Stefano Camerlengo *
A Missão vem como consequência de uma fé que nos faz crer e enten-der que somos todos filhos do mesmo Pai, e por isso todos irmãos. A mis-são é um convite à partilha dos dons gratuitamente recebidos com os ir-mãos mais pequenos que eu. A missão é uma restituição do que me foi dado pelo Pai, restituição àquele que é meu próximo, que representa um dom não apenas material mas sobretudo espiritual. A missão exige a ca-pacidade de saber "ler" as necessidades, respondendo com atos e não com palavras: basta um comportamento, um olhar afetuoso, uma saudação, um sorriso sincero. A missão deve ser a transparência de Deus, a sua presença no meio dos homens. A missão é levar Deus aonde ainda não é conhecido, onde foi esquecido ou recusado.
Nesta caminhada é fundamental recordar alguns valores básicos que alimentam a nossa fé. Vou listar alguns, tirados do nosso documento O Missionário da Consolata Santo, que foi elaborado no final do biênio sobre a santidade, em 2009, e que me parecem importantes e não podem ser jamais abandonados: a Eucaristia, a comunidade e o amor pelos pobres.
A EUCARISTIA
"Preparai-vos com grande fervor para a celebração da Eucaristia, guardando a santidade, praticando todas as virtudes, com vivíssimo espí-rito de fé. Celebrai-a, pensando no que dizeis e no que fazeis. Se tudo o que fazemos deve ser feito com seriedade, muito mais a celebração da Santa Missa!" (Discípulos em missão, n. 147, p. 203).
Todos sabem que o evangelista São João, em vez de narrar a institui-ção da Eucaristia como fazem os Sinóticos, narra o episódio do "Lava-pés" no contexto da Última Ceia. Isso significa: se não nos levantarmos "daquela mesa", todo o nosso serviço é supérfluo, inútil e não serve para nada. Chegamos assim ao ponto fulcral de toda a revisão da nossa vida espiritual e da nossa caminhada para a santidade. Digamo-lo sincera-mente: talvez façamos um grande serviço às pessoas com muita diaconia, mas que não parte "daquela" mesa. Só se partirmos da Eucaristia, "da-quela" mesa, é que a nossa atividade levará a assinatura do autor, o Se-nhor.
Se não partirmos da Eucaristia, a nossa atividade não será mais que um "negócio", andaremos sempre embebedados por mil e uma coisas, talvez façamos obras de caridade, sim, mas sem a caridade das obras. As obras de caridade não bastam se faltar a caridade das obras. Se faltar o amor de onde partem as obras, se faltar a nascente, o ponto de partida, que é a Eucaristia, toda a tarefa pastoral redunda numa girândola de ne-gócios.
"Levantou-se da mesa" significa a necessidade da oração, do abando-no a Deus, de uma confiança extraordinária de cultivar a amizade com
Deus, de poder tratar Jesus por "você", de podermos ser seus amigos ín-timos. Se estivermos desligados de Cristo, daremos a impressão de ser-mos apenas representantes comerciais, que estendem na praça as suas coisas sem grande convicção, apenas para sobreviver.
Às vezes falta-nos este vínculo profundo com o Senhor. Outras vezes agarramo-nos a ele, mas não nos abandonamos a ele. Um abraço de te-mor é diferente de um abraço de amor. Abandonar-se quer dizer deixar-mo-nos embalar por ele, deixarmo-nos levar por ele, dizendo apenas: "Meu Deus, eu vos amo!"
A VIDA FRATERNA EM COMUNIDADE
"Na vivência comunitária haverá sempre dificuldades, mas é preciso prestar atenção para que o encanto da caridade não se deteriore" (Discí-pulos em missão n.131, p. 179).
Muitas vezes temos interpretado o episódio do "Lava-pés" como um convite de Jesus à Igreja a que lave os pés dos pobres e dos marginaliza-dos, esquecendo assim o que Jesus disse aos seus apóstolos: Deveis lavar os pés uns aos outros (Jo 13,14). Nesta expressão de Jesus está encerrado todo o seu desejo, toda a sua preocupação com a comunhão no seio do grupo dos apóstolos, uma comunhão profunda, que devemos voltar a descobrir e viver, pondo-nos ao serviço uns dos outros.
Está em causa a salvação do mundo. Se nós, mais em contato com a Eucaristia, não vivermos a comunhão a sério, será vão o nosso testemu-nho. Seremos hipócritas se proclamarmos a palavra, se partirmos o pão da Eucaristia, e depois vivermos por conta própria, maltratando-nos uns aos outros, cultivando pequenas invejas, pequenos rancores, desagre-gando-nos, vivendo no seio da comunidade a desafeição recíproca e igno-rando-nos uns aos outros.
O AMOR PREFERENCIAL PELOS POBRES
"A pobreza protege também o ardor missionário" (Discípulos em mis-são n.106, p.153).
Somos testemunhas dos resultados destas formas modernas de idola-tria e do seu poder: o drama de populações inteiras a lutarem pela sobre-vivência, o sofrimento dos fugitivos, a pandemia da SIDA, o desespero dos "invisíveis" das periferias urbanas. Eles representam o Cristo crucificado dos nossos dias, Jesus nu, abandonado e impotente sobre a cruz que, no entanto pode curar o nosso olhar e libertá-lo da idolatria perene. Nisto os pobres é que nos evangelizam a nós e nos apontam o cami-nho para a santidade: a alteridade absoluta de Deus que está solidário com o seu povo e que, com a vida vivida pelo Filho de Deus, o libertou em definitivo.
A cruz é o êxito da vida vivida pelo Filho de Deus sob o signo do amor. Ela não tem sentido em si mesma e deve ser contextuada na totalidade da vida de Jesus de Nazaré, retirando o seu significado daquele que nela está pregado. Ainda hoje somos chamados, a exemplo de São Paulo, a anunciar e viver em primeira pessoa a mensagem "escandalosa" da cruz
de Jesus. Perante os que procuram o caminho da força, milagres e sinais, perante os que querem atingir Deus com as próprias forças e tornar-se como ele, o missionário é chamado a levantar o estandarte da cruz (cf. 1 Cor 1,23-25).
*Padre Stefano Camerlengo, Superior Geral do Instituto Missões Consolata. Da Mensagem para a festa do Fundador, Roma, 16/02/2013). Publicado no Noticiário IMC Brasil, Nº 240, jan/mar de 2013.
Fonte: Noticiário IMC Brasil