Egon Heck *
"Os vários assassinatos de nossas lideranças, nosso Sangue e nossas Lágrimas, a destruição de nossos territórios, tudo não tem preço. Dinheiros algum apagarão as nossas dores e lágrimas derramadas.
Por essa razão, não vamos nos calar diante de assassinatos e ameaças de extinção de nossos povos e violações de nossos direitos humanos. Não negociamos nossos direitos conquistados com a nossas lutas e mortes".
(Documento da Aty Guasu do Rancho Jacaré-julho 2012)
"Sugiro a constituição de subgrupos de trabalho para algumas questões mais relevantes, dentre as quais a questão indígena. São milhares deles mortos e desaparecidos durante esse período da ditadura militar. Nunca se abordou com a merecida seriedade e profundidade o que se tem passado com os povos indígenas neste período", disse Rose Nogueira do grupo Tortura Nunca mais, de São Paulo. O grupo liberou uma pessoa para trabalhar especificamente os documentos que tratam das violências contra os povos indígenas neste período.
Maurício reforçou a importância de se aprofundar essa questão, sendo a Comissão Nacional da Verdade, um importante instrumento para tanto. E transmitiu uma certa descrença manifestada por uma liderança indígena:"essa aí é mais uma comissão de brancos!"
Egydio Schwade, que foi o primeiro secretário executivo do Cimi, reforçou a denúncia da morte de mais de 2 mil Kiña-Waimiri Atroari, no período de 1970 a 1973, durante a construção da rodovia BR 174, que atravessou o território desse povo. Informou que já reuniu mais de 150 documentos que comprovam esse massacre.
Manifestou sua esperança de que esse processo da Comissão Nacional da Verdade, traga luzes e divulgue para a sociedade nacional e mundial esses crimes. No decorrer do dia ele deu várias entrevistas à imprensa sobre o assunto e sentiu-se gratificado por ter encontrado muitas pessoas interessados nessa causa e que certamente irão somar nessa busca da verdade e da justiça.
Das muitas sugestões, análises e observações manifestadas pelos representantes de entidades de luta pelos direitos humanos em todo o país, houve muita insistência de que a Comissão da Verdade é apenas mais um instrumento na árdua luta que a sociedade civil tem pela frente para evitar que não se repita o terrorismo do Estado e que se conheça a verdade e faça justiça.
Esse primeiro encontro realizado no anexo do Palácio do Planalto, em Brasilia, reunindo dezenas de entidades é apenas uma das inúmeras atividades que a Comissão pretende realizar nesses dois anos que tem para atuar e produzir um relatório.
Mais de cinco milhões de mortos e desaparecidos
Se a Comissão Nacional da Verdade quiser mesmo levar a sério uma investigação sobre os indígenas mortos e desaparecidos, torturados e violentados em sua dignidade, terá pela frente um enorme desafio de começar fazer justiça a esse genocídio secular e atual de povos indígenas no Brasil. Essas não são apenas práticas e violências do regime ditatorial militar. São realidades vivenciadas pelos povos indígenas hoje, e em especial os Kaiowá Guarani durante quatro séculos e que perdura até os dias atuais.
Embora não se possa afirmar categoricamente que os indígenas por ocasião da invasão do atual território brasileiro, eram seis milhões de pessoas, esse é uma aproximação de população que fez Darci Ribeiro, e que nos parece ter maior consistência. O mesmo antropólogo estimou a população indígena na década de 60 do século passado, em menos de 100 mil. Significa dizer que foram mais de cinco milhões de indígenas que desapareceram, pelos inúmeros mecanismos de extermínio e morte, desde as guerras justas até os envenenamentos e difusão de surtos de epidemias que dizimavam aldeias inteiras. Foram centenas de povos exterminados. E não é coisa do passado. Temos no Brasil mais de 70 grupos indígenas em estado de isolamento voluntário que atualmente correm sérios riscos de extermínio diante do avanço acelerado das frentes de expansão agrícola, mineral, geopolíticas...
Quem sabe seria esse um momento importante de, uma vez por todas começar a passar a limpo a história desse país, a partir dos povos indígenas, dos negros, dos descartáveis, pelo sistema colonial e o sistema capitalista atual.
Quando a polícia quer
Na semana que passou uma boa notícia veio com a conclusão do inquérito do assassinato do cacique Nisio Gomes. A conclusão foi a que testemunhas oculares afirmaram, tanto indígenas como dos réus, de que o cacique foi morto a tiro, arrastado até uma caminhonete pelos assassinos e levado para algum esconderijo, no Brasil ou no Paraguai, não tendo sido localizado até hoje.
Segundo o relatório anterior conduzido pela Polícia Federal regional, não haveria provas de que o cacique teria sido assassinado, e que deveria estar escondido em algum lugar. O relatório acusa o filho de Nisio, o Valmir de ter prestado depoimentos falsos.
Aos leitores não restam dúvidas sobre as razões do desvirtuamento e falta da verdade contida no primeiro relatório. Fica demonstrado que quando a polícia quer, com isenção, esclarecer esse e outros tantos bárbaros crimes contra os indígenas, isso acontece. Esperamos agora que se faça justiça, que se localize o corpo do Nisio, bem como do Rolindo e que se conclua com seriedade e agilidade as dezenas de inquéritos inconclusos dos assassinatos de lideranças Kaiowá Guarani no Mato Grosso do Sul.
Que a Comissão da Verdade venha ao território Kaiowá Guarani e contribua com os processos de elucidação de centenas de assassinatos, desaparecimentos e torturas contra esse povo.
* Egon Heck - Povo Guarani Grande Povo - Cimi 40 anos - julho de 2012
Fonte: Egon Heck / Revista Missões