Heitor Scalambrini Costa *
A reestruturação do setor elétrico brasileiro, iniciada em 1995, impôs um modelo privatista-mercantil que está sendo catastrófico para a sociedade brasileira. Além de herdarmos apagões, racionamento de energia, baixa qualidade no fornecimento; as tarifas a cada ano têm aumentos extorsivos. Enquanto os salários dos trabalhadores sobem pela escada, as tarifas sobem pelo elevador.
A promessa de que o processo de privatização das distribuidoras de energia elétrica iriam favorecer a concorrência e oferecer melhor qualidade dos serviços e a modicidade nas tarifas, acabou sendo uma enorme decepção para aqueles que nutriram esperanças na transferência da gestão publica para a privada.
Hoje com as distribuidoras privatizadas, as tarifas pagas pelo consumidor brasileiro é uma das mais caras do mundo, tanto para o consumidor residencial, como para o comercial, e para o industrial. Para alguns é a carga de imposto embutido nas tarifas, a principal responsável pelo descalabro. Sem dúvida são cobrados impostos sobre impostos, tributo sobre tributo. Diretamente, além do consumo, tributos e contribuições vêm discriminadas na conta como o PIS/Pasep, Cofins, ICMS e contribuição para o custeio da iluminação pública, que é municipal. O ICMS é perverso. Originalmente, seria de 25%, mas da forma como é aplicado representa, na verdade, 36% sobre o valor do fornecimento de energia. Além desses encargos, as empresas recolhem as contribuições setoriais como a conta de consumo de combustíveis fósseis (CCC), a conta de desenvolvimento energético (CDE) e os encargos de serviços do sistema. Também contribuem com o operador nacional do sistema Elétrico (ONS), recolhem para investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) representando ao menos 1% de sua receita líquida operacional, com a compensação financeira pela utilização de recursos hídricos (CFURH), com o programa de incentivo a fontes alternativas de energia elétrica (Proinfa), com a conta de desenvolvimento energético (CDE), com a reserva global de reversão (RGR), com a taxa de fiscalização de serviços de energia elétrica (TFSEE) que é cobrada pela Aneel, com a utilização de bem público (pago pelos produtores independentes que se utilizam de recursos hídricos, com exceção das PCH`s). Todavia mesmo com todos os impostos e tributos, é esquecido à menção aos lucros abusivos que são estampados anualmente nos balanços contábeis das empresas a custa do sacrifício e do desespero do consumidor que não tem a quem recorrer.
Os cálculos que são realizados pelas empresas ao solicitarem a majoração anual das tarifas para a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), seguem o que determina os contratos de privatização. São nestes contratos draconianos, em que se baseiam as empresas para pedir, e o órgão regulador para autorizar o aumento. A metodologia utilizada para o cálculo do reajuste tarifário anual está indexada ao índice geral de preços do mercado (IGP-M), calculado pela Fundação Getúlio Vargas. Além da possibilidade dos reajustes extraordinários e da revisão tarifária a cada cinco anos. Portanto, estão nos contratos os maiores problemas para os consumidores.
Mesmo que os consumidores recorram à justiça, as instâncias superiores sempre darão ganho de causa às empresas. Isto é devido aos contratos serem considerados juridicamente perfeitos. Este esmero jurídico ocorreu na época do inicio do processo de privatização que embutiu clausulas extremamente favoráveis às empresas que adquiriram as companhias distribuidoras. Na época, estas cláusulas pró-empresas, foram justificadas pelo governo federal como necessárias para atraírem os compradores, geralmente internacionais.
Hoje, é imperiosa uma modificação nos contratos, revendo além do indexador que corrige as tarifas, a eliminação das ambiguidades existentes. As tarifas indexadas ao IGP-M representam uma aberração, pois tal índice registra a inflação de preços desde matérias primas agrícolas e industriais até bens fiscais, abrangendo assim toda a população, sem restrição de nível de renda, ficando acima da inflação oficial, que é medida pelo Banco Central pelo Índice Nacional de Preços ao Consumido Amplo (IPCA), que garante em muitos casos, o reajuste salarial do trabalhador.
A postura das empresas é inaceitável quando reivindicam mais e mais compensações à custa da sacrificada e explorada população brasileira. Não se pode aceitar, que os contratos, contrários aos interesses nacionais, se perpetuem. Sem modificações as tarifas continuarão a serem majoradas abusivamente ano a ano. Logo, é nos contratos que reside o cerne do problema das altas tarifas, o resto é conversa para boi dormir (ou utilizado para fins eleitorais).
* Heitor Scalambrini Costa é professor da Universidade Federal de Pernambuco.
Fonte: Heitor Scalambrini Costa - Revista Missões