Cristina Ferreira *
A publicação americana Vanity Fair fez uma investigação sobre as transações de capital pelos paraísos fiscais de controle britânico e diz que "o sol nunca se deita para o império britânico de offshores e paraísos fiscais". A Inglaterra é centro de uma rede de paraísos fiscais interligados entre si.
"Só as três dependências da coroa britânica [Caimão, as Ilhas Virgens Britânicas [BVI] e as Bermudas] providenciaram 332,5 bilhões de Euros no financiamento para a City (empresa de avaliação de mercado de capitais), a maioria não taxado".
"É uma surpresa para a maioria das pessoas que o mais importante player do sistema global de offshores (livre de impostos e taxas) não seja a Suíça, nem as Ilhas Caimão, mas sim a Inglaterra, situada no centro de uma rede de paraísos fiscais britânicos interligados entre si, a lembrar os últimos resquícios do império."
O parágrafo consta de um trabalho da revista norte-americana Vanity Fair, publicado na última edição de abril, com o sugestivo título: A Tale of two Londons [uma brincadeira à volta do conto (1859) de Charles Dickens, a Tale of Two Cities].
Depois que a organização internacional não-governamental (ONG) Oxfam avaliou em 14 bilhões de euros (18,5 triliões de dólares) o dinheiro ocultado em paraísos fiscais espalhados pelo mundo, hoje se sabe que também há 12 offshores, conectados com Portugal, associados a 22 proprietários ou gestores (quatro portugueses) domiciliados em Lisboa, Porto, Estoril, Tavira e Almancil.
A informação nasce de uma mega investigação em paraísos fiscais. A Offshore Leaks analisou 2,5 milhões de documentos secretos, relacionados com 120 mil companhias e 170 países.
As notícias mais recentes ajudam a levantar a cortina opaca que protege as grandes fortunas que "fogem" ao pagamento de impostos e surgem numa altura em que, em Bruxelas, os chefes de Estado e de governo europeus reuniram para adotarem medidas de reforço da luta contra a evasão e a fraude fiscal.
A Oxfam prevê que dois terços [9,5 bilhões de euros] da verba "ocultada" em paraísos fiscais (um total de 14 bilhões de euros), estejam em "territórios" offshore da União Européia (UE). E que os Estados tenham perdido de receita fiscal cerca de 120 bilhões de euros: o que equivale "a duas vezes o necessário para que cada pessoa no mundo em pobreza extrema viva acima do limiar de 1,25 dólares por dia".
Apesar das expectativas abertas com o anúncio de que os europeus iam reunir para discutir os temas offshore, os resultados do encontro de quarta-feira, 22 de maio, não foram animadores. Bruxelas atrasou para dezembro a decisão sobre a generalização da troca de dados financeiros no espaço europeu.
Ao contrário da França, que tem defendido medidas européias contra a evasão fiscal, a Áustria e o Luxemburgo (com regras fiscalização e de reporte de exceção) fazem depender o seu aval a uma maior transparência nas transações financeiras, ao reforço da legislação na Suíça, em Mônaco, em Andorra, em San Marino e no Liechtenstein, territórios europeus, mas que não integram a UE.
A Alemanha, sede do segundo maior centro financeiro da Europa, também olha para as intenções de Holande, ministro francês, com desconfiança.
Desta vez, e apesar de Londres surgir, habitualmente, como a face visível da resistência ao aumento da regulação financeira (bancos, operações financeiras e offshores), as posições britânicas não apareceram destacadas na comunicação social. Mas o trabalho da Vanity Fair, que se estende por sete páginas, não deixa dúvidas de que qualquer mudança à atual "arquitetura" da city londrina (uma metrópole offshore) tenderá sempre a ser vista como uma ameaça à "competitividade" da sua indústria financeira.
O título escolhido pela revista para ilustrar o mapa que acompanha o artigo de Nicholas é elucidativo: "O Sol nunca se deita para o império britânico de offshores e paraísos fiscais."
"A situação dúbia, meio dentro, meio fora (colônias sem o ser), assegura um fundo de legalidade e de distância que permite à Grã-Bretanha dizer "que nada pode fazer" quando um escândalo rebenta."
"A coroa britânica está cercada por ilhas - Jersey, Guernsey, Ilhas de Man - por 14 territórios espalhados pelo mundo que funcionam como paraísos fiscais, incluindo, por exemplo, gigantes offshores como as Ilhas Caimão, as Ilhas Virgens Britânicas (BVI) e as Bermudas. "A situação da Inglaterra é dúbia, meio dentro, meio fora dizendo "que nada pode fazer" quando um escândalo rebenta." Esclarecedor, portanto.
Ainda assim a revista norte-americana faz menção ao que já se sabe: as enormes dificuldades em obter números sobre a circulação do dinheiro pelos paraísos fiscais, o que justifica que os valores divulgados pelas diferentes instituições nem sempre coincidem.
Territórios opacos onde o sigilo bancário e a complexidade das estruturas societárias dificultam a identificação dos "offshore" e dos seus beneficiários efetivos, assim como das verbas que por ali circulam.
"Quem realmente vive no One Hyde Park [Londres], o edifício residencial mais caro do mundo? A maior parte dos proprietários das habitações é gente que se esconde atrás de offshores, de paraísos fiscais, o que nos dá o retrato dos novos super-ricos."
O construtor do One Hyde Park, Nick Candy, explicou que Londres "é a cidade no topo do mundo e o melhor paraíso fiscal para alguns. Até os russos vêem a capital/city como a mais segura, justa e honesta para sediar seu dinheiro e a justiça britânica nunca os extradita", nem "a polícia os investiga", apesar de "se desconhecer a origem do seu dinheiro", resultante das "privatizações pós-soviéticas corruptas".
A ação da ex-primeira-ministra britânica, Margaret Thatcher, não foi esquecida por Shaxson: "As reformas financeiras dela, nomeadamente o Big Bang [desregulamentação], de 1986, fizeram disparar o número de banqueiros na city (Londres), o que expandiu as operações financeiras" e atraiu investimento estrangeiro.
Hoje, sugerem-se grandes mudanças e prometem-se "grandes batalhas" para meter a capital britânica na ordem. Mas será que a intenção de Oakeshott de colocar um fim na circulação de dinheiro sujo na City acabará algum um dia por sair da gaveta? A Inglaterra tinha muitas razões para não entrar na moeda européia.
* Cristina Ferreira é jornalista.
Fonte: http://www.publico.pt/