Roque Paloschi*
O julgamento pelo assassinato, em 2003, do índio Macuxi Aldo Mota, morador da comunidade Maturuca, na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, foi concluído no dia 18 de maio de 2012 com a absolvição dos acusados. Não podemos, nesta hora, deixar de manifestar nossa preocupação e nosso repúdio diante de mais um episódio de impunidade e injustiça.
Aldo Mota, casado e pai de nove filhos, foi encontrado morto e enterrado numa cova no dia 09 de janeiro de 2003, na área da fazenda de um vereador do Município de Uiramutã, próxima ao retiro comunitário "Fé em Deus", onde Aldo trabalhava.
Na época, o Instituto Médico Legal de Roraima concluiu em seu laudo que a morte foi natural e com causa indeterminada. Só um segundo laudo, em Brasília, determinou que ele havia sido executado com disparos de arma de fogo. Três pessoas foram acusadas da morte de Aldo. Agora, após nove anos de um processo tortuoso e demorado, adiado em diversas ocasiões, os acusados são absolvidos. Durante a última fase do julgamento, inclusive, houve uma iniciativa no sentido de responsabilizar os próprios índios pela morte do seu parente, numa cena que só pode ser entendida num contexto de evidente discriminação.
Não podemos deixar de considerar a morte de Aldo Mota no contexto da luta pelos direitos territoriais dos povos indígenas, particularmente pela homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. Em 2003, data do assassinato, a região era uma terra indígena demarcada e em espera pelo definitivo ato homologatório. Havia transcorrido mais de 25 anos de um processo de identificação e reconhecimento dos direitos dos índios que contou com a maior oposição de boa parte da classe econômica e política do Estado de Roraima.
Ao longo dos anos, instalou-se um cenário de evidente violência contra as comunidades indígenas e de atentados contra a vida e a integridade física dos índios. Os atos de violência contra as comunidades de Raposa Serra do Sol estão suficientemente registrados e denunciados, e aqueles que conseguiram ser transformados em inquéritos policiais se arrastaram durante anos, sem avanços significativos. O que caracteriza a impunidade é precisamente a ausência de investigações determinadas e bem conduzidas, a falta de apuração de responsabilidades e a conivência com o poder estabelecido. Ameaças, ocupação ilegal, destruição de casas e roças e, finalmente, 21 pessoas assassinadas: esses crimes nunca foram apurados e seus mandantes e executores jamais foram punidos.
Em tal contexto, Aldo foi encontrado depois de haver sido chamado por funcionários da fazenda para retirar um garrote, serviço do qual nunca retornou.
A morte de Aldo era uma morte que podia ter sido evitada. As comunidades vinham denunciando constantemente os problemas e conflitos com os fazendeiros da região, que duravam já alguns anos, mas nunca conseguiram como resposta uma ação mais enérgica por parte das autoridades. Particularmente, devemos frisar que a lentidão nos processos administrativos de reconhecimento do direito dos índios à terra alimentou e perpetuou, muitas vezes, cenários de violência física e intimidação contra os povos indígenas.
Agora é momento de reflexão e determinação, de perseverar na busca permanente da justiça, fonte da paz e da liberdade. Nós sabemos que a verdade nos fará livres, e que a fidelidade a ela nos fortalecerá em meio às dificuldades.
Os pobres e discriminados do Brasil clamam por justiça, a exemplo da viúva do Evangelho. As autoridades locais parece que já esqueceram do caso "Ovelário Tames", que foi parar nos tribunais internacionais em 1995. O Brasil foi condenado e teve que indenizar a família da vítima e construir um monumento no Centro Cívico da nossa capital, Boa Vista. O caso Aldo Mota não pode ficar na impunidade. Como é possível, no Brasil moderno e democrático, alguém ser assassinado e enterrado dentro de uma propriedade e tudo ficar como se nada houvesse acontecido?
Queremos manifestar nossa profunda solidariedade para com a família de Aldo Mota, a quem nos unimos na dor e na esperança, junto com todas as comunidades indígenas de nosso Estado. Nós, como Igreja, com a fé na misericórdia de Deus e fieis à causa de Jesus, queremos renovar nosso compromisso de continuar trabalhando, com humildade, para que todos tenham Vida, e Vida em abundância.
*Roque Paloschi é bispo da diocese de Roraima.
Fonte: www.cnbb.org.br