Dirceu Benincá, Cúpula dos Povos na Rio+20
A afirmação foi feita pelo socioeconomista e professor da Escola de Estudos Avançados em Ciências Sociais de Paris, Ignacy Sachs, nesta terça-feira (19), durante seminário "sustentabilidade e trabalho decente em tempos de crise", promovido pela Central Única dos Trabalhadores (CUT), na Cúpula dos Povos, no Rio de Janeiro. Sachs referiu-se ao fato de que o sistema de mercado não tem estratégias de sustentabilidade de longo prazo e não se preocupa com as consequências sociais que gera. Autor de diversos livros sobre desenvolvimento e meio ambiente, Sachs foi o formulador do conceito do ecodesenvolvimento. Com a experiência de ter trabalhado na organização da Primeira Conferência de Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU, realizada em Estocolmo, em 1972, e também como organizador da Rio/92, ele falou da necessidade de medidas sérias para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e promover o desenvolvimento includente e sustentável.
"É preciso sair da ilusão da mão invisível que coordena a sociedade e colocar bem alto a mão visível e seus cinco dedos", enfatizou o professor. Identificou os cinco dedos com um novo contrato socioambiental em cada país e um mega-contrato socioambiental em nível internacional; o planejamento democrático de longo prazo com todos os atores sociais; a segurança alimentar para todos; a segurança energética; e a cooperação internacional. "Estamos longe de termos construido uma política de apoio à agricultura familiar em sua enorme diversidade", argumentou. E acrescentou que assegurar o futuro da agricultura familiar é um elemento fundamental para garantir a segurança alimentar. Segundo ele, devemos racionalizar o uso da energia e investir muito mais nas energias renováveis.
Confira também:
Indígenas marcam presença ativa na Cúpula dos Povos
Movimento dos Catadores de Materiais Recicláveis
Causas com “cheiro de gente” para cuidar da vida no Planeta
Outro assunto estreitamente vinculado a esse, que atraiu a participação de grande número de pessoas na manhã desta terça feira foi a questão da economia solidária. O debate contou com a presença do Secretário Nacional de Economia Solidária, professor Paul Singer, e do sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, professor da Universidade de Coimbra. Singer apontou a economia solidária como uma forma concreta de exercer a democracia econômica e de unir os pobres em suas diferenças, modalidade que precisa ser fortalecida para enfrentar a lógica do modelo capitalista.
Boaventura disse que a economia solidária nasceu quando começamos a perceber que as relações econômicas entre as pessoas não podiam continuar se pautando pelos critérios do egoísmo, do individualismo, do lucro a custa da desgraça dos outros. "Os ribeirinhos, os quilombolas, as populações indígenas, os camponeses da África, os dalits da Índia e outros nunca falaram de economia verde, mas sempre a viveram. Eles promovem uma lógica econômica onde não há pobreza individual e coletiva; onde a felicidade não decorre da posse de bens materiais. Eles têm outra espiritualidade, outra maneira de se relacionar com a natureza e entre si".
De acordo com o sociólogo português, os povos citados nunca falaram de economia popular solidária, mas sempre a vivenciaram na prática. Afirmou que "a hegemonia do capitalismo veio impor uma economia anti-solidária, anti-popular, anti-verde e anti tudo aquilo que estava presente nas outras economias. As economias solidárias não devem ser um apêndice do capitalismo, mas sim a outra possibilidade de um outro mundo futuro. Não podem ser só uma cultura, não podem ser só um discurso. Elas têm que ser uma organização econômica e uma economia política".
Sousa Santos disse ainda que não há nenhuma razão política para que a economia solidária não tenha a escala que tem hoje o capitalismo. E questionou: "Por que a solidariedade tem que ser menos que o egoísmo? A economia solidária tem sempre problemas de implantação porque não tem subsídios como tem o agronegócio e os bancos". Explicou que a economia solidária é solidariedade com a floresta, com a natureza e com os seres humanos, pois ela trabalha com a escala humana e ambiental. "Por isso, ela não deve ser considerada como funcional, mas como disfuncional". Depois fez um apelo: "Peço que saiam da vossa zona de conforto onde vocês se sentem solidários e façam o enfrentamento político".
O sociólogo pregou a necessidade de muito mais política para que seja possível uma outra economia. Para ele, a economia solidária é um grande caminho contra a economia verde. "A economia verde é o cavalo de tróia porque parte da ideia perversa de que os problemas do capitalismo se resolvem com mais capitalismo". Afirmou que a economia verde pretende estabelecer valor de mercado àquilo que a natureza oferece de graça e isso é uma perversão total. Criticou a Conferência da Rio+20, dizendo que ela vai ser um fracasso já que, no documento final, tudo o que podia ser colocado para presevar o meio ambiente, desapareceu. Incentivou a aprofundar a sustentabilidade da economia solidária porque ela é uma economia de transição que vai ajudar a ir da produção ao consumo. "Não basta fazer campanhas e fazer pequenas lutas, que são importantes. É preciso fazer grandes lutas e transformar o sistema político brasileiro", concluiu.
Fonte: Revista Missões