Indígenas marcam presença ativa na Cúpula dos Povos

Jaime C. Patias, Cúpula dos Povos na Rio+20

"A salvação do Planeta está na sabedoria ancestral e na mobilização dos povos"

Se existem povos capazes de conviver em plena harmonia com o meio ambiente, estes são os indígenas. Eles sabem que o atual modelo de desenvolvimento econômico se caracteriza por um aumento da pressão sobre seus territórios, os recursos naturais e ecossistemas. Na Cúpula dos Povos que acontece desde o dia 15, no Aterro do Flamengo, Rio de Janeiro, o espaço do Acampamento Terra Livre, reúne cerca de dois mil indígenas de mais de cem povos de todo o Brasil e de alguns países vizinhos. O número superou as expectativas e causou problemas na alimentação e hospedagem, que é feita no Sambódramo. Nas discussões, as lideranças se revezam para relatar problemas e exigir soluções.

Para Cleber Buzatto, secretário Executivo do Conselho Indigenista Missionário - CIMI, o grande desafio é comunicar as preocupações e propostas ao povo brasileiro, ao governo e à comunidade internacional. "Entre os principais problemas estão a paralisia na demarcação e homologação de Terras Indígenas e ao mesmo tempo, o incentivo, por parte do governo, à invasão de terras demarcadas, que se dá através das grandes obras do PAC, como a construção da usina hidrelétricas a exemplo de Belo Monte, no Pará e o futuro complexo de usinas no Rio Tapajós, na região da Amazônia".

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Coordena os debates a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil - APIB, que reúne nove organizações indígenas.
Cremilda Wassu (foto) veio de Alagoas com outras 40 lideranças de onze etnias. Ela se pergunta "como é possível discutir desenvolvimento sustentável sem demarcar as Terras Indígenas?". Luciano Tseredze Paratsé, da etnia xavante do Mato Grosso trouxe para o Rio de Janeiro 37 pessoas. Para ele, o governo deveria utilizar a tecnologia para evitar a destruição da natureza. "O mundo está sentindo as mudanças climáticas, só o nosso governo não sente. Os fazendeiros jogam agrotóxicos que mata os peixes nos rios".

Segundo Mário Whapichana, coordenador do Conselho Indígena de Roraima - CIR, e residente na Raposa Serra do Sol, onde vivem mais de 200 comunidades, o desafio é fazer um plano de gestão das Terras Indígenas e usar de forma planejada os recursos naturais. Preocupa também, "como trabalhar a relação entre justiça social e ambiental". Roraima trouxe um documento de 11 páginas, com desafios e propostas para a Rio+20, elaborado num Seminário preparatório para a Conferência.

Os Yanomami, por sua vez, informaram que aproximadamente três mil garimpeiros invadiram suas terras. Masi Yanomani explicou que já enviaram denúncia ao Ministério Público, mas não foram tomadas providências. "Muitos dos nossos ancestrais já foram mortos. Nós não queremos mais morrer", afirmou. O Acampamento Terra Livre está repleto de cartazes e banners com informações sobre os povos indígenas e suas lutas. Um deles mostra os principais problemas da Terra Yanomami. A frase de Davi Kopenawa resume a situação: "toda essa destruição não é nossa marca, é a pegada dos brancos, o rastro de vocês na terra".

Daniel Carvalho lamentou que no Rio Grande do Sul, existem jovens se prostituindo e entrando no mundo do crime por que estão sem terra. "Com a terra nós vamos ter saúde e educar nossos filhos".
No Mato Grosso do Sul, os desafios já são bem conhecidos. O cacique Elpídio Pires (foto) disse que por lá não há mais florestas. É só cana de açúcar, soja e criação de gado. O cacique profetizou: "os índios vão reflorestar o Brasil. Estamos aqui para ajudar e o governo tem que nos ouvir. Somente com a nossa união vamos conseguir alguma coisa", afirmou.
A delegação da Paraíba conta com 50 pessoas. Na sua fala, o cacique Sandro Potiguar disse que por lá, os índios sofrem com a cana de açúcar e a pistolagem. "Nossos caciques estão todos ameaçados de morte", denunciou. "Precisamos ser ouvidos e respeitados. Somos a 6ª economia do mundo e os indígenas estão sofrendo".

Eliseu Xavante do Mato Grosso falou sobre as ameaças vindas da instalação de usinas hidrelétricas. Pediu ajuda às pessoas que vieram de fora. "Deus nos colocou neste Planeta, não para voar como pássaros, nem para nadar como peixes, mas para vivermos como irmãos".
Entre as falas, o cacique Raoni, líder indígena caiapó, acompanhado de pelo menos 40 lideranças do Xingu - MT, entoava refrãos de aprovação.

As grandes obras financiadas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES estão sendo apontadas como a principal causa da degradação do meio ambiente e da invasão das terras indígenas. Conforme o cacique Wera Kawary, "estes projetos estão ferindo a nossa dignidade". O Projeto de Emenda Constitucional - PEC 215, que quer transferir a responsabilidade sobre a demarcação das Terras Indígenas para o Congresso, representa o maior golpe aos povos indígenas.

Manifestação
Após três dias de desabafos e clamores em várias línguas e cores, hoje, 18, as lideranças decidiram sair do Acampamento para fazer ecoar suas vozes e tambores no centro da cidade. O alvo das manifestações era o edifício do BNDES. Com seus adereços e instrumentos, pararam o trânsito ao longo do Aterro do Flamengo, e tomando as Avenidas Rio Branco e Almirante Barroso, rapidamente alcançar o objetivo. Entraram no recinto, mas foram impedidos de passar pela porta principal. Em meio a gritos e cânticos rodearam o edifício estendendo faixas com mensagens. Depois, seguiram até um dos prédios da Petrobras onde dançaram e cantaram.

Enquanto os indígenas protestavam, o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, participava de um painel de discussão sobre "economia verde", no último dia do Fórum de Sustentabilidade Empresarial, que acontece num hotel da Barra da Tijuca. No final da tarde, Coutinho anunciou que o banco trabalha em conjunto com outros 18 bancos de desenvolvimento de vários países na elaboração de "um pacto com o desenvolvimento sustentável e inclusivo".

Fonte: Revista Missões

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