho lida para a nossa situação, para nosso contexto, é muito dura ou muito forte. E conclui: Peço que ninguém fique com raiva, mas pense".

* Geovane Saraiva é padre da Arquidiocese de Fortaleza, escritor, membro da Academia Metropolitana de Letras de Fortaleza, da Academia de Letras dos Municípios do Estado Ceará (ALMECE) e Vice-Presidente da Previdência Sacerdotal - Pároco de Santo Afonso. geovanesaraiva@gmail.com

Fonte: Geovane Saraiva / Revista Missões

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